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Choque de informações e desconfiança dificultam adaptação de sírios ao Brasil

O engenheiro sírio Talal Al-tinawi, 42, está refugiado no Brasil, junto com sua mulher e seus três filhos, de 13 e 10 anos e 7 meses. O bebê nasceu no Brasil - Reprodução/Facebook
O engenheiro sírio Talal Al-tinawi, 42, está refugiado no Brasil, junto com sua mulher e seus três filhos, de 13 e 10 anos e 7 meses. O bebê nasceu no Brasil Imagem: Reprodução/Facebook

Rodrigo Alvares

Do UOL, em São Paulo

19/09/2015 06h00

Em seu apartamento de dois quartos no bairro da Mooca --região central de São Paulo, o sírio Talal al-Tinawi fez uma expressão de dúvida quando foi questionado se alguém do governo havia entrado em contato com ele desde que chegou ao país com a mulher e dois filhos, em dezembro de 2013. "O governo do Brasil só me ajudou a fazer os documentos. Da prefeitura, ninguém entrou em contato. Ajuda só veio da Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado), do Cáritas”, disse.

O engenheiro mecânico contou que chegou ao país através da ajuda da Liga da Juventude Islâmica Beneficente do Brasil, que ofereceu hospedagem, cursos de português para a família e auxílio jurídico. Em nenhum momento, disse ele, houve qualquer tipo de interação com os governos federal, estadual ou municipal.

“Não basta permitir que eles entrem e recebam uma carteira de trabalho e deixar a ambientação deles a cargo de ONGs que não recebem nenhuma ajuda do governo”, diz Marcelo Haydu, do Instituto de Reintegração do Refugiado Adus, uma das ONGs que mais tem ajudado os sírios. “Até porque a tendência é de que os países europeus comecem a fechar suas entradas e mais gente vai vir para cá. O governo tem de se preparar melhor, ou vai ser o caos”, afirma.

Hoje, no Brasil, há reconhecidos 8.400 refugiados e pendentes de julgamento 12.600 solicitantes de refúgio --os sírios são maioria, cerca de 2.100. A norma que concede vistos especiais às pessoas afetadas pelo conflito vale até 23 de setembro, mas o governo brasileiro estuda estender o prazo.

O secretário nacional de Justiça e presidente do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), Beto Vasconcelos, falou ao UOL que o governo federal, em parceria com os governos estaduais e municipais, além de parcerias com organizações da sociedade civil que trabalham com refugiados há muito tempo, tem desenvolvido ações de acolhimento, assistência jurídica, psicológica e social a muitos desses solicitantes.

“A maior dificuldade dos refugiados no país é a língua e a cultura. Por isso, a integração social é muito importante”, disse o secretário. “Se não fossem as ONGs, nós ficaríamos largados no país”, afirmou Tamil, outro refugiado sírio que também mora na capital paulista e pediu para não ter o sobrenome publicado.

"Eles têm medo de contatar o governo, profunda desconfiança”, disse Juliana Armedi, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do governo do Estado de São Paulo. Ela salienta que, por motivos culturais, os sírios preferem não entrar em contato com qualquer instância do governo, já que fugiram de uma guerra civil causada, em grande parte, pelo governo do ditador síro Bashar Assad.

"Estamos tentando nos aproximar deles através de instituições da sociedade civil. Criamos um curso de português no Centro do Imigrante, onde eles também têm atendimento da Secretaria do Trabalho. O importante é que possamos dar autonomia para essas pessoas”, afirmou Juliana.

O CIC (Centro de Integração da Cidadania) do Imigrante, localizado na Barra Funda, região central da capital paulista, atende à crescente demanda detectada pelos comitês de enfrentamento ao tráfico de pessoas, combate ao trabalho escravo e atenção a refugiados, coordenados pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania.

O CIC presta serviços da Defensoria Pública Estadual e Federal, do PAT (Posto de Atendimento ao Trabalhador) e do Procon, além da emissão de segundas vias de certidões, serviços de regularização migratória e do Poupatempo. A Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo foi contatada várias vezes durante duas semanas, mas não respondeu aos pedidos de entrevista solicitados pela reportagem até a publicação deste texto.

Reunião para estender concessão

O Brasil implementou uma medida de dois anos em 2013 para a concessão de vistos especiais para pessoas afetadas pelo conflito sírio. A intenção do governo federal era auxiliar e garantir que boa parte desses cidadãos obtivesse a concessão de refúgio no Brasil.

De acordo com Vasconcelos, do Conare, está agendada uma reunião em 21 de setembro para estender essa concessão e garantir o acolhimento e a proteção dos refugiados. A legislação garante aos solicitantes de refúgio e àqueles que obtêm a condição de refúgio o direito à obtenção de documentação civil, documentação de trabalho, de acesso aos sistemas públicos de saúde e educação.

"A ação do governo é possibilitar que os refugiados entrem de forma menos burocrática. Cabe, sim, ao Brasil se estruturar para receber melhor essas pessoas”, disse Haydu, do Adus.