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Lei de 'Estado-nação judaico' divide sociedade israelense

Guila Flint

De Tel Aviv, para a BBC Brasil

26/11/2014 11h50Atualizada em 26/11/2014 12h18

Um projeto de lei que qualificaria Israel como "Estado-nação do povo judeu" vem gerando críticas de políticos de centro e de esquerda, de juristas, de intelectuais e até do Procurador-Geral da Justiça.

A polêmica proposta foi encaminhada pelo gabinete do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, ao Parlamento e deverá ser votada no próximo dia 3 de dezembro.

Segundo o projeto, Israel passará a ser classificado como Estado-nação do povo judeu, a língua árabe perderá o status de língua oficial do país, poderão ser construídos cidades e povoados exclusivos para judeus e a lei religiosa judaica servirá de inspiração para decisões judiciais.

Ao decidir encaminhar o projeto para a aprovação do Parlamento, o premiê Netanyahu afirmou que é importante deixar claro que Israel é "o Estado-nação do povo judeu e só do povo judeu".


"O Estado de Israel é o Estado-nação do povo judeu. Há igualdade de direitos individuais para todos os cidadãos e nós a garantimos. Porém só o povo judeu tem direitos nacionais: bandeira, hino, o direito de todos os judeus de imigrarem para Israel e outras caracteristicas nacionais. Esses direitos são só do nosso povo, em seu único Estado", afirmou o premiê.

De acordo com Netanyahu a nova lei é necessária "pois hoje em dia muitos desafiam o caráter de Israel como Estado-nação do povo judeu. Os palestinos se negam a reconhecê-lo e também há oposição de dentro".

O reconhecimento por lei dos direitos coletivos da grande minoria árabe não aparece na formulação aprovada pelo premiê, que menciona apenas "direitos individuais".


Ao sobrepor explicitamente o caráter judaico do Estado de Israel ao caráter democrático, o projeto de lei levou até o principal aliado israelense, os Estados Unidos, a emitir um comunicado inusitado.

"Israel é um Estado judaico e democrático e todos os seus cidadãos devem ter direitos iguais", disse o Departamento de Estado americano. "Esperamos que Israel mantenha seus princípios democráticos."

Críticas

O Procurador Geral da Justiça, Yehuda Wenstein, condenou a iniciativa do gabinete em termos duros, afirmando que o projeto de lei visa a "alterar significativamente a lei constitucional, ancorada na Declaração de Independência (de 1948) e nas leis básicas do Parlamento, e enfraquecer o caráter democrático do Estado".

De acordo com editorial do jornal "Haaretz", o projeto irá "desconectar o Estado de Israel do círculo dos Estados democráticos e lhe outorgará um lugar de honra ao lado dos Estados sombrios, nos quais as minorias são perseguidas".

Segundo o jurista Eyal Gross, a afirmação que consta no projeto de lei, de que "o direito de implementação da autodeterminação nacional é exclusivo do povo judeu", contradiz a ideia de que a grande minoria nacional (dos árabes-palestinos que vivem em Israel) também tem direito a representatividade e não apenas a "direitos individuais".

Em artigo no jornal "Haaretz", Gross afirma que o projeto de lei constitui "mais um passo no recrudescimento da discriminação da população árabe ou talvez na concretização do plano de (Avigdor) Lieberman – de exclusão dessa população das fronteiras do país".

O chanceler Lieberman já mencionou várias vezes seu plano de "troca de territórios e populações", que consiste na transferência de cidades árabes israelenses para o futuro Estado Palestino por meio de uma remarcação das fronteiras.

Dois partidos de centro, aliados de Netanyahu na coalizão governamental, votaram no gabinete contra o projeto de lei: o partido Yesh Atid, liderado pelo ministro das Finanças, Yair Lapid, e partido Hatnuah, chefiado pela ministra da Justiça, Tzipi Livni.


Ambos os partidos qualificam o projeto como antidemocrático e anunciaram que não o apoiarão na votação no Parlamento.

Nessas circunstâncias, Netanyahu poderá demitir os ministros que se posicionarem contra o governo, levando à dissolução do parlamento e à antecipação das eleições.

Diante da oposição de partidos membros da coligação governamental ainda não se sabe se o projeto será aprovado pelo Parlamento.

 

Fortalecimento da direita

Em vista das últimas pesquisas de opinião, que indicam um fortalecimento da direita e da extrema-direita, existem especulações de que o premiê gostaria de dissolver o Parlamento, pois poderia sair fortalecido se novas eleições fossem realizadas neste momento político.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Geocartografia, se as eleições fossem realizadas hoje, o partido de Netanyahu – Likud – obteria 27 das 120 cadeiras do Parlamento.

Em seguida viriam o partido de extrema-direita Habait Hayehudi, liderado pelo ministro da Indústria e Comercio, Naftali Bennet, que ficaria com 19 cadeiras; e o partido do chanceler Avigdor Lieberman, Israel Beitenu, que obteria 17 cadeiras.

O levantamento mostra que os três partidos da direita israelense poderiam compor uma coligação governamental sem precisar se aliar com partidos de centro, pois obteriam 63 das 120 cadeiras do Parlamento.