Topo

Pianista que 'desafiou' guerra com música em área devastada conta por que deixou a Síria

21/09/2015 16h55

Entre as ruínas do destruído campo de refugiados palestino de Yarmouk, na periferia de Damasco, na Síria, o pianista Ayham al-Ahmad acendeu uma rara fagulha de esperança em meio à devastação da guerra civil.

Vídeos em que ele toca piano nas ruas de Yarmouk, acompanhado por crianças e outros moradores do campo, foram muito compartilhados em redes sociais como um símbolo do espírito de resistência do campo.

Mas agora ele se uniu aos milhões de refugiados que fugiram da Síria. Ele conversou com o repórter da BBC Ian Pannell em cada parte da rota, explicando por que decidiu ir embora e como seria a difícil jornadas para a Europa. Leia, abaixo, seu depoimento nos diferentes momentos do trajeto.

Destino Turquia

"Seis meses após o bloqueio parcial de Yarmouk, o campo ficou fechado. Farinha e pão foram proibidos, nada mais chegava ao campo.

Costumávamos dizer que eles teriam interrompido até as correntes de ar se encontrassem uma forma de fazer isso. A essa altura, comecei a perceber a situação em que havia colocado meus filhos. Por que fiquei? Por que ficaria?

Os piores momentos eram quando ouvia Ahmad, meu filho, chorando às 2h da manhã. Ele estava com fome e não havia leite. Eu tinha algum dinheiro, mas não conseguia comprar nada para ele com o dinheiro.

Esses foram os momentos mais difíceis para mim. Nunca passei por nada pior do que isso.

No meu aniversário, em abril, decidi deixar o campo. Não podia mais tocar piano lá, porque isso me colocaria em perigo. Então coloquei o piano na van, cobri com papelão e tentei sair.

Mas havia um membro do (grupo autodenominado) Estado Islâmico no posto de checagem que me parou e perguntou: "Você não sabe que instrumentos musicais são haram (proibidos)?". Então eles queimaram meu piano.

Minha ida para a Turquia foi muito perigosa. Andei por quatro horas com cobras. Agradeci a Alá por não ter trazido as crianças, porque até homens estavam desmaiando e eu ajudei alguns.

Caminho para Izmir

Estou com muito medo da travessia pelo mar. À medida que me aproximo de Izmir, me preocupo com isso --será que o mar vai estar como da última vez que o vi, na Lataquia (Síria), em 2007? Será que ele estará bonzinho ou será o tipo de mar que matou o menino (Alan Kurdi) há alguns dias?

Em Izmir, vou me encontrar com meu tio e vamos planejar nossa ida. Quero ter certeza de que não serei roubado porque tenho muito pouco dinheiro.

Quero fazer a viagem assim que conseguir para poder levar meus filhos e minha mulher de Damasco para a Alemanha e poder vê-los novamente.

A caminho da Turquia, fui pego por uma tempestade de areia. Está ventando mais, está mais frio e as ondas estão maiores. Vi pessoa tremendo (ao chegar) à Europa.

Apesar de estar muito cansado, quero atravessar o mais rápido possível. Posso não me afogar, mas posso morrer de frio na Europa.

Travessia de barco para a Europa

Ficamos retidos na Turquia por dois dias porque o motor do bote estava quebrado.

Graças a Deus estou aqui. É um sentimento muito bom. Sinto que há uma nova esperança surgindo em cada local por que passo.

Quando cruzei da Síria para a Turquia, isso fez muita diferença para mim. Eu estava muito nervoso porque não esperava que fosse tão longe. Em um momento eu só queria pegar meu colete salva-vidas e nadar para a costa.

O traficante que nos colocou no barco demorou um pouco e eu comecei a achar que estava sendo enganado. Mas agora estou na Grécia e estou muito feliz e aliviado.

Estou muito cansado. As pessoas no barco estavam muito nervosas. Estavam paranoicas e com medo. Mas foi uma viagem tranquila. O mar está calmo, acho que os guardas costeiros estavam dormindo.

Agora estou fora de perigo, do perigo de me afogar, e espero que consiga chegar a algum lugar seguro e trazer minha família, porque qualquer lugar seria mais bonito ainda com Ahmad, Kinan e a mãe deles. Espero poder chegar à Alemanha e me reunir com meus filhos e minha mulher."