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Exército deixa favela, e igreja é assaltada em 3 horas: "ordem do tráfico é reprimir moradores"

Assaltante armado rendeu cerca de 30 fiéis na Vila Kennedy, na zona oeste do Rio - Reprodução
Assaltante armado rendeu cerca de 30 fiéis na Vila Kennedy, na zona oeste do Rio Imagem: Reprodução

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

09/03/2018 10h55

Já era fim dos atos litúrgicos na Igreja Católica Santo Cura D’ars, na rua Etiópia, a principal via que corta a Vila Kennedy, favela da zona oeste do Rio de Janeiro, quando um criminoso encapuzado rendeu cerca de 30 pessoas na noite de quinta-feira (8), levando dinheiro da paróquia, além de joias e celulares dos fiéis.

Fazia cerca de três horas que as tropas das Forças Armadas tinham deixado o bairro, que vem passando por sucessivas ações, cujo objetivo é enfraquecer o crime organizado na região --a comunidade conta com uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Ontem, soldados distribuíram flores a moradoras pelo Dia Internacional da Mulher. Nesta sexta, os militares realizam a sexta ação na Vila Kennedy em duas semanas.

No entanto, a permanência parcial dos militares, que deixam a comunidade ao final do dia --não há previsão de ocupações prolongadas durante a intervenção-- não resolveu a falta de segurança no bairro. 

"A gente sabe que o boato deles [criminosos] é o seguinte: vai ter repressão aos moradores quando o Exército for embora. Às 16h em ponto eles [militares] vão embora. E aí, como é que a gente fica? A gente tem vida durante a noite também. Nossas crianças voltam da escola. É complicado”, desabafou uma mulher ligada à igreja, sob condição de anonimato.

Procurado, o setor de operações do GIF (Gabinete de Intervenção Federal) disse que “não havia Forças Armadas na área. Apenas a PM”, e solicitou que as questões da reportagem fossem repassadas à Secretaria de Segurança —que ainda não se manifestou.

Por meio de nota, a Polícia Militar informou que, "segundo o comando da UPP Vila Kennedy, nenhuma equipe policial e nem a base da unidade foram procuradas para a comunicação ou registro do suposto incidente". O UOL aguarda a manifestação da Polícia Civil sobre o caso.

A paróquia Santa Cura D’ars é tão antiga quanto a comunidade e se instalou lá em 1964, ano em que a Vila Kennedy foi fundada pelo então arcebispo do Rio, Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara.

"Meu marido estava lá, as confissões já estavam de finalzinho. A maior parte já tinha ido embora. Tinham de 30 a 40 pessoas por lá”, contou uma moradora que preferiu não se identificar.

O menino armado rendeu todo o mundo, assaltou o padre, levou carteiras, dinheiro, tudo. Levaram a aliança do meu marido. A sensação é péssima. A gente já perdeu o direito de ir e vir. Estamos sendo acuados, nem na igreja podemos ir mais.

Moradora da Vila Kennedy, sob anonimato

Ela diz acreditar, entretanto, que a intervenção esteja funcionando. “A não ser quando eles vão embora. A gente fica à deriva quando eles saem”, observou. “Mas sabemos que não vai mudar da noite para o dia. Essas barricadas deixavam as ruas todas fechadas, não tinha como sair de carro. Era preciso dar voltas por cinco ou seis ruas para chegar em casa.”

Após um tiroteio entre PMs da UPP e criminosos no último domingo (4), Valdir Vieira da Silva, 66, morreu baleado na cabeça na Vila Kennedy. Uma mulher também foi ferida na perna.

No começo desta semana, a comunidade também foi alvo de duas operações da Polícia Militar (Batalhão de Choque e UPP).

As operações das Forças Armadas na favela começaram no dia 23 de fevereiro, após ser localizada na região uma arma que pertencia ao sargento Bruno Cazuca, morto três dias antes por criminosos em Campo Grande, bairro da zona oeste do Rio.

A Vila Kennedy vem sendo tratada pela equipe do interventor como um modelo para as operações das forças de segurança no Rio. A favela foi a região que mais recebeu ações militares desde o início da intervenção, no dia 16 de fevereiro.