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Militares usam navios de guerra em operação em favela à beira da baía de Guanabara

Gabriel Sabóia e Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

29/08/2018 06h29Atualizada em 29/08/2018 20h43

Agentes das Forças Armadas foram recebidos a tiros no início de uma operação realizada na manhã desta quarta-feira (29) no que é considerada a principal base da facção criminosa Comando Vermelho na região metropolitana do Rio, o complexo de favelas do Salgueiro, situado em São Gonçalo, à beira da baía de Guanabara. Ao menos dois suspeitos morreram na operação, segundo o Gabinete de Intervenção Federal.

A ação envolve cerca 2.800 combatentes, dois navios de guerra, blindados terrestres e helicópteros.

Em paralelo à operação em São Gonçalo, a Polícia Militar realiza ao menos quatro outras operações contra o crime organizado no Rio nas comunidades Pavão Pavãozinho e Cantagalo, em Copacabana e Ipanema (zona sul), Cidade de Deus (zona oeste) e morro do Dendê (zona norte). Foram registrados tiroteios. Na terça-feira (28), ocorreram ao menos dez confrontos em comunidades que contam com UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).

De acordo com militares, um dos suspeitos morto no Salgueiro atacou a tropa com uma arma de fogo, foi ferido em troca de tiros e levado para o hospital, mas não resistiu. O outro furou dois bloqueios das Forças Armadas e atacou as tropas, segundo o Comando Conjunto. Os nomes deles não foram divulgados.

Foram apreendidos um fuzil, seis pistolas, carregadores, munições, motos e embarcações. Três ilhas foram vasculhadas; 27 embarcações, abordadas e 4.500 revistas e checagens de antecedentes, registradas. 

Segundo o coronel Carlos Cinelli, porta-voz do Comando Conjunto, foi encontrado um píer que era usado como rota de fuga de criminosos e ponto de embarque e desembarque de drogas e armas no Salgueiro. Em outro episódio, uma lancha blindada da Marinha perseguiu uma embarcação e prendeu oito suspeitos. Outros quatro suspeitos foram presos pelas tropas em terra.

A operação ocorre quatro dias após as Forças Armadas deixarem o Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, considerado o quartel-general da facção no estado. Na ocasião, os militares também agiram nos complexos de favelas da Penha e da Maré. Ao menos oito pessoas morreram (três militares e cinco suspeitos).

A ação de hoje começou no fim da madrugada. Militares do 1º Distrito Naval usaram uma força-tarefa naval composta por dois navios de guerra, 11 embarcações menores (entre elas, uma lancha blindada tripulada por forças especiais), 300 militares e 12 policiais federais para cercar uma região de 61 km² da baía de Guanabara. A região abrange uma área habitada por cerca de 1 milhão de pessoas, segundo estimativa da intervenção federal.

O objetivo é evitar que criminosos fujam em pequenos barcos e jet skis de uma operação terrestre lançada simultaneamente no complexo de favelas. Segundo o Comando Conjunto, uma força formada por 2.520 militares, blindados e veículos de transporte de tropas ocupou toda a região. Agentes da PF estão dentro dos navios para inspecionar embarcações suspeitas.

A região de São Gonçalo é uma das mais violentas do estado do Rio. Ela está na região administrativa da Polícia Militar (AISP 7) que registrou o terceiro maior número de homicídios em 2017 (406), atrás apenas de Nova Iguaçu (544) e Duque de Caxias (468), segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública). Em relação a roubos de veículos, foi a área recordista do Rio de Janeiro, com 6.195 casos em um ano.

As Forças Armadas já haviam realizado grandes operações em São Gonçalo (no Complexo do Salgueiro e no vizinho Jardim Catarina) ao menos duas vezes desde o início da intervenção federal em fevereiro. Em ambas as ações, em março e em julho, os militares foram recebidos a tiros por membros do Comando Vermelho. Além disso, a região vinha sendo alvo de patrulhamento constante dos militares desde julho.

Em novembro passado, uma ação da Polícia Civil, com participação das Forças Armadas, deixou oito mortos no Complexo do Salgueiro. O episódio, que levou medo à comunidade, ocorreu um dia após um PM ser morto na região, que também foi alvo de megaoperação na mesma semana, com tropas do Exército e da polícia fluminense no combate ao tráfico de drogas.

São Gonçalo foi uma das áreas do Rio onde as Forças Armadas mais se envolveram em tiroteios durante a intervenção (quase dez episódios), perdendo apenas para a Praça Seca (que teve quase 15 tiroteios).

Até agora foram realizadas cerca de 20 operações de “cerco e investimento”, as ações ostensivas das Forças Armadas em áreas dominadas pelo crime organizado. O Comando Conjunto também está divulgando canais para que a população possa fazer denúncias anônimas --o telefone (21) 2253-1177 e o e-mail ouvidoria.intervencao@cml.eb.mil.br.

Moradores defendem ação, mas dizem que não resolve problema

“Como comerciante é ruim porque cai muito o movimento em dia de operação, mas como cidadã assino embaixo. É todo dia criminoso passando aqui armado, a situação está muito ruim”, disse a dona de uma banca de jornais que pediu para não ter o nome revelado.

Militares estão realizando revistas em carros de moradores nos principais acessos da favela.

“Esse tipo de operação ajuda o bairro, mas atrapalha um pouco a nossa vida também. Fiquei parado para passar pela blitz, e agora estou atrasado para o trabalho. No fim, é uma coisa boa, ajuda, mas não resolve o problema”, disse outro morador.

Crimes na baía de Guanabara

Investigações da Polícia Civil mostraram que as principais facções criminosas do Rio vêm usando a baía de Guanabara como rota para fugir de uma favela para outra durante operações policiais.

As águas da baía também têm sido usadas para transportar armas e drogas entre favelas controladas por uma mesma facção, segundo o delegado da Polícia Civil Marcos Amim. O Comando Vermelho, por exemplo, controla o Salgueiro, em São Gonçalo, e parte da Maré, na zona norte do Rio --ambas favelas que ficam à margem da baía de Guanabara.

A Marinha está desenvolvendo um sistema de monitoramento da baía formado por radares e sensores que acionam forças especiais para abordar embarcações suspeitas e reprimir essa modalidade de crime.

Outras operações

Moradores de ao menos quatro comunidades do Rio voltaram a acordar com o som de tiros nesta quarta. A Polícia Militar iniciou, por volta das 5h, operações nos morros do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, e do Cantagalo, em Ipanema (ambas na zona sul).

Um suspeito foi atingido na mão. De acordo com a PM, o homem --que não teve o nome divulgado-- participou de um ataque a policiais da UPP do Pavão-Pavãozinho, que buscavam drogas e armas na parte alta da comunidade.

Na Cidade de Deus, a troca de tiros também começou cedo. Por volta das 7h, moradores da comunidade já relatavam confrontos. "Hoje começou cedo. Mais um dia na CDD", disse uma moradora da favela, em uma rede social. Às 10h, o aplicativo Onde Tem Tiroteio voltou a alertar para novas trocas de tiros no interior da comunidade. Não há informações sobre feridos.

Na zona norte, as operações da PM se concentraram no Morro do Dendê, na Ilha do Governador. Os batalhões de Operações Especiais (Bope) e de Ações com Cães (BAC) realizam buscas no interior da comunidade desde as 5h, quando foram relatados os primeiros disparos na região. A PM informou que uma tonelada de droga foi apreendida.