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Vazamentos da Lava Jato

Dallagnol vazou informações de investigações para imprensa, diz Intercept

O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba - Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Do UOL, em São Paulo

29/08/2019 07h35Atualizada em 10/09/2019 12h39

Diálogos obtidos pelo site The Intercept Brasil e publicados hoje apontam que o coordenador da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, mentiu ao público ao negar que agentes públicos passavam informações de investigações à imprensa. Em chats no Telegram, procuradores admitem "vazamentos", e Dallagnol aparece antecipando um passo de uma das operações a jornais.

De acordo com as mensagens exibidas pelo Intercept, Dallagnol participou de grupos em que esse tipo de vazamento era debatido, planejado e realizado.

Em 21 de junho de 2015, o procurador da Lava Jato Orlando Martello enviou, segundo as mensagens obtidas no Telegram, a pergunta ao colega Carlos Fernando Santos Lima, no grupo FT MPF Curitiba 2, que reúne membros da força-tarefa: "Qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?". Santos Lima disse não saber do que Martello estava falando, mas afirmou: "Meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração".

Esta conversa teria ocorrido dois dias após a 14ª fase da Lava Jato, que apontou para as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez. Os procuradores debatiam estratégias para conseguir um acordo de delação com Bernardo Freiburghaus, apontado como operador de propinas da Odebrecht.

Neste mesmo dia, Dallagnol e Martello disseram no grupo que vazaram informação de que os EUA ajudariam na investigação de Freiburghaus. Segundo os diálogos, eles informaram a repórteres do jornal O Estado de S. Paulo, antecipando a movimentação, para pressionar o investigado. Dallagnol teria sido o responsável.

"O operador da Odebrecht era o Bernardo, que está na Suíça. Os EUA atuarão a nosso pedido, porque as transações passaram pelos EUA. Já até fizemos um pedido de cooperação pros EUA relacionado aos depósitos recebidos por PRC. Isso é novidade. Vc tem interesse de publicar isso hoje ou amanhã, mantendo meu nome em off? Pode falar fonte no MPF. Na coletiva, o Igor disse que há difusão vermelha para prendê-lo, e há mesmo. Pode ser preso em qualquer lugar do mundo. Agora com os EUA em ação, o que é novidade, vamos ver se conseguimos fazer como caso Fifa com o Bernardo, o que nos inspirou", diz Dallagnol, na mensagem obtida pelo Intercept. O repórter, que não teve a identidade revelada, responde. "Putz sensacional! !!!! Publico hj!!!!!!!".

Estadão - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

A informação virou manchete do jornal, sob o título "Americanos vão ajudar a investigar a Odebrecht". Antes, Dallagnol falou, no grupo "FT MPF Curitiba 2": "Amanhã cooperação com EUA pro Bernardo é manchete do Estadão. Confirmado". Carlos Fernando dos Santos Lima respondeu: "Tentei ler, mas não deu. Amanhã vejo. Vamos controlar a mídia de perto. Tenho um espaço na FSP (Folha de S.Paulo), quem sabe possamos usar se precisar."

O UOL procurou o jornal O Estado de S.Paulo, que afirmou que não irá se posicionar. Procurado pela reportagem, o jornal Folha de S.Paulo disse em nota oficial: "O único espaço que protagonistas do debate nacional sempre terão na Folha é para expressarem seus pontos de vista, dentro da premissa da Folha de promover o pluralismo e o equilíbrio editorial. Um desses espaços é a seção Tendências/Debates, na qual o procurador Carlos Fernando escreveu 13 vezes de 2005 a 2019".

Em entrevista de 2017, à BBC, Dallagnol foi questionado sobre vazamentos por integrantes da força-tarefa e respondeu que "nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram. Para não dizer que não vazaram, vazaram em apenas um caso e com dedicação e alguns lances de sorte foi possível identificar a origem do vazamento". E apontou para a imprensa, dizendo que haveria impeditivos para descobrir sobre vazamentos junto a jornalistas. "Nós não temos um instrumento eficiente para identificar a fonte de um vazamento com as restrições devidas relativas à proteção da imprensa."

Pressão por delação

As mensagens à mesma época também mostram as estratégias dos procuradores para tentar influenciar Freiburghaus a aceitar um acordo e fazer a delação.

"Acho que temos que aditar para bloquear os bens dele na Suíça. Conta, Imóvel e outros ativos. Ir lá e dizer que ele perderá tudo. Colocar ele de joelhos e oferecer redenção. Não tem como ele não pegar", disse Dallagnol, em 22 de junho de 2015, de acordo com os diálogos. Ainda assim, Bernardo Freiburghaus não aceitou fazer delação.

Ao Intercept, a assessoria de imprensa da Lava Jato afirmou que a força-tarefa "jamais vazou informações sigilosas para a imprensa, ao contrário do que sugere o questionamento recebido" e argumenta que apenas se fosse ilegal ou violasse ordem judicial uma informação passada à imprensa poderia ser caracterizada como "vazamento" —e que, portanto, o caso do jornal O Estado de S. Paulo não seria um vazamento.

A nota da assessoria confirma que a informação de que os Estados Unidos ajudariam na investigação é nova. "O único caso mencionado na consulta à força-tarefa se refere a uma reportagem do Estadão que combinava dados disponíveis em processos públicos e uma informação nova, igualmente sem sigilo, sobre possíveis estratégias que se cogitavam adotar no futuro, em relação à formulação de pedido de cooperação a ser enviado, o que não caracteriza vazamento."

Vazamentos seletivos

Além do caso de 2015, um outro aconteceu em 2016, de acordo com os diálogos. Nele, fala-se abertamente em "vazamento seletivo", para influenciar um suposto pedido de liberdade para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

No grupo Filhos do Januario 1, em 12 de dezembro de 2016, acontece o seguinte diálogo:

Carlos Fernando dos Santos Lima - 18:45:31 - Recebi do russo : Off recebi uma notícia que não sei se é verdadeira que haveria uma articulação no STF para soltura do Cunha amanhã
Roberson Pozzobon - 18:51:49 - Essa info está circulando aqui a PGR tb
Paulo Roberto Galvão - 18:57:24 - O Stf seria depredado. Não acredito
Athayde Ribeiro Costa - 18:57:40 -toffi, lewa e gm. nao duvido
Santos Lima - 18:58:37 - É preciso ver quem vai fazer a sessão.
Jerusa Viecilli - 18:58:39 - Pqp
Santos Lima -19:00:58 - Alguma chance de soltarmos a notícia da GOL?
Costa - 19:01:35 - vazamento seletivo...

O Intercept vem revelando desde 9 de junho diálogos que teriam sido mantidos por procuradores da Lava Jato e pelo próprio Moro. Em parceria com o site, o UOL, a Folha de S.Paulo, o blogueiro do UOL Reinaldo Azevedo, o site do jornal espanhol El País no Brasil, o BuzzFeed e a revista Veja também publicaram conversas que teriam origem no Telegram.

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