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Vazamentos da Lava Jato

Áudio, Lula, FHC, STF e mais: o que vazou de Moro e Lava Jato até agora

Do UOL, em São Paulo

07/07/2019 04h00Atualizada em 10/09/2019 15h40

O site The Intercept Brasil publica desde 9 de junho conversas atribuídas ao então juiz Sergio Moro e a integrantes da Lava Jato - que dizem que alguns diálogos podem ter existido, mas não reconhecem a legitimidade de todas as mensagens - sem no entanto apontar quais teriam sido adulteradas.

Repórteres da Folha de S.Paulo que tiveram acesso ao material encontraram mensagens que enviaram a integrantes da Lava Jato dentre os arquivos, que teriam sido trocados por meio do Telegram - aplicativo similar ao Whatsapp - e que o Intercept afirma ter recebido de forma anônima.

As mensagens sugerem que Moro não se ateve ao papel de julgar processos da Lava Jato quando era juiz. Ele teria influenciado os rumos da investigação, o que é proibido pela Constituição.

Veja os principais trechos publicados até agora:

23 de fevereiro de 2015: delações de executivos da Camargo Corrêa

Publicado em 18 de julho de 2019: Mensagens entre os procuradores mostram que Moro interferiu nas negociações das delações de executivos da construtora Camargo Corrêa. Os diálogos revelam que o então juiz afirmou que só validaria os acordos se os executivos tivessem pena de ao menos um ano de prisão em regime fechado. A lei prevê que os juízes devem manter distância das negociações e tem o papel de apenas verificar a legalidade dos acordos.

"A título de sugestão, seria bom sondar Moro quanto os patamares estabelecidos", escreveu Deltan Dallagnol em 23 de fevereiro de 2015 ao também procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que conduzia as negociações da delação.

No dia 25 daquele mês, Deltan voltou ao assunto com Santos Lima, dizendo que achava "perigoso para o relacionamento" seguir adiante sem falar com Moro.

Dois dias depois, os acordos foram assinados e ficou acertado que Dalton Avancini e Eduardo Leite, executivos da construtora presos à época em Curitiba, sairiam da cadeia com tornozeleiras eletrônicas e ficariam mais um ano presos em casa, o que mostra que a opinião do então juiz foi levada em consideração pelos procuradores.

Quando um terceiro executivo da construtora fechou delação seis meses depois, Deltan consultou Moro sobre em qual instância o acordo seria submetido a homologação. O juiz respondeu que era indiferente, mas quis saber os termos do acordo ao questionar "condições e ganhos".

13 de julho de 2015: o "Fachin é nosso"

Publicado em 5 de julho de 2019: Uma das mensagens mais antigas divulgadas até agora mostra entusiasmo de Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato no Paraná, após reunião com o ministro do STF Edson Fachin ("aha, uhu, o Fachin é nosso"). O material também traz relatos de um encontro entre Moro e Fausto Silva, da TV Globo, no qual o apresentador teria aconselhado os procuradores a falar de forma mais simples, para que todos entendessem.

Esta leva de diálogos também mostraram que o então juiz pediu a inclusão de provas em uma denúncia contra Zwi Skornicki, um dos maiores operadores de propina no esquema de corrupção. Revelaram ainda que Moro se mostrou contrário a um acordo de delação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ).

Segundo a revista Veja, que fez parceria com o Intercept na divulgação deste episódio, Moro também teria omitido informações solicitadas pelo ministro do STF Teori Zavascki, morto em 2017, para manter um inquérito na vara chefiada por ele em Curitiba.

21 de fevereiro de 2016: orientações de Moro à Lava Jato

Publicado em 9 de junho de 2019: A primeira reportagem publicada pelo Intercept trazia conversas indicando que Moro sugeriu a troca de ordem das fases da Lava Jato, cobrou novas operações, deu conselhos e pistas aos procuradores, além de antecipar decisões.

23 de março de 2016: apoio a Moro contra STF e "tontos" do MBL

Publicado em 23 de junho de 2019: De acordo com essas mensagens, procuradores da Lava Jato se articularam para proteger Sergio Moro e evitar que tensões entre ele e o STF paralisassem as investigações num momento crítico para a força-tarefa em 2016.

O objetivo era evitar que a divulgação de papéis encontrados pela PF na casa de um executivo da Odebrecht acirrasse confronto com o Supremo ao expor indevidamente dezenas de políticos que tinha direito a foro especial e só poderiam ser investigados com autorização da corte.

Moro reclamou da ação da polícia a Dallagnol, que prometeu apoio incondicional ao juiz: "Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações", escreveu.

Mais tarde, Moro pediu a Deltan que ajudasse a conter o grupo antipetista MBL (Movimento Brasil Livre), após um protesto em frente ao apartamento do ministro Teori Zavascki em Porto Alegre, em que militantes estenderam faixas que o chamavam de "traidor" e "pelego do PT" e pediam que deixasse "Moro trabalhar".

"Nao.sei se vcs tem algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condominio.do ministro", digitou Moro no Telegram, no fim da noite. "Isso nao ajuda evidentemente."

16 de abril de 2016: dinheiro da Vara Federal usado para vídeo

Publicado em 15 de julho de 2019: Reportagem de Reinaldo Azevedo, blogueiro do UOL, mostra que Deltan Dallgnol pediu a Sergio Moro para que "valores" da 13ª Vara Federal de Curitiba fossem aplicados na produção de um vídeo sobre as "Dez medidas contra a corrupção". A peça, segundo as mensagens, seriam veiculadas na TV Globo.

"A produtora está cobrando apenas custos de terceiros, o que daria uns 38 mil. Se achar ruim em algum aspecto, há alternativas que estamos avaliando, como crowdfunding e cotização entre as pessoas envolvidas na campanha.", escreveu Deltan às 13h32 daquele dia.

Antes de obter uma resposta, Deltan enviou a Moro arquivos em PDF detalhando os trâmites com a produtora responsável pelo vídeo

No dia seguinte, Moro responde: "Se for so uns 38 mil achi [quis escrever "acho"] que é possível. Deixe ver na terça e te respondo".Elaborado em 2015, o pacote de "10 medidas contra a corrupção", apoiado publicamente por Deltan e outros procuradores, chegou a ser apresentado no Congresso, mas não avançou.

22 de abril de 2016: "In Fux we Trust"

Publicado em 12 de junho de 2019: O Intercept Brasil, em parceria com o jornalista Reinaldo Azevedo, no programa "O É da Coisa", da Band News FM, apresentou mensagem em que Dallagnol relatara a Moro um encontro de 22 de abril de 2016 com o ministro do STF Luiz Fux.

O teor da conversa com o ministro do Supremo teria sido a repreensão feita a Moro pelo também ministro do STF Teori Zavaski, então relator da Lava Jato no tribunal, no episódio da divulgação de um grampeamento ilegal da conversa entre os ex-presidentes Dilma Rousseff e Lula.

Na conversa com os procuradores, Dallagnol reforça o apoio de Fux à Lava Jato. A mensagem foi encaminhada a Moro, que teria respondido: "In Fux we trust".

Outra câmera depoimento de Lula a Moro - Reprodução - Reprodução
Lula é interrogado por Moro em maio de 2017
Imagem: Reprodução

9 de setembro de 2016: dúvida sobre tríplex

Publicado em 9 de junho de 2019: Neste dia, o The Intercept publicou diálogos nos quais o procurador da República Deltan Dallagnol mostrava-se inseguro quanto às acusações contra Lula horas antes da denúncia no caso do tríplex.

"Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis? Então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram tô com receio da história do apto? São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua", escreveu Dallagnol ao fazer sua última leitura da denúncia contra Lula. Nenhum colega respondeu.

19 de outubro de 2016: Deltan rejeitou receber prêmio ao lado de Bolsonaro e "radicais de direita"

Publicado em 14 de agosto de 2019: O coordenador da Lava Jato no Ministério Público no Paraná, Deltan Dallagnol, rejeitou receber um prêmio ao lado do hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL) e "outros radicais de direita", segundo revelam mensagens privadas de integrantes da força-tarefa enviadas por fonte anônima ao site The Intercept Brasil e analisadas em parceria com o UOL. A ideia era não se vincular a bandeiras político-ideológicas, como as do ex-capitão do Exército que hoje sugere que Deltan seja um "esquerdista tipo PSOL"

Depois de dizer em 5 de outubro, no grupo Filhos do Januário 1, que reúne procuradores do MPF no Paraná, que iria receber o prêmio, Deltan foi aconselhado por um assessor da força-tarefa a não participar para evitar que associasse a imagem da Lava Jato à do então deputado federal, que participaria de uma mesa durante o evento. "Tudo o que vc e a FT não precisam é serem "associados" ao Bolsonaro. é a mesma coisa que receber prêmio do Foro de BSB. estou quase implorando", diz o assessor, em 19 de outubro.

O prêmio acabou sendo recebido pelo procurador de SP Roberto Livianu em nome da Lava Jato do Paraná. No dia 7 de dezembro, quando o prêmio chegou a Curitiba, Deltan disse: "Esse é aquele em que ele nos representou quando cancelei a ida para SP porque é um instituto liberal e estariam lá Bolsonaro e outros radicais de direita".

Deltan rejeitou receber prêmio ao lado de Bolsonaro e "radicais de direita"

UOL Notícias

20 de janeiro de 2017: a escolha do novo relator da Lava jato no STF

Publicado em 12 de agosto de 2019: O site The Intercept Brasil revela conversas do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, com lideranças dos grupo Vem Pra Rua e do Instituto Mude - Chega de Corrupção no dia seguinte à morte de Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federa), em 19 janeiro de 2017. O objetivo era influenciar a escolha do novo relator da operação no tribunal.

Em mensagem ao líder do Mude, Fabio Alex Oliveira, Dallagnol disse: "De início, agradeci o apoio do movimento etc. 1. Falei que não posso posicionar a FT [força-tarefa Lava Jato] publicamente, mesmo em off, quanto a Ministros que seriam bons, pq podemos queimar em vez de ajudar"

Em conversa com Anna Carolina Resende, ex-integrante da Lava Jato na PGR em 1º de fevereiro de 2017, Dallagnol indica que chegou a pedir ao ministro Luís Roberto Barroso que solicitasse a troca de turma do STF para que pudesse disputar a relatoria da operação no lugar de Teori: "Ele ficou alijado de todo processo. Ninguém consultou ele em nenhum momento. Há poréns na visão dele em ir, mas insisti com um pedido final. É possível, mas improvável".

Em seguida, pediu para que Resende não comentasse com ninguém sobre a conversa. "Please [por favor]. Ele pediu reserva", escreve ele.

13 de março de 2017: troca de procuradores em interrogatório de Lula

Publicado em 20 de junho de 2019: Procuradores acataram uma sugestão do ex-juiz Sergio Moro para o primeiro interrogatório de Lula, segundo nova leva de mensagens.

Moro escreveu para Dallagnol que a procuradora Laura Tessler era "excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem".

Segundo Reinaldo Azevedo, Deltan repassou a mensagem de Moro ao procurador Carlos Fernando dos Santos e pediu para fazerem uma "uma reunião sobre estratégia de inquirição sem mencionar ela [a procuradora]".

Laura acabou ficando fora do primeiro interrogatório de Lula, em 10 de maio daquele ano. As mensagens reveladas indicam que os procuradores teriam optado por tirar Laura e levar ao interrogatório os procuradores Roberson Pozzobon e Júlio Noronha.

Protesto em frente ao apartamento do ministro do STF Teori Zavascki, em Porto Alegre, em 2016 - Banda Loka Liberal/Divulgação - Banda Loka Liberal/Divulgação
Protesto em frente ao apartamento do ministro do STF Teori Zavascki
Imagem: Banda Loka Liberal/Divulgação

13 de abril de 2017: Moro contra investigação a FHC

Publicado em 18 de junho de 2019: Moro e Dallagnol teriam conversado sobre denúncias relativas ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

As mensagens teriam sido trocadas um dia após matéria do Jornal Nacional, da TV Globo, reportar citações de FHC nas delações de executivos da Odebrecht, com pagamentos indevidos à campanha do ex-presidente em 1993 e 1997. O caso foi enviado à primeira instância da Justiça de São Paulo, sobre a qual Moro, então como juiz no Paraná, não tinha nenhuma ingerência.

Os diálogos vazados sugerem que Deltan e Moro tinham conhecimento de que os supostos crimes, caso realmente consumados por FHC, estavam prescritos. O procurador, então, fez uma suposição sobre o envio da ação para São Paulo: "Talvez para [o MPF] passar recado de imparcialidade". Moro, por sua vez, afirmou achar "questionável o envio da ação", por "melindrar alguém cujo apoio é importante".

Ainda sobre FHC, o Intercept revelou conversas entre os procuradores sobre se deveriam conduzir uma investigação conjunta contra os institutos do tucano e de Lula. A ideia, no entanto, foi descartada após a constatação dos procuradores de que uma investigação conjunta poderia favorecer o ex-presidente petista.

20 de abril de 2017: "Sonho que Toffoli e GM acabem fora do STF"

Publicado em 6 de agosto de 2019: Diálogos divulgados pelo site do jornal El País, em parceria com o Intercept Brasil, mostram que Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba, busca por maneiras de incriminar o ministro Gilmar Mendes do STF. Na avaliação do procurador, segundo as conversas divulgadas, haveria a suspeita de que parte do dinheiro de Paulo Preto (ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, tido como o operador financeiro do PSDB) mantido em contas no exterior seria de Gilmar Mendes, o que o ministro do Supremo nega.

O assunto se desenrolou por meses, mas a primeira menção divulgada no dia 6 de agosto pelo El País, é a de 20 de abril de 2017, quando Deltan atribui a Gilmar o objetivo de "desmontar as investigações de corrpção", por estar, segundo procurador, ligado a parte delas.

Em conversa com o colega Antonio Carlos Welter, que havia encaminhado a Deltan o link da notícia de que o STF iria distribuir quase 40 dos inquérito da Lava Jato, o coordenador da força-tarefa diz: "O do Aécio [Neves] vai cair com Gilmar. Se acontecer, temos que pensar o que fazer. O lado bom é se GM [Gilma Mendes] acabar impeachado. Seria uma história bem típica da Lava Jato." Em seguida, afirma: "(Sonho que [Dias] Toffoli e GM acabem fora do STF rsrsrs)".

Em 5 de maio de 2017, Deltan falou aos pares de pleitear o impedimento de Gilmar Mendes caso o ministro concedesse habeas corpus a Antonio Palocci, condenado na Lava Jato. " Caros estive pensando e se perdermos o HC do Palocci creio que temos que representar/pedir o impeachment do GM". O habeas corpus (HC), ele sustentava, seria a gota d'água que faltava para pedir o afastamento do ministro.

"Calma, Deltan", diz a procuradora Laura Tessler.

"Eu não acho que nós devemos fazer pedido de impeachment. Outros fazerem é bom", completou o procurador Paulo Roberto Galvão.

10 de maio de 2017: "showzinho da defesa"

Publicado em 14 de junho de 2019: Mensagens sugerem que o então juiz Sergio Moro sugeriu ao MPF (Ministério Público Federal) a publicação de uma nota contra o que chamou de "showzinho" de Lula e sua defesa após o interrogatório relativo ao caso do tríplex de Guarujá (SP), em maio de 2017.

Nas mensagens, Moro conversou com o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima sobre o interrogatório, sugerindo depois ao procurador que editasse uma nota "esclarecendo as contradições do depoimento [de Lula] com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele", porque a defesa já teria feito o "showzinho dela".

Santos Lima também teria conversado com Dallagnol para editar a nota na qual rebateria a defesa de Lula, compartilhando a suposta orientação de Moro. A decisão de publicar a nota foi debatida entre os procuradores e os assessores, por receio de levantar questionamentos. Por fim, o comunicado foi publicado.

5 de junho de 2017: "encontros fortuitos" com desembargador do TRF-4

Publicado em 12 de julho de 2019: Mensagens envolvendo o procurador Deltan Dallagnol e outros membros da Lava Jato mostram que o coordenador da força-tarefa do MPF (Ministério Público Federal) diz ter conversado sobre um processo com o relator das ações da operação na segunda instância, o desembargador João Pedro Gebran Neto, do TRF-4. De acordo com os diálogos publicados pela revista Veja, o coordenador conversou em 2017 com o procurador regional Carlos Augusto da Silva Cazarré, que atua no MPF na segunda instância, a respeito do julgamento de um recurso de Adir Assad, operador de propinas em esquemas da Petrobras --réu que fora condenado em 2015 pelo então juiz Sergio Moro.A conversa mostra o receio de Dallagnol com a possibilidade de Gebran absolver o condenado no TRF-4. "O Gebran tá fazendo o voto e acha provas de autoria fracas em relação ao Assad", escreveu Deltan. Na época, Assad negociava um acordo de delação com o MPF. Se absolvido, a Lava Jato temia que ele interrompesse as negociações. Por isso, nas mensagens, Deltan fala em eventualmente "pedir pra adiar agilizar o acordo ao máximo para garantir a manutenção da condenação". Em mensagem a Cazarré, Dallagnol citou que havia tido duas conversas com Gebran "em encontros fortuitos". "E ele [desembargador] mostrou preocupação em relação à prova de autoria sobre Assad", comentou com o colega procurador.

5 de agosto de 2017: dados sigilosos sobre Venezuela

Publicado em 7 de julho de 2019: Mensagens reveladas pelo The Intercept Brasil em parceria com a Folha de S. Paulo mostram que Moro sugeriu a Deltan que a Lava Jato fizesse algo para tornar públicas informações fornecidas pela Odebrecht sobre corrupção na Venezuela. O diálogo ocorreu em 5 de agosto de 2017, quando os dados estavam sob sigilo por ordem do STF e o país vizinho sofria com o endurecimento do regime de Nicolás Maduro.

As conversas mostram que alguns procuradores argumentaram sobre os riscos de tomar tal atitude, mas outros, como Deltan, achavam importante dar uma resposta a Maduro, mesmo que não houvesse consequências no plano jurídico.

No fim de agosto daquele ano, a visita de Luísa Ortega, procuradora-geral da Venezuela destituída por Maduro ao Brasil, animou os procuradores. Segundo a publicação, dois procuradores venezuelanos também vieram ao Brasil em segredo para trabalhar no caso.

Segundo a reportagem, as mensagens sugerem que a presença de venezuelanos no Brasil foi vista como oportunidade para o vazamento de informações da delação da Odebrecht, que de fato ocorreu. Em outubro, Ortega publicou na internet dois vídeos com trechos do depoimento de Euzenando Azevedo, ex-diretor da empreiteira na Venezuela, um dos executivos que fez delação.

27 de janeiro de 2018: Pressão sobre o STF

Publicado em 12 de agosto de 2019: Conversa do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, com a colega Thaméa Danelon, integrante da Lava Jato em São Paulo, mostram uma preocupação dos procuradores com o voto do então novo ministro do STF Alexandre de Moares sobre o cumprimento de pena de prisão após decisão em segunda instância (que afetaria diretamente o ex-presidente Lula, cuja condenação no caso do tríplex de Guarujá havia sido confirmada em janeiro pelo TRF-4.

Deltan escreve para Thaméa: "Temos que reunir infos de que no passado [Alexandre de Moraes] apoiava a execução após julgamento de SEGUNDO grau e passar pros movimentos [Vem pra Rua e Nas Ruas] baterem nisso muito. Deixar cara a mudança (...) Mostrar que a mudança beneficia Aécio e PSDbistas do partido a que vinculado".

Thaméa diz pode passar as informações para os movimentos de direita.

Em outro diálogo, Dallagnol pediu para a procuradora estimular que os grupos divulgassem em suas redes o apoio ao pacote de alterações legislativas 10 medidas contra a corrupção: "Se Vc topar, vou te pedir pra ser laranja em outra coisa que estou articulando kkkk. Um abaixo assinado da população, mas isso tb nao pode sair de nós? o Observatório vai fazer. Mas não comenta com ng, mesmo depois. Tenho que ficar na sombra e aderir lá pelo segundo dia. No primeiro, ia pedir pra Vc divulgar nos grupos. Daí o pessoal automaticamente vai postar etc".

5 de março de 2018: Deltan fez palestra para empresa citada na Lava Jato

Publicado em 26 de julho de 2019: Deltan fez uma palestra no valor de R$ 33 mil para a Neoway, empresa de tecnologia que havia sido citada em acordo de delação em caso de corrupção. Além da participação no evento, ele discutiu a possibilidade de marcar uma reunião com representantes da empresa e os procuradores para adquirir produtos dela para trabalhos na Lava Jato.

Quatro meses após a palestra, Deltan afirmou ter descoberto que a firma foi citada na delação premiada do operador do MDB Jorge Luz. No entanto, a reportagem mostra que o nome da empresa foi mencionado nos documentos de delação já em março de 2016, dois anos antes de Deltan comemorar a realização da palestra. "Isso é um pepino para mim. É uma brecha que pode ser usada para me atacar (e a LJ)", comentou em julho de 2018.

A situação fez com que Deltan e outros procuradores que haviam tido contato com a Neoway deixassem as investigações relativas a Jorge Luz.

Em março de 2018, Deltan também discutiu um convite para dar palestra na Odebrecht Ambiental e, alertado pelos outros procuradores, não aceitou.

13 de junho de 2018: Deltan participou de evento secreto com bancos e investidores

Publicado em 26 de julho de 2019: Reportagem de Reinaldo Azevedo, blogueiro do UOL, mostra que Deltan foi destaque de evento secreto com representantes de bancos e investidores do Brasil e exterior organizado pela XP Investimentos em junho de 2018 para falar sobre "Lava Jato e eleições".

Representante da empresa disse que o evento era "privado, com compromisso de confidencialidade" e destacou que o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux já havia feito algo parecido e "não saiu nenhuma nota na imprensa". Não ficou claro se a ida do procurador ao evento foi remunerada.

A responsável por convidar Deltan também diz que havia a intenção de convidar os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso para encontros semelhantes. Ambos negaram ter participado de eventos deste tipo.

Lava Jato cogitou vazamentos para tentar minar Dodge, indicam mensagens

UOL Notícias

29 de junho de 2018: 'Podemos pressionar de modo mais agressivo pela imprensa'

Publicado em 9 de agosto de 2019: Mensagens divulgadas pelo site do jornal El País, em conjunto com o The Intercept Brasil, mostram que integrantes da Lava Jato de Curitiba planejaram minar a imagem da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por meio de vazamentos de informação na imprensa.

Em um dos diálogos publicados, o coordenador da força-tarefa no Paraná, Deltan Dallagnol, propôs aos colegas pressionar Dodge "usando" a imprensa sem identificar a fonte das informações - relatos "off the records", no jargão jornalístico:

'Temos opções a) pressionar usando imprensa em off - vi que saiu algo, mas acho que foram advogados - podemos pressionar de modo mais agressivo pela imprensa, subindo nível de críticas b) fazer, interpretando regra de foro para excluir mandatos anteriores e o que fugir disso mandamos pra ela - (teríamos que falar com JF - se concordar, ok; do contrário, podemos até fazer sem concordância, ele remeterá para o STF e voltamos a A, mas sabemos que não teremos boa vontade ) c) dar deadline pra resposta dela ou seguiremos por B d) aguardar (sem reclamar rsrsrs)", escreve ele.

25 de setembro de 2018: Moro achava delação de Palocci fraca

Publicado em 29 de julho de 2019: Diálogos trocados entre procuradores indicam que o então juiz tinha dúvidas sobre as provas apresentadas pelo ex-ministro Antonio Palocci em sua delação, mas achava sua colaboração importante de qualquer forma por simbolizar uma quebra de vínculo entre os petistas desde o início das investigações da Lava Jato. Moro divulgou parte da delação de Palocci a seis dias do primeiro turno das eleições presidenciais.

"Russo (apelido de Moro entre os procuradores) comentou que embora seja difícil provar ele é o único que quebrou a omerta petista", disse o procurador Paulo Roberto Galvão a colegas num grupo no Telegram em 25 de setembro. Omertà é o código de honra dos mafiosos italianos.

Outros procuradores também manifestaram descrença sobre a delação de Palocci, negociada com a Polícia Federal. Durante meses os procuradores da Lava Jato negociaram com o ex-ministro, mas as conversas não avançaram.

As conversas mostram que os procuradores cogitaram pedir que a anulação do acordo de Palocci com a PF e continuaram manifestando dúvidas mesmo após Moro ter divulgado os termos. O acordo de Palocci foi homologado em junho de 2018 por João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4 (Tribunal Regional da 4ª Região).

Na época, ao se defender contra reclamação contra ele no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Moro negou que sua intenção fosse influenciar as eleições presidenciais e justificou que "não deve o juiz atuar como guardião de segredos sombrios de agentes políticos suspeitos de corrupção".

13 de setembro de 2018: "Pede pros estagiários pegarem e gerarem os arquivos", diz Deltan

Publicado em 6 de agosto de 2019: Diálogos divulgados pelo El País, em parceria com o Intercept Brasil, mostram que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, pediu a um assistente (Fábio) da força-tarefa de Curitiba que mobilizasse estagiários para levantar decisões e acórdãos do ministro do STF Gilmar Mendes o com o objetivo de embasar uma eventual ofensiva contra o magistrado, visando seu impeachment. Diz Deltan: "Pede pros estagiários pegarem e gerarem arquivos para todos os casos em que Gilmar Mendes negou liminar e indeferiu HC [habeas corpus] para revogar prisões desde 2014. Pede para fazerem uma tabelona em que mostre um resumo da situação fática e qual o fundamento que usou para indeferir. O propósito é mostrar eventuais incongruências com os casos da Lava Jato". E completa: "Faz tempo que já devíamos ter feito isso".

28 de setembro de 2018: áudio de Deltan sobre entrevista de Lula

Publicado em 9 de julho de 2019: Dallagnol pediu a colegas do grupo do Telegram Filhos do Januário 3 para "não alardear" uma liminar do ministro do STF Luiz Fux, que derrubou decisão do colega Ricardo Lewandowski e cancelou, assim, entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Folha antes da eleição presidencial.

O procurador também disse que é a decisão de Fux era uma "notícia boa" depois de "tantas coisas ruins".

9 de outubro de 2018: Deltan usou partido para mover ação contra Gilmar

Publicado em 7 de agosto de 2019: Mensagens divulgadas pelo UOL, em parceria com o Intercept Brasil, revelam que Deltan usou a Rede Sustentabilidade como uma espécie de laranja para extrapolar suas atribuições e propor uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o ministro Gilmar Mendes.

A articulação, segundo os diálogos, envolveu o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e resultou na apresentação de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no Supremo para impedir que Gilmar soltasse presos em processos que ele não fosse o juiz da causa.

Na ação, a Rede usa como argumento central para tentar cassar a decisão de Gilmar o princípio do juiz natural. A ADPF também pedia a revogação da soltura de Beto Richa (PSDB-PR) e dos outros 13 detidos. Em novembro, a ministra Cármen Lúcia arquivou a ação protocolada pelo partido.

Deltan usou partido para atacar Gilmar Mendes em ação no STF

UOL Notícias

1º de novembro de 2018: procuradores criticam Moro

Publicado em 9 de julho de 2019: Preocupados com a entrada de Moro na política - o que poderia deslegitimar a Lava Jato -, procuradores teriam criticado o então juiz.

Momentos antes da confirmação da ida de Moro ao governo Bolsonaro, a procuradora Monique Cheker escreveu em um grupo intitulado BD (todas as mensagens foram transcritas como estão no "The Intercept"):

Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados
Monique Cheker, procuradora

3 de dezembro de 2018: empresa para palestras da Lava Jato

Publicado em 14 de julho de 2019: Mensagens divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo mostram que o coordenador da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, montou um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações do caso de corrupção. Ele utilizaria sua esposa e a de outro procurador para abrir uma empresa. Segundo dados da Junta Comercial do Paraná, não há, até o momento, firmas abertas nos nomes das cônjuges dos procuradores.

8 de dezembro de 2018: Flávio Bolsonaro e o caso Queiroz

Publicado em 21 de julho de 2019: Em conversa com procuradores, Deltan afirma que "certamente" o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) está implicado no caso Queiroz, em que é investigado por causa de um suposto esquema de corrupção que teria funcionado em seu gabinete quando era deputado estadual no Rio.

Ele questiona como o presidente Jair Bolsonaro reagiria à implicação de seu filho e como Moro, enquanto ministro da Justiça, se comportaria diante do caso.

Dallagnol também teria comentado o interesse de Moro em obter a indicação para obter uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) futuramente. Em diálogos posteriores, os procuradores teriam decidido não conceder entrevistas em que o caso de Flávio pudesse ser citado.

19 de fevereiro de 2019: "Vai que tem um para o Gilmar hehehe"

Publicado em 6 de agosto de 2019: Mensagens enviadas ao 'The Intercept' e divulgadas pelo El País mostram que os procuradores da Lava Jato em Curitiba discutiram usar o caso de Paulo Preto, operador do PSDB, que está preso em Curitiba, para reunir provas contra o ministro do Supremo Gilmar Mendes, visando embasar um pedido de impeachment do magistrado.

Coordenador da força-tarefa no Paraná, Deltan Dallagnol disse, em 19 de fevereiro deste ano, que havia um boato em São Paulo que parte do dinheiro de Preto mantido em contas no exterior seria de Gilmar. Procurado pelo UOL, o ministro negou ter conta fora do Brasil.

"Vai que tem um para o Gilmar?hehehe", diz o procurador Roberson Pozzobon no grupo Filhos do Januário 4, em referência aos cartões do investigado ligado aos tucanos. A possibilidade de apurar dados a respeito de um ministro do Supremo sem querer é tratada com ironia. "Vc estara investigando ministro do supremo, robinho.. nao pode", responde o procurador Athayde Ribeiro da Costa.

"Ahhhaha", escreve Pozzobon. "Não que estejamos procurando", ironiza ele. "Mas vaaaai que".

Deltan Dallagnol então reforça, na sequência, que o pedido à Suíça deveria ter um enfoque mais específico: "hummm acho que vale falar com os suíços sobre estratégia e eventualmente aditar pra pedir esse cartão em específico e outros vinculados à mesma conta", escreve. "Talvez vejam lá como algo separado da conta e por isso não veio" (...) "Afinal diz respeito a OUTRA pessoa".

A força-tarefa de Curitiba tem dito que não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes e repetiu à reportagem que o "material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade".

19 de fevereiro de 2019: Deltan fez lobby com STF e governo Bolsonaro para tentar emplacar novo PGR

Publicado em 16 de agosto de 2019: O procurador Deltan Dallagnol usou o prestígio obtido como coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba para tentar emplacar nos bastidores o procurador regional da República Vladimir Aras, seu aliado no MPF (Ministério Público Federal), como o novo comandante da PGR (Procuradoria-Geral da República). Para isso, fez lobby com ministros do governo Jair Bolsonaro (PSL), senadores e ao menos três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). É o que mostram conversas privadas enviadas por fonte anônima ao site The Intercept Brasil e analisadas em parceria com o UOL.

Deltan fez lobby com STF e governo para tentar emplacar novo PGR

UOL Notícias

Os diálogos mostram que os dois começaram a articular a candidatura ainda durante o período eleitoral. Assim que Bolsonaro teve uma votação expressiva no primeiro turno da disputa, no qual obteve 46% dos votos válidos, os dois passaram a planejar abordagens ao entorno do então candidato.

As articulações começam a ser aceleradas por Deltan e Aras a partir de fevereiro. No dia 19, o candidato pediu explicitamente a ajuda do coordenador da Lava Jato para ter acesso à cúpula do Judiciário: "Vc poderia me apresentar a Barroso e Fachin?", questionou. "Preciso de aliados no STF".

11 de março de 2019: "Barraco tem nome e sobrenome. Raquel Dodge"

Publicado em 9 de agosto de 2019: O site do jornal El País no Brasil, em parceria com o Intercept, traz a público diálogos que mostram que integrantes da Lava Jato de Curitiba trataram a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, como entrave à operação.

Dodge pediu a anulação do acordo firmado entre a Força-Tarefa e o departamento de Justiça dos Estados Unidos para criar uma fundação para gerir R$ 2,5 bilhões devolvidos aos cofres públicos após a investigação de escândalos de corrupção.

"O barraco tem nome e sobrenome. Raquel Dodge", disse o procurador Januário Paludo, em 11 de março de 2019, no grupo Filhos do Januário 4, composto por procuradores no Telegram.

Na sequência, os procuradores criticaram o questionamento da PGR sobre a fundação. "(...) ou isso é canalhice, ou todos nós emburrecemos depois que entramos no MPF (...) Quando a gente acha que RD [Raquel Dodge] já desceu até o fundo do poço, descobrimos que ainda tem mais um pouco para descer", diz Laura Tessler, procuradora do Ministério Público Federal.

Vazamentos da Lava Jato