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5 meses de intervenção: "mortes múltiplas" sobem e apreensões de fuzis caem, diz observatório

Estudo aponta "resultados pífios" de ações militares durante a intervenção - Danilo Verpa/Folhapress
Estudo aponta "resultados pífios" de ações militares durante a intervenção Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Luís Adorno e Marina Lang

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, no Rio

16/07/2018 14h25Atualizada em 16/07/2018 14h25

O número de ocorrências violentas com ao menos três mortos subiu 86% no Rio de Janeiro durante o período de intervenção federal --entre fevereiro e julho deste ano. Houve 15 casos no mesmo período de 2017 contra 28 neste ano, segundo pesquisa do Observatório da Intervenção, do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes), divulgada nesta segunda-feira (16).

Os 28 casos de "mortes múltiplas" registrados neste ano deixaram 119 vítimas --o número é 138% maior do que no mesmo período do ano passado, quando 50 pessoas morreram nas 15 ocorrências. O dado do observatório foi obtido por meio do laboratório de dados Fogo Cruzado, a partir de notificações feitas via aplicativo, mas confirmadas com registros publicados na imprensa e divulgados pelas forças de segurança.

O índice inclui todos os casos violentos que resultaram em três ou mais mortes, independentemente da motivação dos autores, nos cinco primeiros meses da intervenção, que tem previsão para terminar em dezembro. O dado inclui portanto mortos por criminosos e também em decorrência de confrontos com a polícia.

Ainda de acordo com o levantamento, o número de armas de grosso calibre apreendidas, como fuzis, metralhadoras e submetralhadoras, caiu 36,5% durante a intervenção federal em comparação com 2017, de 145 para 92.

"Apesar de anúncios diários de operações com milhares de militares e policiais, os resultados são pífios", avalia o Observatório da Intervenção.

"Nosso diagnóstico é que o comando da intervenção investe muito em operações militares e pouco em inteligência. O resultado é o aumento daquilo que a população tem mais medo: bala perdida, fogo cruzado e tiroteios. Até agora, a presença das Forças Armadas não resultou na percepção de que a segurança do Rio melhorou depois da intervenção", complementa a organização.

Ainda de acordo com o Observatório da Intervenção, "práticas policiais violentas continuam predominando contra as favelas. As operações, que segundo o Gabinete da Intervenção chegam a mobilizar 5.000 homens, resultam em medo, mortes e poucos efeitos positivos".

O Observatório da Intervenção foi criado para monitorar e divulgar dados de diferentes fontes sobre a presença das Forças Armadas no estado durante a intervenção federal. Com sociólogos e especialistas em segurança pública, o observatório prepara análises sobre os impactos da intervenção, observando seu modelo, práticas e resultados.

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O UOL pediu ao GIF (Gabinete de Intervenção Federal) um posicionamento sobre o aumento de "mortes múltiplas", mas até a publicação desta reportagem, o órgão não havia se manifestado.

Segundo o ISP (Instituto de Segurança Pública), entre março e maio (dado mais recente), homicídios cresceram 2,8% e mortos pela polícia aumentaram 17,3% na comparação com o mesmo período do ano passado. De acordo com o ISP, entre março e maio, houve 2.229 armas apreendidas pelas forças de segurança --5% a menos do que o mesmo período do ano passado, quando 2.343 armas foram apreendidas.

O órgão oficial do governo fluminense que divulga os índices de criminalidade não afere ocorrências de "mortes múltiplas".

Com relação ao número de armas de grosso calibre apreendidas e à crítica de que os resultados são "pífios", o coronel Carlos Frederico Gomes Cinelli, porta-voz do CML (Comando Militar do Leste), afirmou que números positivos vão começar a aparecer e que a inteligência aponta que é melhor apreender pouca arma, sem troca de tiros, do que ter uma estratégia de enfrentamento, com possibilidades maiores de mortos.

"Entendo que haja essa correlação direta, mas, em operações do mundo inteiro, em áreas urbanas, há essa relação. As operações têm como objetivo estabilizar o local. Entramos com as forças para evitar confrontação. Nós não temos essa preocupação de voltar com muitas armas ou presos. Claro que os resultados são importantes, mas essa estratégia evita que, por exemplo, um inocente seja atingido por uma bala perdida", disse.

Ações estão conseguindo combater o tráfico de drogas?

Para Paulo Storani, ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) de 1994 a 1999, as ações envolvendo as Forças Armadas trabalham no modelo policial de contenção da criminalidade.

Seria muita ingenuidade achar que esse modelo de intervenção produziria um resultado em curto prazo [no combate ao tráfico de drogas do Rio]. O que o Rio passa hoje é um cenário construído há mais de 30 anos.

Paulo Storani, ex-capitão do Bope

Paulo Storani, ex-capitão do Bope e consultor dos filmes Tropa de Elite 1 e 2 - Keiny Andrade/Divulgação - Keiny Andrade/Divulgação
Paulo Storani, ex-capitão do Bope
Imagem: Keiny Andrade/Divulgação

"Não tenho nenhuma afinidade com esse governo [do presidente Michel Temer], mas vejo um fato positivo nessa intervenção, que é o governo federal assumindo a segurança pública. Até porque isso põe em discussão um programa nacional de segurança, uma vez que insumos vêm de fronteiras. É preciso uma coordenação nacional, um modelo de prevenção e contenção [de crimes]", complementa.

Ainda segundo ele, os resultados das operações não são apresentados na íntegra à imprensa por questões estratégicas. "Tudo vai depender dos resultados para os quais a intervenção vai apontar no final, indicando a necessidade de investimento em mais efetivos, mais viaturas, mais armamentos e em inteligência policial para atender demandas específicas. O maior legado serão orientações, diagnósticos, propostas e soluções".

A crise econômica que castiga o Rio também afeta os resultados da intervenção, de acordo com o especialista em segurança. "Com a estrutura de hoje, policiais continuam atuando e morrendo neste processo. Em outros países, a situação já teria entrado em colapso. Isso me chama a atenção positivamente, mas até onde eles terão energia para isso? Como ficarão as estruturas para os policiais após a intervenção? Tem delegacias dependendo de doações de papel e água. Que instituição é essa que depende de papel e água para funcionar?", questiona.

Já na avaliação de Silvia Ramos, coordenadora do Observatório da Intervenção, as operações com participação de militares não estão conseguindo combater o tráfico no Rio.

Olhando esses números, e ante as operações que, cada vez mais, estão envolvendo milhares de militares --a ponto de chegar a mais de 5.000 homens--, são operações mega com resultado micro. É preciso ter um olhar crítico para essas informações.

Silvia Ramos, coordenadora do Observatório da Intervenção

Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes - Tânia Rêgo/Agência Brasil - Tânia Rêgo/Agência Brasil
Silvia Ramos, do Cesec
Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Um exemplo que a pesquisadora menciona é a operação do dia 7 de junho, que envolveu 4.600 militares e apreendeu três pistolas e uma granada. "O que um general do Exército disse, em um debate no qual eu participei, é que as operações são ‘faraônicas’ para dar impressão aos criminosos de que ‘há tantos [militares] que não vale a pena [os traficantes] enfrentarem a gente’. Mas com 500, 200 homens você pode fazer isso", afirma a especialista em segurança pública.

Em termos de resultados da intervenção --e de um eventual legado--, a pesquisadora diz ser difícil medir porque o acesso a dados é restrito. "Um dos maiores problemas no Observatório da Intervenção é acesso aos dados e informações. O general [interventor federal Braga Netto] não fala, eles não dão entrevistas coletivas. Temos mais de cem pedidos de LAI [Lei de Acesso à Informação] que estão parados", relata.

Ela ainda considera que a retomada da política que coloca as milícias no eixo central das investigações policiais é algo positivo, e que a ausência de escândalos de corrupção durante a intervenção também deve ser considerada.

"Os militares tinham grande apoio da sociedade. Muita gente sabe e reconhece que eles não são corruptos. De fato, não teve nenhum caso de corrupção até agora. Os generais são bem intencionados. Porém, a questão que estamos verificando é que honestidade e boas intenções não resolvem esse problema. Militares são treinados para situações de defesa e de guerra, não de segurança pública", pontua.

"Gabinete vem respondendo a todos os pedidos"

Procurado, o Gabinete de Intervenção Federal afirmou que está empenhado em reduzir progressivamente os índices de criminalidade e fortalecer as instituições da área de segurança pública do estado, sendo estes alguns dos principais objetivos do plano estratégico.

"Os últimos dados divulgados pelo ISP comprovam que as medidas emergenciais e estruturantes --que vêm sendo tomadas-- estão surtindo efeito. O GIF acredita que a continuidade do trabalho iniciado em fevereiro irá deixar um importante legado para a população do Rio. O órgão oficial de análise e divulgação dos índices de criminalidade do Estado do Rio de Janeiro é o Instituto de Segurança Pública (ISP), fonte aberta de consulta e premiado pela transparência", afirma a pasta.

Ainda de acordo com o GIF, o interventor federal, general Walter Braga Netto, "atende a imprensa na medida das possibilidades de sua agenda bem como por intermédio de seus porta-vozes e pelas redes sociais. A assessoria jurídica do gabinete vem respondendo a todos os pedidos de LAI".