No Senado, Moro ataca site, cobra prova e é criticado por "péssima memória"
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, declarou hoje ao Senado que pode ter sido autor de "algumas" das mensagens publicadas pelo site The Intercept Brasil, mas não esclareceu quais seriam. Segundo ele, seria impossível confirmar a autenticidade dos diálogos porque ele excluiu o aplicativo Telegram de seu aparelho em 2017 e não teria guardado o histórico de conversas.
A argumentação foi contestada por parlamentares e chegou a ser ironizada. "Ele tem péssima memória", comentou o líder do PSD, Otto Alencar (BA). Colega de partido, Angelo Coronel (BA) questionou se o ex-juiz da Lava Jato aceitaria uma varredura nos servidores do Telegram com o intuito de recuperar o que foi apagado.
"Essas mensagens não existem mais", disse o ministro, acrescentando que a indagação não era oportuna porque o aplicativo, de origem russa, não faria o armazenamento dos dados de seus usuários. "Ele entrou lá. Entrou no Telegram. Se tivesse alguma coisa eu tenho certeza que teria sido divulgada", rebateu.
Moro ouviu algumas provocações e perguntas mais duras na CCJ, mas o clima não foi de hostilidade durante as quase nove horas de sessão —diferentemente do que ele deve enfrentar na Câmara dos Deputados, onde também dará explicações. Mesmo nos confrontos com a oposição e os petistas da comissão, não houve ofensas diretas, gritos ou comportamento mais exaltado. Após o encerramento da audiência, o ex-juiz foi abordado por senadores para fotos e conversas.
Desde o vazamento das mensagens, Moro adotou três estratégias para se referir ao caso. Ele já tratou os diálogos como "conversa normal", "descuido" e já se negou a atestar a veracidade dos diálogos divulgados.
Durante o depoimento ao Senado, o chefe da pasta da Justiça voltou a colocar em dúvida a autenticidade das conversas obtidas pelo site The Intercept Brasil e disse ser vítima da ação criminosa de um hacker. Também atacou de forma contundente o veículo de comunicação e o seu editor, o jornalista americano Glenn Greenwald, e reclamou de não ter sido ouvido antes da divulgação das reportagens.
Não se tem nenhuma demonstração, nenhuma prova da autenticidade desses elementos. O veículo que supostamente os recebeu de uma fonte, suposta fonte igualmente, não se dignou a apresentar esse material
Ministro Sergio Moro em depoimento no Senado
Autenticidade das mensagens
Apesar de deslegitimar o material publicado por The Intercept Brasil, o ministro confirmou que "algumas coisas" podem ter sido ditas por ele nas conversas com o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato. "O que eu vejo ali, nas mensagens que foram divulgadas, tem algumas coisas que, eventualmente, eu possa ter dito. Tem algumas coisas que me causam estranheza."
Moro disse ainda ter excluído o Telegram [aplicativo por meio do qual foram vazados os diálogos] em 2017, depois que a imprensa norte-americana noticiou supostos ataques cibernéticos no curso da corrida presidencial, vencida por Donald Trump no ano anterior. Por esse motivo, segundo o próprio, não teria o histórico de mensagens para confirmar ou não a autenticidade.
"Mas o fato é que ainda que tenha alguma coisa verdadeira, essas mensagens podem ser total ou parcialmente adulteradas, às vezes até com mudança de trecho ou palavra para caracterizar uma situação de escândalo que, no fundo, é inexistente."
Ao continuar fazendo sua defesa, desta vez em resposta ao senador Jaques Wagner (PT-BA), Moro ressaltou ter sempre determinado transparência em ações, como o levantamento de sigilo de processos, e que se as conversas dele ao telefone forem publicadas na íntegra, sua correção seria observada por todos.
Em seguida, declarou não ter apego ao cargo de ministro. "Eu estou absolutamente tranquilo quanto a isso. Mas se é esse o problema, que o site apresente tudo. E aí a sociedade vai poder ver de pronto se houve alguma incorreção da minha parte. Eu não tenho nenhum apego pelo cargo em si."
Apresente tudo, submetam a escrutínio público e, se houver ali alguma irregularidade da minha parte, eu saio. Mas não houve
Ao longo da audiência, Moro criticou duramente o uso de mensagens vazadas pelo site The Intercept e questionou o método utilizado de divulgar trechos do conteúdo obtido aos poucos, "a conta-gotas".
Ele também falou que o comportamento do site lhe deu a impressão de que querem sofrer um mandado de busca e apreensão para serem percebidos como "mártires da imprensa frente ao malvado governo de Jair Bolsonaro ou ao ministro Sergio Moro".
Durante as explicações, Moro revelou uma curiosidade pessoal, que ele definiu como "péssimo costume": a preferência por modelos baratos de celular. Em função disso, não teria o hábito de armazenar os dados.
"Na verdade, eu tinha o péssimo costume de comprar esses aparelhos celulares mais baratos com memória de 16 mega... Mega? Gigabytes... Não sei. Enfim, constantemente, eu tinha que trocar esses aparelhos. Eu não guardava isso até porque não entendia que essas mensagens eram relevantes."
"Não existe conluio"
O depoente negou que o material seja prova de uma conduta imparcial ou configure alguma irregularidade em relação às decisões da Lava Jato. Para ele, "não houve conluio". "Foram mais ou menos 90 denúncias apresentadas pelo Ministério Público. Dessas 90 denúncias, 45 ações foram sentenciadas. O MP recorreu de 44 dessas 45 sentenças. Se falou muito em conluio. Aqui é um indicativo claro de que não existe conluio nenhum."
Moro defendeu mais uma vez a tese que a suposta invasão hacker teria o objetivo de frear o combate à corrupção e desestabilizar as instituições. "As pessoas têm me perguntado se isso é um ataque à Lava Jato, se esse é um ataque ao movimento anticorrupção brasileira. Eu acho que sim. Mas, acima de tudo, isso é um ataque às instituições."
Duelo com líder do PT
O confronto mais direto entre o depoente e o Parlamento ocorreu após quetionamentos do líder do PT na Casa, Humberto Costa (PE). Ao perguntar se Moro teria "agido a serviço de projeto político", o membro da oposição o acusou de comportamento antiético na condução das ações da Lava Jato.
"O que acontece é que vossa excelência ficou envaidecido com estrelismo. Isso é humano. É hora de o senhor, que enganou milhões de brasileiros, pedir demissão do Ministério da Justiça. Segundo, peça desculpas ao povo brasileiro."
O ministro respondeu que havia ficado ofendido com os comentários do senador e que, por esse motivo, "declinaria de respondê-lo".
"Não tenho nada que esconder"
Moro abriu sua fala na CCJ afirmando não ter o que esconder e querer "esclarecer muito em torno desse sensacionalismo" em relação às mensagens vazadas e atribuídas a ele, quando juiz federal, e a integrantes da Lava Jato. "De fato, me coloquei à disposição para prestar esclarecimentos. Evidentemente, não tenho nada que esconder."
"A ideia foi vir aqui espontaneamente esclarecer muito em torno desse sensacionalismo que está sendo criado em cima dessas notícias. Tenho apenas a agradecer aqui essa oportunidade", completou.
"À disposição por todo o dia"
Moro driblou a imprensa na chegada à CCJ e entrou pelo gabinete de Lasier Martins (Podemos-RS), subindo direto à sala de espera da comissão e evitando o corredor principal. A audiência teve início às 9h17. Ele falou livremente por aproximadamente 30 minutos e, por volta das 10h, começou a responder aos questionamentos dos senadores.
Na chegada, Moro afirmou a presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), que ficaria à disposição do Parlamento "por todo o dia". Alguns senadores, no entanto, compartilhavam preocupação com a duração da reunião, pois devido ao feriado de Corpus Christi já tinham voos agendados para seus respectivos estados.
No total, foram mais de 30 congressistas inscritos (eram 35 até 10h42), intercalados por partidos. O primeiro a falar foi o pedetista Weverton (MA), seguido pelo líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Com a sala lotada, a segurança da Casa endureceu o controle de acesso e, diferentemente do que costuma ocorrer nas comissões, proibiu a instalação de tripés dos cinegrafistas. Apenas o equipamento da emissora oficial foi permitido.
A audiência terminou às 18h, após Moro responder as perguntas de 40 senadores.
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