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Vazamentos da Lava Jato

De "notícia falsa" a defesa de atos: Lava Jato mudou reação a vazamentos

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba - Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Gabriel Sabóia e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio, e colaboração para o UOL, em Curitiba

06/11/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Lava Jato mudou respostas a reportagens com base em mensagens vazadas
  • De início, a força-tarefa criticava e contestava a autenticidade das mensagens
  • Meses depois, passou a se defender de atos revelados a partir das mensagens
  • A força-tarefa de Curitiba nega mudança de posicionamento
  • Lava Jato diz que material é oriundo de "crime cibernético" e é usado fora de contexto

As respostas da força-tarefa da Operação Lava Jato às reportagens que revelam mensagens privadas enviadas por fonte anônima ao site The Intercept Brasil e analisadas em parceria com veículos de imprensa, entre eles o UOL, mudaram com o passar do tempo.

Em cinco meses, o MPF-PR (Ministério Público Federal do Paraná), que inicialmente apenas contestava a autenticidade dos diálogos e criticava as reportagens, passou a rebater os contextos mencionados por elas, confirmando dessa forma fatos citados. Integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba também confirmaram participação em conversas, tendo uma procuradora pedido desculpas públicas por falas reveladas nas trocas de mensagens.

A mudança nas respostas também foi verificada em reportagem publicada ontem pela Folha de S.Paulo. De acordo com o jornal, procuradores da Lava Jato esconderam informações da ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), ao pedir seu apoio num momento decisivo das investigações sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início de 2016.

Em sua resposta, a força-tarefa defendeu o sigilo das investigações e justificou o que as mensagens revelaram: "O conhecimento de informações sensíveis só é dado às autoridades que podem ter acesso legal a elas na medida em que isso é necessário para atender o interesse público". A Lava Jato também reiterou que "não reconhece" as mensagens vazadas, por considerar o material "oriundo de crime cibernético".

O MPF-PR nega qualquer mudança em seus posicionamentos. Apesar disso, o órgão tem se dedicado cada vez mais em ratificar a legalidade e ética na conduta de seus membros do que em desqualificar as mensagens.

Em junho, o MPF-PR foi incisivo —quando as primeiras reportagens em parceria com o The Intercept Brasil foram publicadas, o órgão chegou a definir apuração de Reinaldo Azevedo, colunista do UOL, como "notícia falsa, desrespeitosa, mentirosa e sem contexto".

Na ocasião, as reportagens começavam a apontar como trocas de mensagens entre o então juiz federal Sergio Moro e a força-tarefa da Lava Jato podem ter ditado os rumos das eleições em 2018. O MPF-PR afirmou então que o The Intercept Brasil "tentou criar artificialmente uma realidade inexistente para dar suporte a teses que favoreçam condenados por corrupção e lavagem de dinheiro na Lava Jato".

Deltan se manifesta e nega ter cometido crime

Pouco mais de dois meses depois, quando o UOL publicou que o procurador Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato em Curitiba, usou a Rede Sustentabilidade como uma espécie de laranja para extrapolar suas atribuições e propor uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal), a força-tarefa passou a fazer considerações sobre o comportamento do procurador.

Apesar de negar a autenticidade das mensagens e citar crime cibernético envolvido na obtenção delas, o MPF-PR complementou informando ser "plenamente lícito o contato com entidades da sociedade civil, públicas e privadas, inclusive o fornecimento de informações públicas e análises, para defender o interesse social nos temas de atuação do Ministério Público".

Deltan usou sua conta no Twitter para dizer que a articulação apontada em reportagem do UOL não era criminosa.

Dias depois, nova reportagem mostrou como o procurador usou o prestígio obtido como coordenador da Lava Jato para tentar emplacar nos bastidores o procurador regional da República Vladimir Aras, seu aliado no MPF, como o novo comandante da PGR (Procuradoria-Geral da República), fazendo lobby com ministros do governo Jair Bolsonaro (PSL), senadores e ao menos três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Na sua resposta, a força-tarefa adotou o mesmo tom usado por Deltan anteriormente, quando contestou a validade das mensagens publicadas, mas se preocupou em dizer que os atos apontados não eram criminosos.

"É legal, legítimo e recomendável que procuradores busquem o aperfeiçoamento institucional. Isso engloba a participação no processo de escolha do novo procurador-geral. Procuradores podem incentivar colegas a se candidatarem, assim como fazer contatos e encampar iniciativas para a escolha dos melhores candidatos pelos colegas e pelo presidente. Diversas vezes, iniciativas cogitadas não se realizaram após reflexão e ponderações internas", dizia o comunicado.

Procuradora reconheceu autoria de mensagens

Em setembro, manifestação da procuradora Jerusa Viecili, da Lava Jato em Curitiba, reconheceu a autenticidade de mensagens. Na ocasião, o UOL havia mostrado que integrantes da força-tarefa ironizaram a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia e o luto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os diálogos também mostraram que procuradores divergiram sobre o pedido de Lula para ir ao enterro do irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, em janeiro passado —quando o ex-presidente já se encontrava preso— e que temiam manifestações políticas em favor de Lula. Na ocasião, membros da Lava Jato disseram acreditar que a militância simpatizante de Lula pudesse impedir a volta dele à superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.

Até então, ao comentar as publicações decorrentes dos vazamentos de mensagens, os procuradores citados afirmavam que não reconheciam a autenticidade das mensagens e levantavam suspeitas quanto a eventuais adulterações nos conteúdos publicados —mesmo que não houvesse evidências de que as mensagens tivessem sido manipuladas.

Pouco mais de uma hora depois de se desculpar, Jerusa ponderou contudo, em outro tuíte, que o reconhecimento da autenticidade de trecho publicado pelo UOL não significava um endosso a todas as outras publicações em que é mencionada.

"Lembrar de uma mensagem não autentica todo o conjunto. A existência de mensagens verdadeiras não afasta o fato de que as mensagens são fruto de crime e têm sido descontextualizadas ou deturpadas para fazer falsas acusações", disse.

Na sequência, ela ainda disse: "Os procuradores da Lava Jato nunca negaram que há mensagens verdadeiras, exatamente porque foram efetivamente hackeados. Contudo, não é possível saber exatamente o quanto está correto, porque é impossível recordar de detalhes de 1 milhão de mensagens em 5 anos intensos".

Em conversas íntimas, você é "até certo modo irresponsável", diz Deltan

No fim de agosto, em entrevista à BBC Brasil, Deltan também reconheceu a veracidade de mensagens. "A gente foi hackeado, eles têm mensagens verdadeiras. Eu não posso atestar que tudo lá seja verdade, mas existe", disse.

Apesar disso, o procurador criticou a falta de contexto que enxerga nas mensagens. "Existe aí um foco em tentar sempre mostrar aquilo que pode gerar uma polêmica", argumentou.

Ele relativizou contudo as ironias relativas às mortes de parentes de Lula.

As pessoas têm que entender que essas conversas são conversas que você teria na mesa de casa com a família, são pessoas que estão trabalhando há cinco anos juntas, são amigas. São conversas que você tem com o círculo de intimidade, conversas que você fica à vontade para falar até alguma besteira, uma bobagem, para ser até certo modo irresponsável.

Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba

Lava Jato se cala sobre acesso a sistema de propina da Odebrecht

No final de setembro, o UOL mostrou que a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba utilizou sistematicamente contatos informais com autoridades da Suíça e Mônaco para obter provas ilícitas com o objetivo de prender alvos considerados prioritários —encarcerados preventivamente, muitos deles vieram a se tornar delatores.

Entre as práticas ilegais identificadas, está o acesso clandestino da Lava Jato, a partir de procuradores suíços, ao sistema Drousys, usado pelo setor de Operações Estruturadas da Odebrecht para controlar pagamentos de propina a autoridades e políticos.

Sobre o uso do sistema Drousys, a força-tarefa não se manifestou.

Já em relação à troca direta de informações entre os procuradores da Lava Jato e autoridades estrangeiras, os procuradores afirmaram: "A troca de informações de inteligência e a cooperação direta entre autoridades estrangeiras é absolutamente legal e constitui boa prática internacional, incentivada pelos manuais da AGU (Advocacia-Geral da União), GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), UNCAC (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção), Banco Mundial, dentre outros organismos internacionais, bem como constitui orientação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) e é aceita pelo Judiciário brasileiro".

Sustentou ainda que "nenhum documento foi utilizado judicialmente pela força-tarefa Lava Jato sem ter sido transmitido pelos canais diplomáticos oficiais. Somente em situações de urgência, quando expressamente autorizado pelas autoridades estrangeiras, conforme permite a respectiva legislação, pode haver a remessa de dados por meio mais expedito e sua utilização judicial para fins cautelares".

Questionado pelo UOL a respeito da mudança em seus posicionamentos, o MPF-PR negou qualquer alteração em seu discurso. "O posicionamento da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba continua sendo o mesmo, de que o material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade", declarou.

O UOL também perguntou sobre questionamentos da Lava Jato acerca da autenticidade das mensagens, mais recorrentes no começo da publicação da série de reportagens com base nas mensagens vazadas. O MPF-PR não mencionou, contudo, essa questão em sua reposta.

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