PF vê golpismo 'latente' e cita homem-bomba no STF ao indiciar Bolsonaro

O relatório da Polícia Federal aponta que os discursos por um golpe de Estado começaram a ser inflamados em 2019 e cita o recente atentado a bomba no STF para concluir que a retórica golpista segue "latente" na sociedade brasileira.

O que aconteceu

Relatório final recupera estratégias das milícias digitais desde o primeiro ano do governo Bolsonaro. Na conclusão do documento de 884 páginas, os quatro delegados responsáveis pelo caso fazem uma linha do tempo recuperando a atuação das chamadas milícias digitais no governo Bolsonaro, passando pelos episódios ocorridos após a eleição de 2022, para afirmar que o discurso golpista segue latente em parte da sociedade brasileira.

É a primeira vez que a PF vincula oficialmente o atentado no STF e os atos de 8 de janeiro à tentativa de golpe de Estado. A investigação sobre o homem-bomba, Francisco Wanderley Luiz, que morreu ao detonar explosivos em frente ao STF, é conduzida pela divisão de combate ao terrorismo da PF, equipe diferente da que investigou a tentativa de golpe, e ainda não foi concluída.

Relatório final é assinado pelos delegados Rodrigo Morais, Luciana Caires, Fabio Shor e Elias Milhomens. Rodrigo é o diretor de Inteligência da PF, Elias o coordenador de Contrainteligência, Luciana é chefe da Divisão de Inteligência e Fabio Shor é delegado da PF vinculado à Diretoria.

Profusão de discursos radicais nas redes inflama parcela da população contra instituições. PF dedica sete páginas em sua conclusão final e cita que milícias digitais e perfis de autoridades do governo anterior incentivaram várias manifestações em frente a instalações militares desde 2020 com objetivo de coagir os Três Poderes, sobretudo o Judiciário.

Plano de longo prazo para eventual derrota eleitoral. O objetivo, segundo a investigação, era pavimentar ao longo dos anos uma narrativa para o caso de derrota de Jair Bolsonaro nas eleições, de forma a justamente incentivar movimentos radicais como o que surgiram no fim de 2022.

Questionamentos das urnas cresceu no ano das eleições presidenciais. Segundo a PF, essa dinâmica se intensificou a partir de 2022. A investigação recupera uma série de fatos, que começam com a reunião ministerial de 5 de julho na qual Bolsonaro provoca seus ministros a "agir" e dar vazão à retórica de questionamentos ao sistema eleitoral baseada em fake news.

Estratégia durante e após o governo Bolsonaro. A PF não descreve em seu relatório fina todas as iniciativas das milícias digitais, mas aponta de forma resumida que a dinâmica iniciada com elas se manteve até depois do governo Bolsonaro.

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Investigação menciona atos ocorridos ao longo de 2022. A PF cita grupo que tentou invadir a sede da PF em 12 de dezembro daquele ano e até a tentativa de plantar uma bomba nos arredores do aeroporto de Brasilia, em 24 de dezembro de 2022. A PF ainda vincula os atos de 8 de janeiro de 2023 a essa dinâmica.

Contato com manifestantes de acampamentos. Dentre os próprios militares indiciados por tentativa de golpe, a PF encontrou registros de que alguns mantinham contatos com manifestantes em frente aos quartéis, insuflando seus discursos e até buscando apoio material para facilitar a presença deles em acampamentos que apoiavam o golpe.

Por meio do modus operandi das milícias digitais, foi disseminada a falsa narrativa de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação, que teria como artífices ministros da Suprema Corte brasileira e do Tribunal Superior Eleitoral, com o objetivo de prejudicar o então presidente da República Jair Messias Bolsonaro.

Tal fato, sendo amplificado por meio das redes sociais e por pessoas em posição de autoridade perante o público ideologicamente aderente à direita do espectro político, desencadeou várias manifestações, desde o ano de 2020 em frente a instalações militares, com o objetivo de gerar um ambiente de pressão popular e, ao mesmo tempo, coagir os poderes constituídos, especialmente do poder Judiciário, por meio do seu órgão de cúpula, o Supremo Tribunal Federal.
Trecho do relatório final da PF que indiciou Bolsonaro por tentativa de golpe

Esse método de ataques sistemáticos aos valores mais caros do Estado democrático de Direito criou o ambiente propicio para o florescimento de um radicalismo que, conforme exposto, culminou nos atos do dia 8 de janeiro de 2023, mas que ainda se encontra em estado de latência em parcela da sociedade, exemplificado no atentado bomba ocorrido na data de 13 de novembro de 2024 na cidade de Brasília/DF. A consumação do golpe de Estado perpetrado pela organização criminosa não ocorreu, apesar da continuidade dos atos para conclusão da ruptura institucional, por circunstâncias alheias à vontade do então presidente da República Jair Bolsonaro.
Trecho do relatório final da PF sobre tentativa de golpe articulada por Bolsonaro e outras 36 pessoas

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Golpismo em duas frentes

Com a derrota de Bolsonaro, grupo golpista parte para outras frentes de ação. Segundo a PF, a atuação incluiu desde o questionamento do resultado perante o TSE, até a elaboração de uma minuta para decretar "Estado de Sítio" no Tribunal Superior Eleitoral e a eliminação de Alexandre de Moraes e do presidente eleito e seu vice, Lula e Alckmin respectivamente.

Objetivo do grupo golpista era atuar em duas frentes, diz a PF. Por um lado, o objetivo era manter um discurso para inflamar os apoiadores mais radicais ao mesmo tempo em que militares e auxiliares civis de Bolsonaro arquitetavam a estratégia jurídica e militar para implantar o golpe e manter Bolsonaro no poder.

Militar integrante dos 'kids pretos' era um dos articuladores da estratégia. O general da reserva Mário Fernandes, que era secretário-executivo na Secretaria-Geral da Presidência foi o principal responsável, segundo as investigações, por fazer essa ponte e manter a mobilização dos golpistas em frente aos quarteis.

Em busca de apoio ao golpe. Fernandes também foi responsável por instigar outras autoridades a elaborar e levar até outros integrantes do governo o plano militar mais radical de assassinar Lula, Alckmin e Moraes. Ele era um dos integrantes dos kids pretos, o grupo de elite do Exército.

Golpe não deu certo por falta de apoio da cúpula militar. A PF juntou ao relatório final parte do depoimento do ex-comandante da Aeronáutica Baptista Junior na qual ele afirma que a posição do então comandante do Exército, general Freire Gomes, de não embarcar no golpe foi determinante para a iniciativa não dar certo. O Exército é a maior das três Forças Armadas.

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Indagado se o posicionamento do general Freire Gomes foi determinante para que uma minuta do decreto que viabilizasse um Golpe de Estado não fosse adiante respondeu que sim; que caso o Comandante tivesse anuído, possivelmente a tentativa de Golpe de Estado teria se consumado
Trecho do depoimento do ex-comandante da Aeronáutica à PF

Ainda assim, investigadores ressaltam que radicalismo segue em 'estado de latência'. Conclusão vai ao encontro ao discurso de Moraes um dia após Francisco Washington Luiz detonar explosivos em frente ao Supremo.

Queria Deus que seja um ato isolado, esse ato. Mas o contexto é um contexto que se iniciou lá atrás, quando o gabinete do ódio, o famoso gabinete do ódio, começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o Supremo Tribunal Federal principalmente
Alexandre de Moraes, ministro do STF, em discurso no 14 de novembro, um dia após atentado

Diante do exposto, conforme todos os atos executórios descritos, a investigação reuniu elementos que permitiram a conclusão de que os investigados atuaram de forma coordenada, mediante divisão de tarefas, desde o ano de 2019, com o emprego de grave ameaça para restringir o livre exercício do poder Judiciário e impedir a posse do governo legitimamente eleito, com a finalidade de obter a vantagem relacionada a manutenção no poder do então presidente da República Jair Bolsonaro,
Trecho do relatório final da PF sobre tentativa de golpe de Estado

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