Clique Ciência: existe algum ser imortal na natureza?
Todo mundo aprende na escola que os seres vivos nascem, crescem, reproduzem-se e morrem. Para uma espécie de criatura que vive no mar, porém, morrer não faz parte, necessariamente, do destino. A não ser que seja abocanhada por um predador, a água-viva da espécie Turritopsis dohrnii pode viver indefinidamente. Sua capacidade de rejuvenescimento fez com que ela ficasse conhecida como "Benjamin Button" ou "Highlander" dos oceanos.
O primeiro cientista a revelar a suposta “imortalidade” dessa água-viva foi o então estudante de biologia marinha alemão Christian Sommer, em 1988. Mas o principal responsável pela fama de imortal dessa espécie é o japonês Shin Kubota, do Laboratório de Biologia Marinha Seto, ligado à Universidade de Kyoto.
Kubota dedica sua vida ao estudo da Turritopsis, entre outras criaturas marinhas, a ponto de receber grupos escolares com frequência no local onde vive, numa cidade litorânea na província de Wakayama. O pesquisador já compôs diversas músicas em homenagem à água-viva, cantadas à exaustão nos karaokês que frequenta e nos programas de TV e rádio aos quais comparece no Japão.
O cientista já esteve no Brasil, colaborando em pesquisas no Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP (Universidade de São Paulo). Segundo o diretor do centro Antonio Carlos Marques, que chegou a acompanhar Kubota num karaokê, a capacidade de rejuvenescimento da Turritopsis pode existir, também, em outras espécies do mesmo grupo. Porém, só foi bem documentada, até agora, nessa água-viva que virou a obsessão de Kubota.
A Turritopsis faz parte do filo dos cnidários, também chamados de celenterados. Sua principal característica é a presença de cnidas, células onde fica a toxina que torna as águas-vivas, medusas e caravelas tão assustadoras. Nos seres humanos, o veneno de algumas espécies pode causar reações alérgicas e até choque anafilático.
As águas-vivas passam por duas fases em seu ciclo de vida: a de pólipo, quando ficam fixas em uma base, como uma rocha, e geram inúmeros descendentes por reprodução assexuada, e a de medusa, "produtos" da reprodução que nadam pelo oceano. "É como se fossem milhares de cópias nadando juntas, ou clones, que compartilham o mesmo genoma", descreve Marques.
Como células-tronco
A particularidade da Turritopsis é a presença de células não diferenciadas, análogas às células-tronco humanas. Elas são totipotentes, ou seja, podem se transformar em qualquer célula e compor qualquer tecido, e garantem um processo de regeneração contínuo a essas águas-vivas. Ou seja: mesmo depois de atingir a fase adulta reprodutiva de medusa, seus tentáculos se degeneram e ela volta à fase larvar e imatura de pólipo. E assim sucessivamente. "Digo aos meus alunos que é o sonho de consumo de todo ser humano: rejuvenescer o tempo todo e poder voltar a ter pele de bebê, ou rejuvenescer seus órgãos e tecidos", comenta o professor.
Uma maneira de observar a "mágica" da Turritopsis é, curiosamente, induzir o estresse na água-viva. Em uma demonstração feita a um jornalista do The New York Times, em 2012, Kubota "esfaqueou" a medusa diversas vezes com um instrumento de metal. Depois de alguns dias, o repórter viu a criatura adquirir o formato de uma almôndega, gerar brotos e virar novamente um pólipo.
O processo também acontece sem o estímulo sádico: para um estudo sobre a Turritopsis publicado na revista Biogeography, Kubota acompanhou uma colônia durante dois anos e, nesse período, a viu renascer dez vezes. Nada mal para uma “highlander”.
Ainda é cedo para dizer se o estudo dessa água-viva vai levar à descoberta de algum elixir da juventude. A própria promessa que há alguns anos ressoava sobre produzir órgãos inteiros com células-tronco ainda continua distante.
Mas o cientista Carlos Marques lembra que muitas conquistas existentes na sociedade foram fruto da observação de processos naturais, como é o caso da fermentação. Já o cientista japonês é mais otimista: ele não só acredita que a água-viva ajudará o homem a desvendar o segredo da longevidade como já manifestou que teme a aplicação precoce desse conhecimento, a exemplo do que ocorreu com a bomba atômica.
Alguns especialistas advertem que o termo "imortalidade", no caso dessa água-viva, é relativo. Ele pode ser usado porque a Turritopsis transmite o mesmo genoma indefinidamente, mas não com as mesmas células. Na mesma reportagem do The New York Times, um professor de ciências marinhas compara a criatura a um Benjamin Button que, depois de virar feto, volta a nascer. Apesar de ter o mesmo genoma, ele seria um novo ser, com células recicladas, novo cérebro e novas vivências. Não é algo muito animador para um ser humano que almeja a vida eterna, né?
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