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Mortes violentas e roubos aumentam em área laboratório da intervenção no Rio

23.fev.2018 - Forças Armadas em operação na Vila Kennedy, zona oeste do Rio de Janeiro - Luis Kawaguti/UOL
23.fev.2018 - Forças Armadas em operação na Vila Kennedy, zona oeste do Rio de Janeiro Imagem: Luis Kawaguti/UOL

Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio*

25/06/2018 04h00

Os índices de roubos, furtos, mortes violentas e apreensões de drogas cresceram entre os meses de fevereiro e maio na região da zona oeste do Rio de Janeiro considerada pela equipe de intervenção federal um “laboratório” das ações de segurança pública no estado. A área engloba a favela da Vila Kennedy e ao menos dez bairros sob responsabilidade do 14º Batalhão da Polícia Militar.

Em 23 de fevereiro, a intervenção iniciou nessa região uma série de operações com militares das Forças Armadas. Especificamente na favela da Vila Kennedy, a presença militar foi permanente. Em paralelo, os policiais do 14º Batalhão receberam treinamento, equipamentos e foram reorganizados. A região voltou inteiramente à responsabilidade da PM em 15 de maio.

Segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), os roubos registrados na área subiram de 1.083 casos em fevereiro para 1.128 em maio (alta de 4%), os furtos foram de 304 para 373 casos no mesmo período (22%) e as mortes violentas subiram de 21 para 23 casos (o índice envolve homicídios e mortes por intervenção policial).

Esses aumentos foram na contramão da expectativa de moradores, que esperavam uma redução da criminalidade com a presença das tropas federais.

“Houve uma modificação estrutural [no 14º Batalhão da PM]. Esperamos que os resultados apareçam nos próximos meses. As Forças Armadas estavam ocupando o espaço para a PM ser treinada, as Forças Armadas são uma ação emergencial, os militares não podem ser empregados continuamente”, afirmou o major Ivan Blaz, porta-voz da Polícia Militar.

Alguns moradores ouvidos pelo UOL dizem que, até o momento, não perceberam melhora na sensação de segurança, outros disseram que se sentiam mais seguros com os militares. Um deles, que mora e trabalha na Vila Kennedy há seis anos, afirmou que se sente enganado pelo governo.

"Mentiram quando disseram que seríamos uma comunidade modelo. Modelo só se for de filme de terror. Fizeram nosso sofrimento de palanque político", disse ele. Esse mesmo morador, que prefere não ser identificado, relatou que registros de tiros são frequentes na comunidade. "Não me lembro um dia que não tenha tiro."

"Pelo menos com o Exército na rua me sentia mais segura. A ideia é que tinha a quem recorrer. Foi tipo uma segurança passageira", disse a moradora Maria Antônia Lages, de 43 anos.

Outro morador, também preservado pela reportagem por temer represália, criticou a política de segurança e afirmou que o Exército não desenvolveu estratégia diferente da até então adotada pela Polícia Militar. "Nunca existiu um policiamento efetivo. Em diversos pontos da comunidade. A polícia fica em pontos específicos. Quando precisa de uma ação mais eficaz, chamam o caveirão [espécie de tanque das forças de segurança]."

Outro objetivo na área “laboratório”, segundo Blaz, era enfraquecer o crime organizado. Ele enumerou efeitos de ações militares não medidas diretamente pelas estatísticas criminais, como entrada em áreas em que a PM tinha dificuldade de acessar e destruição de barricadas.

As estatísticas do ISP mostram ainda que as apreensões de drogas cresceram de 31 casos em fevereiro para 51 em maio (alta de 64%). A polícia diz que isso seria fruto da intensificação do combate ao Comando Vermelho, que controla o tráfico na região.

Reestruturação da UPP

Uma das principais modificações estruturais feitas na PM da região foi a dissolução das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) da Vila Kennedy e do Batan. Os policiais que trabalhavam nelas haviam sido treinados apenas para fazer policiamento comunitário. Com a mudança, eles foram preparados pelo Exército para o patrulhamento de rua e integrados ao 14º Batalhão da PM.

A unidade também recebeu policiais de outros batalhões, carros novos e as armas que estavam quebradas foram consertadas pelo Exército.

A antropóloga Alba Zaluar, professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), disse ao UOL que é preciso saber que tipo de treinamento os policiais receberam.

“O treinamento do Exército não é para ser policial, é para fazer guerra contra o inimigo. Mas, por outro lado, o Exército teve experiências de fazer a paz no Haiti e na África, construindo politicamente a paz e ouvindo o outro lado. Temos que saber até que ponto os interventores estão comprometidos com o projeto de paz”, disse ela.

Segundo a intervenção, os policiais receberam treinamento voltado para atirar e se movimentar melhor em operações com o objetivo de evitar ferir inocentes. A integração das UPPs ao batalhão também não significa que os policiais deixaram de estar presentes nas favelas, de acordo com a intervenção. A mudança visou também corrigir um problema na cadeia de comando, no qual três comandantes atuavam na mesma área, mas se reportando a chefias diferentes.

O mesmo tipo de mudanças estão ocorrendo também no 15º Batalhão (Duque de Caxias, na Baixada Fluminense) e no 18º (Cidade de Deus e Praça Seca, na zona oeste).

Migração da criminalidade

Os dados do ISP indicam que pode ter ocorrido uma migração nas modalidades de crime na região da Vila Kennedy, segundo Alba Zaluar.

Uma explicação para a alta de roubos e furtos, segundo a especialista em segurança, pode ser uma maior repressão ao tráfico de drogas que teria feito criminosos buscarem outras formas de obter recursos.

“Mesmo com a presença das Forças Armadas, sempre há ruas que ficam desertas e os ladrões podem atuar”, disse. Alba afirmou, porém, que isso é uma hipótese, pois ela não realizou um estudo detalhado sobre a região.

Os dados mostram também altas nos números de roubos a transeuntes (36%), cargas (43%) e assaltos em ônibus (25%) entre fevereiro e maio.

Enquanto isso, caíram os roubos a estabelecimentos comerciais (-55%) e de veículos (-27%). Para a antropóloga, essa variação também pode ser reflexo da presença ostensiva das tropas na região.

Questionada pelo UOL sobre os dados da região do 14º Batalhão da PM, a pesquisadora Ilona Szabó, diretora-executiva do Instituto Igarapé afirmou que as comparações pontuais de crimes nessa região não permitem afirmar tendências.

Criminalidade no RJ

O Gabinete de Intervenção Federal focou esforços em seus primeiros meses de atuação no combate ao roubo de veículos, por acreditar que os carros roubados eram usados em outras modalidades de crime e aumentavam a incidência de latrocínios.

No período de intervenção, o índice de roubos de veículos caiu de 4.972 casos em fevereiro para 4.382 em maio (-11%) no estado. No mesmo intervalo, os casos de latrocínio caíram de 21 para 13.

Por outro lado, os homicídios decorrentes de ação policial subiram no estado de 100 casos em fevereiro para 142 em maio, enquanto as mortes violentas foram de 561 para 576, no mesmo período.

*Colaboração para o UOL de Marcela lemos, no Rio