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Fantasiados, justiceiros viram super-heróis da vida real e combatem problemas das ruas

Fabrício Calado

Do UOL, em São Paulo

20/11/2012 06h00

Imagine a cena: sujeito adulto, perambulando pelas ruas durante a madrugada atrás de traficantes, prostitutas ou moradores de rua. Retrato de um viciado, serial killer ou decerto alguém mal-intencionado, certo? Agora, acrescente dois elementos ao personagem: sacola repleta de sanduíches em uma das mãos e panfletos com estatísticas sobre violências cometidas contra prostitutas e riscos do vício em drogas na outra. Ah, e uma máscara e trajes de super-herói. Onde está seu maníaco agora?

A cena acima é parte da rotina de um microcosmo de pessoas a que se convencionou chamar de super-heróis da vida real.

São homens e mulheres de idades variadas, que se dedicam a ajudar os desfavorecidos e em situação de risco, com o diferencial de que o fazem fantasiados. Como nas histórias em quadrinhos, têm identidades secretas, são confundidos por uma população e uma polícia que nem sempre os vê com bons olhos. Diferentemente dos gibis, não têm superpoderes e nem sempre são movidos pelo altruísmo: em alguns casos, é difícil distinguir o desejo de ajudar da vontade de aparecer.

Aliás, uma marca do movimento até aqui é a desunião entre suas diversas facções, por divergências quanto aos métodos e forma de atuação. Há os pacifistas e os que fazem ronda armados, por exemplo --o que é considerado ilegal em algumas cidades (já que a lei que regula o uso de armas nos EUA é estadual).

Por enquanto, o movimento é mais forte nos EUA, onde conta com cerca de 200 super-heróis. O número muda com frequência, à medida que seus representantes abandonam a atividade ou, o que é comum, trocam de nome.

Há outros relatos de super-heróis pelo mundo, mas não em grandes grupos. É o caso do Superbarrio, um mascarado e rechonchudo super-herói de roupa amarela e vermelha, que luta por pessoas pobres despejadas de suas casas, na Cidade do México. Embora seja apenas um, já é parte do folclore de heróis do país, por organizar protestos de rua e abaixo-assinados e resistir ao cumprimento de decretos de despejo. Ele chegou a disputar uma eleição presidencial, em 1988, como forma de chamar atenção para a causa da casa própria.

Pré-história

Embora a geografia do movimento de super-heróis da vida real os situe nos EUA primeiro, o que deu origem à iniciativa de super-heróis reais, e quando, é discutível. Alguns consideram o movimento uma moda recente, incentivada e capturada pelos filmes Watchmen (2009) e Kick-ass: Quebrando tudo (2010) e retratada no documentário "Superheroes" (2011), especial do canal de TV paga HBO. Outros afirmam que há relatos do final da década de 40 sobre mascarados realizando atos heroicos.

O próprio personagem Cavaleiro Solitário ("Lone Ranger", do inglês "Zorro", na catastrófica e errônea versão brasileira), vigilante mascarado que fez sucesso na TV e no cinema nas décadas de 40 e 50, inspirou seu intérprete na TV, o ator Clayton Moore, a incorporar o papel fora das telas. Vestido como o personagem, Moore fazia aparições em eventos beneficentes, festivais e comerciais, falando para crianças dos malefícios das drogas e do crime, sempre vivendo de acordo com o código de ética do Cavaleiro Solitário.

Em ao menos duas ocasiões, Moore salvou vidas: a de um motorista atropelado e largado para morrer, mantido consciente por Moore/Cavaleiro Solitário até a chegada dos paramédicos, e em outra ocasião, quando pulou na água e resgatou um bote à deriva com duas meninas - a pedido do ator-herói, a identidade do salvador das duas crianças só foi revelada após sua morte.Em vida, Moore chegou a dizer que acreditava ter se tornado o próprio Cavaleiro Solitário. Por seus atos heroicos, ganhou do Congresso americano a Medalha de Honra, que dava a ele o título, agora oficial, de herói nacional.

Outros casos de heróis da vida real das antigas são o ator George Reeves, o primeiro Superman da televisão (entre 1952 e 1958). Embora nem sempre fantasiado, fora das câmeras o ator ajudava instituições de caridade e visitava crianças em hospitais de todo o país, além de custear a alimentação das mais pobres delas.

Os modernos

Um caso mais recente é o do ativista de direitos animais James Phillips, morador de Aurora, cidade no Estado americano de Illinois. Na década de 60, ele entupiu saídas de canos de esgoto, após ver patos mortos no rio Fox (Raposa, em inglês), no que seria a primeira de suas ações diretas. Logo, Philips passou a espalhar pela cidade cartazes difamando indústrias poluentes, entupindo esgotos e chaminés, deixando gambás nas portas de donos de empresas poluidores. Em um caso célebre, transportou 22 kg de esgoto do lago Michigan para a sala de recepção da empresa que despejou os resíduos.

O cartão de visita de Philips, um cartão com o nome Fox e uma raposa desenhada no lugar da letra "o", o tornaram uma lenda. Seus métodos controversos -- hoje, diriam terrorismo -- inspiraram movimentos como o Greenpeace e outras organizações que pregam a ação direta. Um colega de Philips de Nova York, o ativista anticrime Curtis Silwa, decidiu criar em 1977 um grupo de combatentes do crime, The Magnificent 13 (Os 13 Magníficos, em inglês), que em 1979 viraria The Guardian Angels (Os Anjos Guardiões, em inglês). Hoje, o grupo estima estar presente em ao menos nove países, com 5.000 integrantes, todos voluntários.

Na década de 80, o super-heroísmo ganhou ares de movimento punk, quando cópias de um livro caseiro chamado "How to be a superhero" (Como ser um super-herói, do inglês) começaram a circular. Seu autor assinava apenas como Night-Rider (Viajante da noite, em livre tradução do inglês), e descrevia na obra como se preparar mental e fisicamente para ser um herói, além de dar instruções sobre o uso de armas e como criar sua personalidade heroica. O livro é um dos primeiros a usar a expressão "real life superhero" (super-herói da vida real), ao menos 30 anos antes do termo se tornar popular.

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