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Minoria étnica pressiona para que massacre do Estado Islâmico seja considerado genocídio

Fabíola Ortiz

De Nova York para a BBC Brasil

24/12/2015 13h14

"Famílias foram separadas, os homens foram mortos e as mulheres, vendidas como escravas sexuais. Os Yazidi eram obrigados a se converterem ao Islã, caso contrário seriam mortos".

O relato, da jovem iraquiana Pari Ibrahim, se refere aos abusos atribuídos ao grupo autodenominado Estado Islâmico contra a minoria étnica-religiosa Yazidi, que vive predominantemente no Curdistão iraquiano.

Os números ainda são imprecisos, mas estima-se que entre 5 mil e 6 mil mulheres e crianças tenham sido raptadas pelo EI quando o grupo radical invadiu a região no dia 3 de agosto de 2014. Atualmente, acredita-se que 3 mil mulheres e meninas ainda sejam mantidas em cativeiro em cidades dominadas pelo EI.

Agora, grupos pressionam para que esses fatos sejam reconhecidos internacionalmente como genocídio.

"Eles estão sendo mortos por causa de suas crenças", diz Ibrahim, 26, que lidera a organização Free Yezidi Foundation e conversou com a BBC Brasil durante visita à ONU, em Nova York.

"Quando as meninas conseguem ser libertadas ou fogem, elas ficam extremamente traumatizadas. O mundo precisa reagir e ajudar a essa população. Queremos reunir evidências suficientes para que se reconheça a situação como genocídio."

Seu grupo criou centros de apoio às mulheres e crianças no campo de deslocados em Khanke, na província iraquiana de Dohuk, onde vivem cerca 16 mil pessoas, centenas delas órfãs.

A expectativa de Ibrahim, que vive hoje com sua família na Holanda, é que o Tribunal Penal Internacional (TPI) - cuja função é julgar crimes contra a humanidade e de guerra - dê início a investigações preliminares para apurar evidências e verificar se as violações contra os Yazidi podem ser definidas como genocídio.

Segundo ela, a grande dificuldade é fazer com que seu apelo chegue ao gabinete da procuradora do TPI, em Haia, Fatou Bensouda.



Com a ajuda de especialistas como o jurista argentino Luis Gabriel Moreno Ocampo, ex-procurador do TPI (2003-2012), Ibrahim elaborou um relatório solicitando o início das investigações sobre os crimes do EI contra a população Yazidi nas montanhas de Sinjar e nas planícies de Nineveh.

"A ONU tem investigado as ações do EI e concluiu que os crimes cometidos podem constituir-se como genocídio. Porém, (a organização) não tem status legal (para realizar o julgamento). O que vimos e documentamos são fortes evidências, mas apenas um tribunal com jurisdição pode julgar o caso como genocídio", disse o assessor especial do secretário-geral da ONU para a prevenção do genocídio, Adama Dieng, que visitou a região em novembro e reuniu depoimentos das vítimas.

Retomada

Quinze meses após o massacre na região, as forças curdas (peshmerga) conseguiram retomar o controle de Sinjar, no último dia 13 de novembro, com o apoio de bombardeios liderados pelos Estados Unidos. O resultado do conflito se expressa no número de deslocados e refugiados que gerou. Apenas no Curdistão iraquiano, há pelo menos 1 milhão de pessoas que tiveram que deixar suas casas.



Por enquanto, as acusações não podem ser investigadas pela Corte de Justiça iraquiana, país que não ratificou a Convenção Internacional para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio.

Daí a tentativa de investigá-las via TPI ou de pedir que o tribunal assuma uma jurisdição ad hoc (onde a jurisdição internacional tem primazia sobre as nacionais).

"Nos encontros que tive com as autoridades iraquianas, os encorajei que dessem esse passo. Isto é, que o governo fizesse um pedido ao TPI para uma jurisdição ad hoc sobre o caso. Temos que agir mais rápido para levar os criminosos à Justiça", diz Dieng. "O sentimento dos Yazidi é que os atos contra seu povo continuam acontecendo. O genocídio persiste."

Já o argentino Luis Moreno Ocampo - responsável por iniciar em 2011 investigação contra o líder líbio Muammar Khadafi, além de emitir ordens de prisão contra autores de crimes contra a humanidade e de guerra na República Democrática do Congo, Uganda, República Centro-Africana e na província sudanesa de Darfur - explica que outra possibilidade é que o Conselho de Segurança da ONU refira o caso ao Tribunal Penal Internacional.

O fato de haver provas de que o EI tenha recrutado estrangeiros para engrossar suas tropas em nome do autoproclamado califado já poderia ser uma prerrogativa para que a corte em Haia investigue esses cidadãos que se uniram ao grupo extremista e que são oriundos de países que o TPI tem jurisdição.

"O fato de que os crimes tenham sido cometidos em território de um país que não assinou o TPI não impede que nacionais de países-membros sejam investigados pela Corte. Há 2 mil jordanianos e mais de 2,5 mil europeus que lutam ao lado do EI. Este seria um dos caminhos para que se abram as investigações", diz Moreno à BBC Brasil.

O percurso, ainda assim, parece ser longo. Antes da situação dos Yazidi, o gabinete da procuradora Fatou Bensouda tem que analisar outros casos que já estão na fila em países como na Geórgia, Colômbia, Afeganistão, República Centro-Africana, Nigéria e Líbia.

Segundo Moreno, não haverá dificuldades em reunir provas de que os Yazidi foram massacrados. Há inúmeras covas coletivas nas montanhas de Sinjar que devem ser analisadas por peritos forenses do TPI como parte das investigações preliminares. "Os ataques foram coordenados na região com um claro padrão de conduta: mataram os homens, sequestraram as crianças e levaram as mulheres como escravas sexuais".

"Eles estão em estado de choque. Quando definimos como genocídio o mais grave crime da humanidade, o mundo tem o compromisso de evitá-lo. Essa população sofreu muito e deve ser reparada", argumentou.