Moro pediu provas, negou delação de Cunha e tentou driblar STF, diz revista
Novos diálogos revelados hoje pela revista Veja e pelo site The Intercept Brasil apresentaram mais evidências de que o ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, orientou a investigação do Ministério Público Federal na Lava Jato, pedindo inclusão de provas e sugerindo a mudança de datas de operações, e mostrou contrariedade na delação de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara. A revista acusa Moro de ter omitido informações solicitadas pelo ministro do STF Teori Zavascki, morto em 2017, para manter um inquérito na 13ª Vara Federal, então chefiada pelo atual ministro da Justiça.
Nos diálogos, também apareceram celebração de um encontro com o ministro Edson Fachin, do STF ("aha, uhu, o Fachin é nosso"), pelo coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e um encontro entre Moro e o apresentador Fausto Silva, da TV Globo, no qual o global aconselhou os procuradores a se expressar melhor diante da opinião pública.
Em nota, o ministro da Justiça e da Segurança Pública disse não reconhecer "a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos e que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente". "Lamenta-se que a Revista Veja se recusou a encaminhar cópia das mensagens antes da publicação e tenha condicionado a apresentação das supostas mensagens à concessão de uma entrevista, o que é impróprio."
A força-tarefa da Lava Jato no Paraná também disse, em nota divulgada nesta tarde, "não reconhecer o contexto e a veracidade das supostas mensagens atribuídas a seus integrantes e originadas em crime cibernético". Também voltou a afirmar que o trabalho dos procuradores foi validado por diferentes instâncias do Judiciário.
Segundo Veja, Moro e Deltan não quiseram receber a reportagem e se recusaram a receber os arquivos pessoalmente, condição que a revista estabeleceu para ouvir a posição dos citados.
Leia a seguir os principais trechos citados pela revista.
Orientação em denúncia de réu
Em uma das mensagens, Moro alertou o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, que o MPF (Ministério Público Federal) não havia incluído uma informação considerada importante por ele na denúncia de um réu.
De acordo com a reportagem da Veja, tratava-se da denúncia feita contra Zwi Skornicki, representante do estaleiro Keppel Fels, que tinha contratos com a Petrobras para a construção de plataformas de petróleo e apontado como um dos maiores operadores de propina no esquema de corrupção.
Na conversa, que segundo Veja ocorreu no dia 28 de abril de 2016, Moro orientou os procuradores a tornar mais robusta a acusação. No diálogo, Deltan Dallagnol diz para a procuradora Laura Tesller que o então juiz havia alertado sobre a falta de informação na denúncia.
"Laura, no caso do Zwi, Moro disse que tem um depósito em favor do Musa e se for por lapso que não foi incluído ele disse que vai receber amanhã e dá tempo. Só é bom avisar ele", disse. "Ih, vou ver", respondeu a procuradora.
Segundo Veja, no dia seguinte o MPF incluiu um comprovante de depósito de US$ 80 mil feito por Skornicki a Eduardo Musa, ex-gerente da Petrobras, e Moro aceitou a denúncia minutos depois, mencionando o documento em sua decisão.
Em nota, Moro afirmou, por meio de sua assessoria, que não tem o ministro como confirmar ou responder pelo conteúdo de suposta mensagem entre terceiros. "De todo modo, caso a Veja tivesse ouvido o ministro ou checado os fatos saberia que a acusação relativa ao depósito de 80 mil dólares, de 7 de novembro de 2011, e que foi incluído no aditamento da denúncia em questão, não foi reconhecido como crime na sentença proferida pelo então juiz em 2 de fevereiro de 2017, sendo ambos absolvidos deste fato. A absolvição revela por si só a falsidade da afirmação da existência de conluio entre juiz e procuradores ou de quebra de parcialidade."
A Lava Jato também disse, em nota, que "os réus foram absolvidos, inexistindo favorecimento à acusação". Também afirmou ser "lícito para defesa e acusação juntarem documentos aos autos, inclusive respondendo a demandas do juiz, que está autorizado em nosso sistema a produzir prova e instruir processos".
A defesa de Zwi informou que não vai se manifestar.
Contra delação de Cunha
De acordo com a reportagem, o ex-juiz também era contra um acordo de delação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. No dia 5 de julho de 2017, Moro questiona Dallagnol sobre rumores de um acordo do político.
"Espero que não procedam", diz. Dallagnol responde: "Só rumores. Não procedem. Cá entre nós, a primeira reunião com o advogado para receber anexos (nem sabemos o que virá) acontecerá na próxima terça. Estaremos presentes e acompanharemos tudo. Sempre que quiser, vou te colocando a par".
Moro responde: "Agradeço se me manter informado. Sou contra, como sabe".
Após a publicação da reportagem, a assessoria de Moro afirmou que "eventual colaboração de Eduardo Cunha, por envolver supostos pagamentos a autoridades de foro privilegiado, jamais tramitou na 13ª Vara de Curitiba ou esteve sob a responsabilidade do ministro, então juiz".
A Lava Jato disse que é a Procuradoria-Geral da República que realiza ou coordena tratativas de colaboração premiada, em que são implicadas pessoas com foro privilegiado, e é o Supremo Tribunal Federal que decide homologá-las ou não, sem que juízes de 1ª ou 2ª instância tenham ingerência nessas decisões.
Procurada pelo UOL, a defesa de Cunha afirmou que não iria se manifestar neste momento.
Prova que levaria caso ao STF
A reportagem de Veja diz que Moro ocultou uma prova importante do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki, relator da Lava Jato na Corte, que morreu em um acidente aéreo em 2017.
A conversa se refere ao caso da prisão de Flávio David Barra, que presidia a AG Energia, do Grupo Andrade Gutierrez, em julho de 2015. Em 25 de agosto de 2015, a defesa do executivo pediu ao ministro do STF a suspensão do processo em Curitiba, alegando que Moro não tinha competência para julgar o caso porque havia indícios de envolvimento de políticos.
Diante da manifestação da defesa, Teori cobrou explicações de Moro, que, segundo a revista, disse não saber nada sobre o envolvimento de parlamentares. Mesmo assim, o ministro determinou em 2 de outubro que o caso fosse remetido a Brasília.
Dias depois, em 23 de outubro, o procurador Athayde Ribeiro Costa falou para a delegada da PF Erika Marena que precisava com urgência de uma "planilha/agenda" apreendida com Barra que descreve pagamentos a políticos.
Marena respondeu que "russo" (apelido de Moro entre os procuradores) tinha dito para não ter pressa em "eprocar" a planilha, ou seja, protocolar no sistema da Justiça. "Acabei esquecendo de eprocar. Vou fazer isso logo", respondeu.
Moro afirmou, também por nota, que a reportagem "sugere que o então juiz teria mentido por conta de referência a suposta planilha constante em supostas mensagens de terceiros datadas de 23 de outubro de 2015. Não há qualquer elemento que ateste a autenticidade das supostas mensagens ou no sentido de que o então juiz tivesse conhecimento da referida planilha mais de 30 dias antes".
A Lava Jato disse, em nota, que "a ordem de análise e inclusão de materiais nos processos depende não só do trabalho do MPF e do Judiciário, mas de uma cadeia que inclui outros órgãos, como Polícia e Receita Federal, e segue critérios de interesse público".
Datas de operações
A revista também aponta que Moro interferia nas datas em que as operações seriam feitas, como já havia sido exposto em outros diálogos vazados pelo site The Intercept Brasil. Num diálogo em 7 de julho de 2015, um membro da força-tarefa do MPF que Veja identifica como o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima diz ao delegado da Polícia Federal Igor Romário que o juiz havia sugerido uma data para uma ação.
"Igor. O Russo sugeriu a operação do professor para a semana do dia 20". Igor responde: "Opa...beleza...Vou começar a organizar". Segundo a publicação, o "professor" era o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, que presidiu a Eletronuclear.
Em 13 de outubro de 2015, o procurador Paulo Galvão também fala com o colega Roberson Pozzobon sobre uma orientação do juiz. "Estava lembrando aqui que uma operação tem que sair no máximo até por volta de 13/11, em razão do recesso e do pedido do russo (Moro) para que a denúncia não saia na última semana". Pozzobon responde: "Concordo PG, uma grande operação por volta desta data seria o ideal. Ainda é próximo da proclamação da república. rsrs".
Segundo Veja, o diálogo trata da operação que prendeu José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, em 24 de novembro. O pecuarista foi denunciado em 14 de dezembro, última semana antes do recesso, e Moro aceitou a denúncia no dia seguinte.
Nas mensagens vazadas pela Veja, Dallagnol dá dicas a Moro sobre argumentos para garantir a prisão de José Carlos Bumlai. Em 17 de dezembro de 2015, Moro disse precisar de manifestação do MPF no pedido de revogação da prisão preventiva do pecuarista. "Até amanhã meio-dia", escreveu.
Além de garantir a ação nas mensagens, Dallagnol deu dicas: "Seguem algumas decisões boas para mencionar quando precisar prender alguém?". Nas mensagens publicadas pela revista, no entanto, as decisões não são mencionadas.
Em nota, o ministro da Justiça e Segurança Pública afirmou que "a manifestação do Ministério Público era necessária, como é em pedidos da espécie, para decidir o pedido da defesa". "A urgência decorre da natureza de pedido da espécie e, no caso em particular, pela proximidade do recesso judiciário que se iniciaria em 19 de dezembro. Então, a solicitação de urgência, se autêntica a mensagem, teria sido feita em benefício do acusado e não o contrário." E prossegue: "quando se discutem datas de operações, trata-se do cumprimento de decisões judiciais já tomadas, sendo necessário que, em grandes investigações, como a Lava Jato, haja planejamento para sua execução, evitando, por exemplo, a sua realização próxima ou no recesso Judiciário".
A força-tarefa da Lava Jato disse, em nota, que "o pronunciamento ágil do Ministério Público, principalmente em casos de pessoas presas, é fundamental. É comum, portanto, que os juízes cobrem essa agilidade. Nos dois casos mencionados pela revista o pedido de agilidade constava nos próprios autos".
Na mesma nota afirmou que, na Justiça Criminal, "as datas de fases de operações são estabelecidas entre os agentes públicos, em especial pelo juiz, que precisa estar disponível na data para decidir pedidos urgentes do Ministério Público e defesa".
"Aha, uhu, o Fachin é nosso"
As mensagens reveladas por Veja também mostram que Dallagnol ficou entusiasmado após um encontro com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin. De acordo com a revista, em 13 de julho de 2015 ele comentou o resultado da conversa com os outros procuradores da força-tarefa. "Caros, conversei 45 m com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso".
Em outro diálogo revelado anteriormente pelo blogueiro do UOL Reinaldo Azevedo, Dallagnol comenta com Moro um diálogo que teve com o ministro Luiz Fux sobre a divulgação de conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, o então juiz declarou: "In Fux we trust" (Em Fux, nós confiamos) ao saber da conversa.
A assessoria do STF informou que o ministro não está na Corte e não deve comentar o assunto hoje.
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