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Bolsonaro esteve, em média, em uma aglomeração por dia durante a pandemia

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

17/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Em dois meses desde que a Saúde passou a não recomendar aglomerações, presidente esteve em ao menos 62 encontros com aglomerações
  • A maior parte aconteceu no "cercadinho" diante do Palácio do Alvorada
  • Passeios, idas ao supermercado e oração com apoiadores estão entre as atividades
  • Atitude contraria orientações do Ministério da Saúde e da OMS (Organização Mundial da Saúde)

Ao longo de dois meses durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ignorou recomendações de seu próprio Ministério da Saúde e das principais autoridades em Saúde do mundo e provocou aglomerações em mais de 60 aparições públicas.

Um levantamento feito pelo UOL mostra que Bolsonaro esteve, em média, em uma aglomeração por dia em sua rotina, em Brasília ou em passeios por outras cidades.

A lista analisa o período entre os dias 13 de março — dia em que o Ministério da Saúde passou a recomendar que aglomerações fossem evitadas — e 13 de maio, e considera duas situações específicas: contato direto com apoiadores e aparições públicas ao lado de vários ministros e/ou funcionários.

Reuniões a portas fechadas não entram na conta, nem as vezes em que Bolsonaro apoiou uma manifestação, mas não participou dela.

Há cerca de dois meses, o Ministério da Saúde divulgou um texto com uma série de dicas à população para evitar aglomerações, inclusive "em supermercados e farmácias".

Desde então, Bolsonaro provocou a concentração de pessoas nos dois tipos de estabelecimentos usados como exemplo. Durante a pandemia, o presidente, por exemplo, participou de ato em que seus apoiadores atacavam o STF (Supremo Tribunal Federal) em 15 de março; passeou pelas ruas e por supermercados em 29 de março; comeu pão doce em uma padaria em 9 de abril, e distribuiu abraços a apoiadores em 2 de maio.

Tal comportamento recebe críticas de especialistas que estão na linha de frente do combate à pandemia.

"Se ele [Bolsonaro] fizesse isso a portas fechadas, seria uma coisa. Mas a questão é o exemplo, que é contrário a tudo o que está sendo proposto. Isso tem um impacto imenso no não cumprimento das medidas de isolamento", comenta o epidemiologista Paulo Lotufo, diretor do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP (Universidade de São Paulo).

"O dano que ele está causando é imenso, é total, porque se cria uma dualidade na cabeça de quem está vendo", continua Lotufo, que atua na linha de frente do combate à pandemia.

"De um lado, nós estamos fazendo um esforço tremendo, e de outro se põe tudo a perder. O Hospital das Clínicas [de SP] tem mais de 200 pessoas intubadas, é um número absurdo, impensável, e poderia ser menos gente. Estamos em uma situação terrível", lamenta.

"Cercadinho" tem aglomeração quase todo dia

De ao menos 62 aglomerações causadas por Jair Bolsonaro no período citado, 39 ocorreram no chamado "cercadinho" do Palácio da Alvorada — ou seja, 64% do total. É ali, no lado de fora da residência oficial, que os apoiadores do presidente o esperam para conversar e tirar fotos.

O levantamento do UOL mostra que, no "cercadinho", Bolsonaro já cumprimentou, conversou, fez orações e interagiu com idosos, tudo sem qualquer proteção contra o coronavírus.

Em um contexto de pandemia, a atitude põe em risco de contaminação não apenas ele próprio, mas também quem aparece para vê-lo.

Aglomerações aumentaram após a saída de Mandetta

A média de aglomerações por dia aumentou desde que Luiz Henrique Mandetta deixou o comando do Ministério da Saúde. A gota d'água de sua saída foi, justamente, uma entrevista em que cobrava "fala unificada e fim da dubiedade" entre as orientações da pasta e as do presidente.

Foram 27 ocasiões em 34 dias com Mandetta no cargo (média de 0,79 ao dia) e outras 35 aglomerações em 27 dias com Nelson Teich (1,3 ao dia).

Anteontem foi a vez de Nelson Teich deixar o governo, abreviando uma gestão que vinha entrando em rota de colisão com Bolsonaro — uma das discordâncias era justamente sobre o isolamento social.

Senadores protocolam ação contra aglomerações de Bolsonaro

Após Bolsonaro participar da terceira manifestação durante a pandemia, dois senadores da Rede e um advogado protocolaram uma ação popular para questionar sua presença e seu estímulo a eventos que causam aglomeração.

Na última quinta-feira, o presidente publicou uma Medida Provisória (nº 966) na qual, em grande parte, livra os agentes públicos de erros cometidos no combate à covid-19.

Os opositores entraram com uma petição no STF para derrubar a MP que, na opinião de juristas, é inconstitucional. Pela redação muito ampla, poderia minimizar sanções que o próprio Bolsonaro pode sofrer por causa das saídas em público e as aglomerações.

Levantamento vai da "fantasia" à conversa com máscara

O grande assunto no dia 13 de março era a contaminação por covid-19 do secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, que fez parte da comitiva de Jair Bolsonaro na viagem aos Estados Unidos.

À época, o presidente tratava a pandemia como "fantasia", mas mesmo assim precisou cancelar sua agenda pública para ser testado — o resultado, negativo, só foi tornado público há poucos dias.

Naquela mesma semana, Bolsonaro participou de um ato com aglomeração em Brasília. Defendeu-se dizendo que não viveria "preso dentro do Alvorada".

Em seguida, classificou o combate ao novo coronavírus como "histeria", depois como "neurose", gabou-se por seu "histórico de atleta" e comentou que o brasileiro "tem que ser estudado" porque mergulha no esgoto "e não pega nada".

Em 12 de abril, Bolsonaro disse que o coronavírus estava "começando a ir embora". Uma semana depois, a covid-19 já tinha matado 2,5 mil pessoas no Brasil, e o presidente negou-se a comentar sobre as mortes: "Não sou coveiro", disparou.

Confrontado de novo sobre as vítimas fatais no final do mês passado, rebateu com um "e daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?".

Na última segunda-feira (11), no entanto, Bolsonaro apareceu na área externa do Palácio da Alvorada usando máscara, para conversar com apoiadores. Parecia uma mudança de postura, mas durou pouco tempo: no dia seguinte, ele esteve em uma aglomeração com crianças, pegou uma garotinha no colo e quase que imediatamente passou a mão no rosto dela.

As 62 aglomerações de Bolsonaro na pandemia:

1. 15 de março, Palácio do Planalto. Cumprimentou e tirou fotos com apoiadores durante ato.
2. 16 de março, Palácio da Alvorada. Cumprimentou apoiadores no "cercadinho".
3. 17 de março, Palácio da Alvorada. Rezou com apoiadores no "cercadinho".
4. 17 de março, Palácio da Alvorada. Tirou fotos com apoiadores e tomou "sermão" no "cercadinho".
5. 18 de março, Palácio do Planalto. Participou de entrevista coletiva com ministros lado a lado.
6. 20 de março, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
7. 23 de março, Palácio do Planalto. Participou de entrevista coletiva com ministros lado a lado.
8. 25 de março, Palácio da Alvorada. Acenou e conversou com apoiadores no "cercadinho".
9. 29 de março, em Taguatinga-DF. Passeou por uma praça e conversou com vendedor.
10. 29 de março, em Ceilândia-DF. Tirou fotos com apoiadores e passeou por um supermercado.
11. 29 de março, em Sobradinho-DF. Cumprimentou apoiadores e passeou por um supermercado.
12. 29 de março, Palácio da Alvorada. Cumprimentou apoiadores no "cercadinho".
13. 30 de março, Palácio da Alvorada. Conversou e tirou fotos com apoiadores no "cercadinho".
14. 31 de março, Palácio da Alvorada. Estimulou apoiadores a hostilizar jornalistas no "cercadinho".
15. 1º de abril, Palácio do Planalto. Pronunciamento à imprensa com ministros lado a lado.
16. 2 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
17. 2 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho" pela segunda vez no dia.
18. 3 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
19. 5 de abril, Palácio do Planalto. Abraçou, tirou fotos e rezou com apoiadores na área externa.
20. 6 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
21. 8 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou e rezou com apoiadores no "cercadinho".
22. 9 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
23. 9 de abril, em Brasília-DF. Abraçou, tirou fotos com apoiadores e comeu pão doce em uma padaria.
24. 10 de abril, em Brasília-DF. Tirou fotos com apoiadores e fez compras em uma farmácia.
25. 10 de abril, em Brasília-DF. Coçou o nariz e em seguida cumprimentou uma idosa.
26. 11 de abril, em Águas Lindas de Goiás-GO. Acenou e cumprimentou apoiadores ao visitar obras.
27. 13 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
28. 17 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho" e deu autógrafo.
29. 17 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou e tirou fotos com apoiadores no "cercadinho".
30. 18 de abril, Palácio do Planalto. Acenou e conversou com apoiadores na área externa.
31. 19 de abril, Quartel General do Exército. Discursou em manifestação que pedia AI-5.
32. 20 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
33. 20 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou e cumprimentou apoiadores no "cercadinho".
34. 21 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou e rezou com apoiadores no "cercadinho".
35. 22 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
36. 23 de abril, Palácio da Alvorada. Cumprimentou uma criança, rezou e ganhou presentes no "cercadinho".
37. 24 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
38. 24 de abril, Palácio do Planalto. Pronunciamento à imprensa com ministros lado a lado.
39. 27 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
40. 28 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou e cumprimentou apoiadores no "cercadinho".
41. 29 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou e rezou com apoiadores no "cercadinho".
42. 29 de abril, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
43. 29 de abril, Palácio do Planalto. Cerimônia de posse do ministro da Justiça e do Advogado-Geral da União.
44. 30 de abril, em Porto Alegre-RS. Acenou a apoiadores antes de cerimônia militar.
45. 2 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou e cumprimentou apoiadores no "cercadinho".
46. 2 de maio, em Cristalina-GO. Abraçou e cumprimentou apoiadores em um posto de gasolina.
47. 2 de maio, em Cristalina-GO. Abraçou e cumprimentou apoiadores na 3ª Brigada de Infantaria Motorizada.
48. 3 de maio, Palácio do Planalto. Abraçou uma criança e cumprimentou apoiadores em ato contra STF e Congresso.
49. 4 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
50. 5 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
51. 5 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho" pela segunda vez no dia.
52. 6 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
53. 7 de maio, Praça dos Três Poderes. Foi a pé ao STF, cercado de ministros e empresários.
54. 7 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
55. 8 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".
56. 9 de maio, Palácio da Alvorada. Deu autógrafo e conversou com apoiadores no "cercadinho".
57. 9 de maio, Lago Paranoá. Andou de jet ski e conversou com populares
58. 11 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores (de máscara) no "cercadinho".
59. 12 de maio, Palácio do Planalto. Abraçou uma criança, conversou e rezou com apoiadores.
60. 12 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores na área externa.
61. 12 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores (de máscara) no "cercadinho".
62. 13 de maio, Palácio da Alvorada. Conversou com apoiadores no "cercadinho".