Um segredo do sucesso do Estado Islâmico: tropas de choque que lutam até a morte
Barbados e usando bandanas azuis, a unidade de "forças especiais" do grupo Estado Islâmico (EI) se reuniu em torno de seu comandante pouco antes de atacar a cidade de Al-Sukhna, na região central da Síria. "Vitória ou martírio", eles gritavam, jurando fidelidade a Deus e prometendo nunca recuar.
O EI os chama de "Inghemasiyoun", árabe para "aqueles imersos em si mesmos". As tropas de choque de elite são possivelmente a arma mais mortífera do arsenal do grupo extremista: fanáticos e disciplinados, eles se infiltram em seus alvos, provocam o caos e lutam até a morte, usando cintos explosivos para detonarem a si mesmos entre seus oponentes caso se vejam diante da derrota. Eles são creditados por muitos dos sucessos impressionantes do grupo nos campos de batalha –-incluindo a captura de Al-Sukhna em maio, após a cena exibida em um vídeo online divulgado pelo grupo.
"Eles causam o caos e então tem início a principal ofensiva terrestre", disse Redur Khalil, o porta-voz das Unidades de Proteção do Povo Curdo apoiadas pelos Estados Unidos, que tiveram uma série de sucessos militares contra o EI na Síria.
Apesar de mais conhecido por suas horríveis brutalidades –-desde os assassinatos grotescos de prisioneiros até a escravização de mulheres-– o EI provou ser uma força de combate altamente organizada e flexível, segundo autoridades de inteligência e altos oficiais militares iraquianos, assim como comandantes curdos sírios nas linhas de frente.
Suas táticas com frequência são criativas, seja usando uma tempestade de areia como cobertura para um ataque ou um atirador solitário amarrando a si mesmo no topo de uma palmeira para atingir tropas abaixo. Suas tropas alternam de modo ágil entre guerra convencional e táticas de guerrilha, usando esta última para desgastar seus oponentes antes de reunir combatentes para uma ofensiva com blindados, Humvees e às vezes até artilharia para tomada do território. Os combatentes incorporam os atentados suicidas como temível tática de combate para romper linhas e desmoralizar os inimigos, e os aperfeiçoam constantemente para torná-los mais eficazes. Recentemente, eles reforçaram a blindagem frontal dos veículos usados nesses ataques, para impedir que disparos matassem o motorista ou detonassem os explosivos prematuramente.
Essas estratégias estão sendo usadas em novas frentes, aparecendo no ataque dramático da semana passada no Egito, por um grupo militante ligado ao EI contra as forças armadas na Península do Sinai.
Andreas Krieg, um professor do King's College London que acompanhou os combatentes curdos iraquianos no ano passado, disse que os comandantes locais do EI têm liberdade para atuar como consideram adequado. Eles "têm ordens gerais sobre a estratégia e devem elaborar as formas mais eficientes de se adaptarem a ela", ele disse. O grupo "é basicamente voltado para sucessos, voltado para resultados". Isso contrasta enormemente das hierarquias rígidas, ineficientes e corruptas das forças armadas iraquianas e sírias, onde os oficiais costumam ter medo de agir sem aprovação direta de um superior.
Os combatentes do EI são altamente disciplinados -–uma execução rápida é a punição pela deserção em combate ou por adormecer enquanto está de guarda, disseram oficiais iraquianos. O grupo também está repleto de armas saqueadas das forças iraquianas que fugiram de sua investida no ano passado, quando o EI tomou a cidade de Mosul, no norte, e outras áreas. Grande parte do armamento pesado que dispõe –-incluindo artilharia e tanques-– raramente é usado, aparentemente sendo reservado para uma futura batalha.
O general de exército Abdul-Wahab al-Saadi, do Iraque, disse que o EI se destaca em sua habilidade de conduzir múltiplas batalhas simultaneamente.
"No exército iraquiano, nós só conseguimos conduzir uma grande batalha de cada vez", disse Al-Saadi, que foi ferido duas vezes no ano passado enquanto liderava as forças que retomaram do EI as importantes cidades de Beiji e Tikrit.
Até mesmo as atrocidades do grupo fazem parte de uma tática, visando aterrorizar seus inimigos e retratar a si mesmo como um rolo compressor impossível de deter. Em junho de 2014, o grupo se gabou de ter matado centenas de xiitas das forças de segurança do Iraque, divulgando fotos do massacre. Ele decapita regularmente os soldados capturados, divulgando os vídeos das execuções online. Ele está aumentando o valor de choque: vídeos recentes o mostram baixando prisioneiros em uma jaula dentro de uma piscina para afogá-los e explodindo a cabeça de outros com explosivos armados em torno de seus pescoços.
O número de combatentes do EI no Iraque e na Síria é estimado entre 30 mil e 60 mil, segundo oficiais iraquianos. Ex-oficiais do exército do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein ajudaram o grupo a organizar seus combatentes, provenientes de uma mistura diversa de países europeus, norte-americanos, árabes e centro-asiáticos. Jihadistas veteranos de combates no Afeganistão, Chechênia ou Somália também trouxeram experiência valiosa, tanto no planejamento como na forma de exemplos para os combatentes mais jovens.
"Eles tendem a usar seus combatentes estrangeiros como homens-bomba", disse Patrick Skinner, um ex-agente da CIA que agora dirige as operações especiais do The Soufan Group, uma empresa privada de avaliação de risco geopolítico. "As pessoas vão ao Estado Islâmico com intenção de morrer, e o Estado Islâmico fica feliz em ajudá-las."
As táticas do grupo fizeram com que ele tomasse grande parte do norte e oeste do Iraque no ano passado, capturando Mosul, a segunda maior cidade do Iraque. Logo depois, o líder do EI, Abu Bakr al-Baghdadi, declarou um "califado" em seu território no Iraque e Síria.
Em maio, ele capturou Ramadi, a capital da vasta província de Anbar, no oeste do Iraque, em uma humilhação para as forças iraquianas. Na Síria, ele tomou a cidade central de Palmira.
As tropas de elite foram cruciais para a tomada de Ramadi. Primeiro veio uma onda de mais de uma dúzia de homens-bomba suicidas atacando as posições das forças armadas na cidade, depois os combatentes avançaram durante uma tempestade de areia. As tropas iraquianas se dispersaram e fugiram à medida que a força maior do EI entrava na cidade.
"A forma como tomaram Ramadi será estudada por algum tempo", disse Skinner. "Eles contam com a habilidade de alternar entre operações militares tradicionais e terrorismo." Ele disse que uma combinação semelhante de homens-bomba à frente das forças terrestres foi usada nos ataques da semana passada no Sinai, no Egito.
Desde que os ataques aéreos liderados pelos Estados Unidos na Síria e no Iraque tornaram mais difícil para as forças do grupo avançarem, o EI tem perdido terreno. Tropas iraquianas e milícias xiitas retomaram áreas ao sul e nordeste de Bagdá, a cidade de refino de petróleo de Beiji e Tikrit, a cidade natal de Saddam Hussein, ao norte da capital.
Na Síria, forças curdas apoiadas por ataques aéreos pesados americanos tomaram a cidade de fronteira de Kobani do EI, após semanas de batalhas devastadoras. Mais recentemente, o EI perdeu Tal Abyad, outra cidade síria na fronteira turca.
Apesar dessa perda, as tropas de choque do EI atacaram Kobani no mês passado. Cerca de 70 deles se infiltraram e enfrentaram a força curda muito maior por dois dias, com a aparente missão de não retomar a cidade, mas sim provocar caos.
Todos foram mortos, mas não antes de matarem mais de 250 civis, incluindo cerca de 100 crianças, e mais de 30 combatentes curdos. Ao mesmo tempo, eles atacaram a cidade de Hassakeh, no nordeste da Síria, expulsando milhares de pessoas e mantendo partes da cidade, apesar da continuidade da luta. Na semana passada, eles realizaram uma incursão sangrenta em Tal Abyad, de novo lutando até todos serem mortos, mas demonstrando sua implacabilidade.
"Nós ainda estamos cuidando de nossos feridos em Kobani", disse Ghalia Nehme, uma comandante curda síria que lutou na batalha do mês passado. "Pelo que vimos, eles não estavam planejando partir vivos. Parece que ansiavam pelo céu", ela disse.
O uso de homens-bomba forçou os oponentes do EI a se adaptarem. Al-Saadi desafiou seus próprios comandantes militares iraquianos, que exigiam um ataque rápido para retomada de Beiji. Em vez disso, ele adotou uma marcha lenta e metódica saída de uma base próxima de Tikrit, avançando apenas poucos quilômetros por dia enquanto limpava as estradas de explosivos e montava barreiras contra os ataques suicidas. Ele precisou de três semanas para percorrer 40 quilômetros até Beiji, lutando por todo o caminho e rechaçando mais de duas dúzias de ataques suicidas, e então de mais outra semana para tomar Beiji, mas teve sucesso com número mínimo de baixas.
O EI também se adaptou, começando a usar recentemente aeronaves por controle remoto contendo câmeras para filmar as posições inimigas. Acredita-se que ele tenha agentes dentro das forças armadas. Ele também conta com equipamento de comunicação superior, usando rádios bidirecionais com maior alcance que os das forças armadas iraquianas, disse o general-de-divisão Ali Omran, comandante da 5ª Divisão do Iraque.
Omran disse que quando os extremistas perceberam que os militares estavam ouvindo suas frequências de rádio, eles adotaram linhas mais seguras, mas continuaram usando as frequências infiltradas para fornecer informações falsas aos militares.
Até mesmo as cadeias de suprimentos do EI são robustas. As rações de seus combatentes incluem com frequência espetinhos de carne grelhada e frango, permitindo que comam melhor que as tropas iraquianas, disse Omran.
Mas o EI tem suas vulnerabilidades, notou Skinner. Ele não tem força aérea. É sua organização aberta, como um Estado, permite a infiltração de espiões, algo que o grupo claramente teme, dadas as muitas pessoas mortas por suspeita de espionagem. Ele também enfrenta tensões internas, tentando controlar e dirigir seu pessoal multinacional.
"Nós os imaginamos como essa assustadora organização sem rosto, que funciona impecavelmente", disse Skinner. "Mas imagino que provavelmente seja a organização mais difícil de dirigir, por contar com muita gente violenta e instável."
(Reportagem de Hamza Hendawi e Qassim Abdul-Zahra, em Bagdá, Iraque, e Bassem Mroue em Beirute, Líbano. Os correspondentes da "AP", Lori Hinnant, em Paris, França, e John-Thor Dahlberg, em Bruxelas, Bélgica, contribuíram com reportagem adicional.)
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