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Operação Lava Jato

Marcos Nobre: Lula põe PT na oposição e lavajatistas no colo de Bolsonaro

Para Marcos Nobre, presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), soltura de Lula também reforça estratégia eleitoral de Bolsonaro  - Jardiel Carvalho/UOL
Para Marcos Nobre, presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), soltura de Lula também reforça estratégia eleitoral de Bolsonaro Imagem: Jardiel Carvalho/UOL

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

09/11/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Presidente do Cebrap diz que só resta ao PT apresentar programa de oposição
  • Para Marcos Nobre, programa petista fracassará se focar no passado
  • Filósofo avalia que soltura de Lula reforça estratégia de Bolsonaro

Marcos Nobre, presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professor de filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), afirma que, com a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o cenário político do país muda completamente, e o PT não tem alternativa a não ser apresentar um programa de oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PSL).

O programa petista estará, no entanto, condenado ao fracasso se estiver voltado ao passado, aos anos do governo Lula. É necessário, opina o pesquisador, apontar para o futuro.

Por outro lado, em sua avaliação, a soltura de Lula reforça a figura do ex-presidente como "belzebu perfeito" a ser usado por Bolsonaro como estratégia eleitoral para 2022 para atrair os eleitores de centro.

Autor do livro "Imobilismo em Movimento. da Redemocratização ao Governo Dilma", Nobre também entende que a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de derrubar a prisão após julgamentos em segunda instância joga os apoiadores da operação Lava Jato no colo de Bolsonaro.

Confira abaixo a entrevista.

UOL - O que a soltura de Lula representa para o cenário político do país?

Marcos Nobre - Muda completamente o cenário. E vai mudar a atitude do próprio PT. O PT sai de uma pauta meramente defensiva e vai passar a se colocar de fato como um partido de oposição, que tem que apresentar um programa e uma alternativa ao governo Bolsonaro, que é uma coisa que, até o momento, não tinha acontecido.

O PT não tem alternativa a não ser apresentar um programa e uma alternativa ao governo Bolsonaro.

Lula seria capaz agora de aglutinar a esquerda e refazer canais com Ciro Gomes, por exemplo?

Essa questão é um pouco mais complicada. Temos um país que politicamente está dividido em três terços: um terço que apoia Bolsonaro, um terço que rejeita Bolsonaro e um terço que nem apoia nem rejeita.

Essa divisão em três terços está criando uma situação muito perversa. Cada um dos terços está tentando simplesmente fidelizar o seu eleitorado. Não tem um movimento para ampliar [para além] de um terço. Todo mundo quer manter o seu terço porque o terço é confortável para chegar em 2022.

A questão toda agora é o seguinte: quem vai ganhar cada um dos terços? No caso do Bolsonaro, está dado. Ele é o presidente e não tem adversários dentro desse terço. Agora, tanto no terço do centro quanto no terço à esquerda, você tem disputa. No centro, tem a disputa entre Dória e Luciano Huck até o momento. Na esquerda, você tem a disputa entre Ciro Gomes e Lula, com vantagem clara para Lula. Dificilmente vai haver acordo sobre quem é o representante de cada terço.

A saída de Lula e a nova posição do PT podem levar a uma mobilização popular em relação a medidas e posições do governo Bolsonaro?

É possível. Os partidos, simplesmente, desapareceram das ruas.

Apresentar um programa é se opor a Bolsonaro, ou seja, a ideia de que deve voltar a existir uma uma oposição pela esquerda ao governo. Em princípio, isso levaria a pensar que tem a necessidade de convocar as pessoas para manifestações contra políticas do governo e contra o próprio governo.

A gente tem que ver qual é a capacidade real de mobilização dos partidos. Nós estamos em um momento em que, por exemplo, os sindicatos, as entidades estudantis estão tendo uma situação muito precária em termos financeiros e organizacionais. Os partidos foram as únicas estruturas, na verdade, que sobraram, além de algumas igrejas. Os partidos têm quase um monopólio da relação entre a sociedade e o Estado. Mas, ao mesmo tempo, não estão conseguindo exercer esse papel.

O senhor tem indicações de como poderia ser esse novo programa do PT?

Acho que ninguém tem essas indicações.

Tem a expectativa de que não seja simplesmente uma proposta de voltar ao passado, 'voltar aos bons anos do governo Lula'. Se for isso, o programa fracassou de saída. Tem que andar para frente, e não para trás.

A única indicação que a gente podia ter é da campanha eleitoral passada. E a campanha eleitoral de 2018 foi focada no passado, focada em voltar para os "bons tempos do governo Lula". Se for isso, o programa vai ser muito frágil e vai ter apelo realmente só para para um público já convertido, setores que já pertencem a esse terço e que têm um predomínio do Lula.

O sr. vê Lula com condições e capacidade de olhar o futuro?

Capacidade e condições ele tem. Um líder político da estatura dele tem todas as condições. A questão não é exatamente a capacidade de olhar para o futuro ou não. A questão estratégica é o seguinte: como é que o Lula pode manter da maneira mais efetiva possível a fidelidade desse terço que, em princípio, está em maioria com ele?

É isso que vai determinar a resposta. Não é a necessidade abstrata de um programa, mas é que tipo de programa mantém esse terço junto ao PT na sua grande maioria.

O debate político está muito ruim, está muito contaminado por uma pauta totalmente publicitária e reeleitoral do Bolsonaro. Para adensar o debate, precisa ter programas interessantes.

Espero pelo menos que as duas coisas convirjam: que você tenha um programa que, segundo a estratégia do PT, seja ela qual for, fidelize a sua base e, ao mesmo tempo, aponte para o futuro.

A soltura de Lula facilita um reforço da posição do presidente Bolsonaro na polarização com a esquerda e Lula?

Sem dúvida. Bolsonaro não tem estratégia de governo, tem estratégia reeleitoral. Alguém que se lança candidato à reeleição com menos de seis meses de mandato é uma coisa inédita. É um governo de permanente campanha. Isso daí faz com que a mídia, por exemplo, cubra o governo Bolsonaro como se ainda a gente estivesse em campanha eleitoral.

A melhor coisa, para ele, em termos de estratégia eleitoral é justamente encontrar o belzebu do outro lado. A estratégia do Bolsonaro não é governar para a maioria, ele governa para um terço do eleitorado, que é o que ele quer ter para poder chegar no segundo turno em 2022. E, para ganhar a eleição, ele precisa arrumar um belzebu, inventar um belzebu.

O Lula e o PT são perfeitos para isso, para dizer 'olha, se o belzebu está do outro lado, vocês que estão aí no meio e não sabem o que fazer, é melhor votar em mim'. Essa é a estratégia da extrema-direita em qualquer lugar do mundo.

Como ficam a Lava Jato e apoiadores da operação depois da decisão de ontem do STF e da soltura de Lula?

Sem entrar no mérito da decisão, reaproxima os lavajatistas do Bolsonaro. Tinha um risco de que uma parte do lavajatismo se desgarrasse dessa base de apoio do Bolsonaro.

Com a decisão do STF, é como se a base lavajatista fosse jogada no colo do Bolsonaro de volta, essas pessoas que podiam estar oscilando. Isso consolida essa estratégia dele de manter o seu terço [do total de eleitores].

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