Crime controla voto, elege políticos e indica a cargo público, diz Jungmann
"Há uma imbricação (relação muito estreita), um acordo mútuo entre política e milícias no Rio de Janeiro", declarou Raul Jungmann em entrevista ao UOL.
Ex-ministro das pastas da Defesa e da Segurança Pública no governo de Michel Temer, Jungmann afirmou que a promiscuidade entre milicianos e políticos produziu uma "metástase" que leva à infiltração de prepostos do crime nos órgãos de segurança do estado.
Ele associou o fenômeno à demora na elucidação dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista dela, Anderson Gomes.
Avaliou que o surgimento de um personagem novo —o porteiro do condomínio onde Jair Bolsonaro possui uma casa— "tende a dificultar todo o processo".
Jungmann reiterou ainda a necessidade de transferir a investigação para a esfera federal.
A íntegra da entrevista também está disponível em podcast e no Youtube.
Crime domina 830 comunidades do Rio, diz ex-ministro
O ex-ministro compara a parceria que se estabeleceu entre o crime e a política no Rio com o chamado presidencialismo de coalizão. Segundo ele, milicianos e traficantes controlam 830 comunidades no Rio. Nelas, vivem 1,5 milhão de pessoas.
"Chegamos ao coração das trevas", declarou Jungmann. Os criminosos "têm o controle do território, controle do voto, elegem a sua bancada [na Assembleia, na Câmara Municipal e até no Congresso Nacional] e a sua bancada vai indicar pessoas para ocuparem cargos públicos, inclusive na área de segurança."
Perguntou-se a Jungmann se ele inclui nesse cenário o clã Bolsonaro e seus vínculos com milicianos. E ele: "O cenário existe. Isso, sem sombra de dúvida, está dado".
Realçou, porém, "que não é possível deduzir uma implicação do presidente, de seu gabinete ou seja o que for" no Caso Marielle. "Como tudo, a gente tem que procurar efetivamente, fazer e levar essa investigação a bom termo. E é por isso que eu defendo a federalização."
Um ano e oito meses
Nesta quinta-feira (14), a execução de Marielle e Anderson faz aniversário de um ano e oito meses.
Jungmann considera que o prazo é "mais do que suficiente" para o esclarecimento do caso. Lamentou que a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro não tenham produzido senão "um processo eivado de dúvidas e questionamentos".
Criticou o fato de os responsáveis pelo caso terem demorado a requisitar uma perícia do sistema de interfone da guarita do Condomínio Vivendas da Barra, onde trabalha o porteiro do "Seu Jair" —aquele que, em dois depoimentos formais, enfiou o nome do presidente da República no epicentro do processo.
O porteiro relatou à polícia que, no dia do duplo assassinato, um suspeito de participar do crime, o ex-policial militar Élcio Queiroz, entrou no condomínio dizendo que visitaria a casa 58, de Bolsonaro.
Consultado pelo interfone, o "Seu Jair" teria autorizado a entrada. Ao notar que o visitante se dirigia à casa de outro morador, o ex-policial militar Ronnie Lessa, acusado de puxar o gatilho no dia do crime, o porteiro disse ter chamado novamente a casa 58.
"Seu Jair" teria declarado estar ciente da mudança de trajeto. A versão revelou-se falsa, pois Jair Bolsonaro, então deputado, dava expediente na Câmara, em Brasília.
"Temos problemas nesse processo"
"Isso é um complicador", afirmou Jungmann, "porque todo o processo passa a ser atravessado por outros aspectos —no caso, efetivamente políticos e de grande impacto—, o que só tende a dificultar o esclarecimento daquilo que se passou."
Para o ex-ministro, além de um "depoimento terminativo" do porteiro, capaz de "limpar" todas as dúvidas, é imperioso apresentar uma perícia confiável do sistema de áudio do condomínio.
A demora de "meses" para a requisição dessa perícia, disse Jungmann, "é um indício a mais de que nós temos problemas nesse processo, que é comandado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e pela Polícia Civil".
Em menos de quarenta minutos de conversa, o ex-ministro repisou três vezes a tese da federalização, que espera ver adotada antes do final do ano, partir de um pedido feito ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Queda nos homicídios: "Ninguém esperava"
No final da entrevista, Jungmann foi instado a comentar a queda no número de assassinatos no Brasil.
Há dois anos, os mortos eram contados na casa dos 60 mil. Entre 2017 e 2018, o número de homicídios violentos caiu 13%. Até abril de 2019, houve mais 20% de queda. Bolsonaro e seu ministro da Justiça, Sergio Moro, costumam se autoatribuir méritos que Jungmann não enxerga neles.
"Vamos falar francamente. Foi uma surpresa essa queda [nos índices de criminalidade].", disse Jungmann. "Ninguém esperava, foi uma enorme surpresa, foi todo mundo correr atrás para procurar ver efetivamente como isso se deu. E eu não tenho qualquer dúvida de que o fator preponderante para isso, o fato decisivo para essa queda foram os governos estaduais."
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