Lava Jato cogitou vazamentos para tentar minar Dodge, indicam mensagens
Diálogos publicados hoje mostram que integrantes da Lava Jato de Curitiba trataram a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, como entrave à operação e planejaram minar sua imagem por meio de vazamentos de informação na imprensa.
As mensagens foram divulgadas na tarde de hoje pelo site do jornal El País, em conjunto com o The Intercept Brasil.
Os diálogos mostram que o tom dos procuradores subiu quando Dodge pediu a anulação do acordo firmado entre a Força-Tarefa e o departamento de Justiça dos Estados Unidos para criar uma fundação para gerir R$ 2,5 bilhões devolvidos aos cofres públicos após a investigação de escândalos de corrupção.
Desde que o acordo veio à tona, Dodge se posicionou de forma contrária, argumentando violação à Constituição.
Ela chegou a entrar com uma ADPF (Ação por Descumprimento de Preceitos Fundamentais) no Supremo Tribunal Federal para suspender a decisão que respaldou o fundo, mas foi antecipada pelo próprio MPF no Paraná, que requisitou à juíza Gabriela Hardt a suspensão do acordo. Hardt atendeu e sustou a criação da fundação.
"O barraco tem nome e sobrenome. Raquel Dodge. O Oswaldo instaurou pgea para pedir informações sobre o acordo", disse o procurador Januário Paludo, em 11 de março de 2019, no grupo Filhos do Januário 4.
Paludo se referia ao Procedimento de Gestão Administrativa (PGEA), uma medida administrativa utilizada pelo corregedor-geral do MPF, Oswaldo Barbosa, para ter acesso aos documentos sobre o acordo.
O argumento de Dodge ao pedir a anulação do acordo foi que caberia à União, e não aos investigadores da Lava Jato, decidir como o dinheiro seria gerido.
O acordo previa que metade dos R$ 2,5 bilhões iriam para um fundo patrimonial privado para gerir o que ficou conhecido como "Fundação Lava Jato". O restante deveria ser utilizado em eventuais ressarcimentos que a Petrobras viesse a fazer a acionistas lesados pelos escândalos.
"A mulher está possessa"
Na sequência, os procuradores criticaram o questionamento da PGR sobre a fundação.
"(...) ou isso é canalhice, ou todos nós emburrecemos depois que entramos no MPF (...) Quando a gente acha que RD [Raquel Dodge] já desceu até o fundo do poço, descobrimos que ainda tem mais um pouco para descer"
Laura Tessler, procuradora do Ministério Público Federal
O procurador Paludo responde que já haviam sugerido a ele consultar previamente Dodge sobre o acordo. "Eu nem liguei. A mulher está possessa."
Estratégias para pressionar Dodge
Em um dos chats, os procuradores reclamam que Dodge sairia de férias sem resolver "pendências" relacionadas ao acordo.
Em 29 de junho de 2018, o coordenador da força-tarefa no Paraná, Deltan Dallagnol, propôs aos colegas pressionar Dodge "usando" a imprensa sem identificar a fonte das informações - relatos "off the records", no jargão jornalístico:
'Temos opções a) pressionar usando imprensa em off - vi que saiu algo, mas acho que foram advogados - podemos pressionar de modo mais agressivo pela imprensa, subindo nível de críticas b) fazer, interpretando regra de foro para excluir mandatos anteriores e o que fugir disso mandamos pra ela - (teríamos que falar com JF - se concordar, ok; do contrário, podemos até fazer sem concordância, ele remeterá para o STF e voltamos a A, mas sabemos que não teremos boa vontade ) c) dar deadline pra resposta dela ou seguiremos por B d) aguardar (sem reclamar rsrsrs)"
Deltan Dallagnol, procurador da República e coordenador da Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba
A reportagem não explica quem é JF.
Dodge e Gilmar Mendes
A reportagem também mostra que em 20 de junho de 2017, dias antes de Dodge ser apontada para o cargo pelo então presidente Michel Temer (MDB), Deltan diz aos colegas:
"Bastidores: - Raquel Dodge se aproximou de Gilmar Mendes e é a candidata dele a PGR", escreve o procurador.
Em outra conversa, o coordenador da Lava Jato afirma que Dodge só não confronta Mendes porque "sonha" com uma cadeira no Supremo assim que seu mandato na PGR terminar.
Em outro trecho, os procuradores atacam a morosidade da PGR em homologar os acordos de delação, como o do empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, atrapalhava as investigações.
Dodge, todavia, não homologa acordos de delação premiada, tarefa que fica a cargo dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
"Da saudades do Janot"
Em outra mensagem, Deltan diz: "A mensagem que a demora passa é que não tá nem aí pra evolução as investigações de corrupção, se queixa. "Da saudades do [Rodrigo] Janot", afirma Deltan aos colegas.
O antecessor de Dodge na PGR é elogiado pessoalmente também em outra conversa mantida pelo Telegram. Em 16 de julho de 2015, Deltan atribui a Janot o sucesso da Operação Politeia, que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) e outros políticos com foro privilegiado.
"Janot, o maior diferencial é que Vc, por características pessoais, permitiu que esse trabalho integrado acontecesse, a começar pela criação da FT e todo apoio que deu e dá ao nosso trabalho. Vc merece um monumento em nossa história. Grande abraço, Deltan"
Deltan Dallagnol, procurador da República e coordenador da Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba
Deltan mostra nas mensagens uma relação mais próxima com o chefe, a quem parabeniza por artigos publicados na imprensa, convida para eventos, divide preocupações, responde prontamente e agradece: "Obrigado por confiar em nós", escreveu Dallagnol em maio de 2016. Janot só agradece.
Ao UOL, a PGR afirmou que "não se manifesta acerca de material de origem ilícita. A Força-Tarefa da Lava Jato também afirmou à reportagem do jornal El País que não faria comentários.
O mandato de Raquel Dodge vai até 17 de setembro. Ela não integra a lista tríplice eleita pela classe dos procuradores do Ministério Público Federal, mas está na disputa para ser reconduzida ao posto pelo presidente Jair Bolsonaro.
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