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Caso Marielle

Passei 10h em churrascaria no dia em que Marielle morreu, diz miliciano

O ex-vereador Cristiano Girão Matias negou envolvimento na morte de Marielle Franco - Marcos de Paula/AE
O ex-vereador Cristiano Girão Matias negou envolvimento na morte de Marielle Franco Imagem: Marcos de Paula/AE

Sérgio Ramalho e Flávio Costa

Colaboração para o UOL no Rio e do UOL, em São Paulo

20/03/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Na mesma noite em que Marielle morreu, o empresário Marcelo Diotti da Mata foi assassinado. Ele era marido da ex-mulher de Girão
  • Condenado por chefiar uma milícia, o ex-vereador Cristiano Girão Matias negou envolvimento com a morte de Marielle Franco e de Anderson Gomes
  • Girão esteve na Câmara de Vereadores uma semana antes dos atentados de 14 de março de 2018
  • Ele é aliado do clã Brazão na zona oeste do Rio de Janeiro

O ex-vereador Cristiano Girão Matias (ex-PMN, hoje sem partido) chegou à churrascaria Barra Brasa, na zona oeste do Rio, às 14 horas do dia 14 de março de 2018. Acompanhado por alguns amigos, Girão deixou o restaurante à meia-noite em ponto.

Durante as dez horas de refeição do ex-político, sua ex-mulher, a MC Samantha Miranda, e a vereadora Marielle Franco (PSOL) foram vítimas de emboscadas, respectivamente, na Barra da Tijuca e no Estácio.

O longo banquete foi apresentado por Girão como álibi em depoimento, no dia seguinte, à DH (Delegacia de Homicídios da Capital), a cujo conteúdo o UOL teve acesso. O ex-vereador já foi condenado a 14 anos de prisão por chefiar uma milícia na Gardênia Azul. Ele cumpriu pena e hoje está em liberdade condicional.

Dois ataques em uma noite

Chovia forte quando a MC Samantha viu o companheiro Marcelo Diotti da Mata cair morto no estacionamento de um restaurante, atingido por tiros de fuzil M-16. Ela escapou do ataque. No outro extremo da cidade, Marielle e seu motorista, Anderson Gomes, não sobreviveram às rajadas de uma submetralhadora MP5, calibre 9 milímetros.

Em depoimento, Girão negou qualquer envolvimento com os ataques e disse ter ficado sabendo das mortes de Marielle, Anderson e Marcelo pelo noticiário. O ex-sargento do Corpo de Bombeiros afirmou não conhecer a vereadora e também negou ter feito ameaças à ex-mulher e ao seu companheiro.

Miliciano perdeu mandato em 2010

Girão perdeu o mandato de vereador em 2010, após ter sido preso e condenado em decorrência do indiciamento pela CPI das Milícias, presidida pelo psolista Marcelo Freixo, para quem Marielle trabalhou como assessora.

A respeito de Marcelo Diotti, o ex-vereador disse ter ouvido falar que ele mantinha ligação com a máfia dos jogos. Ouvido por um delegado e um inspetor recém-formados, Girão não foi questionado a respeito da visita que fez à Câmara de Vereadores uma semana antes dos atentados (leia mais abaixo).

Os policiais também não fizeram perguntas sobre o tempo em que o ex-vereador permaneceu na churrascaria, parte dele em companhia do ex-investigador Wallace de Almeida Pires, o "Robocop", expulso da Polícia Civil em 2012 sob a acusação de integrar o grupo paramilitar que, segundo a inteligência policial do Rio, ainda é chefiado por Girão no bairro da Gardênia Azul, na zona oeste do Rio.

O inquérito da DH (Delegacia de Homicídios) que apura o atentado a MC Samantha e seu companheiro pouco avançou em um ano. A PF (Polícia Federal) incluiu essa investigação na relação de casos não solucionados pela delegacia especializada, dentre eles o das mortes de Marielle e Anderson, que um ano depois não chegou ao mandante e à motivação do crime.

Marcelo Diotti da Mata - Reprodução/Internet - Reprodução/Internet
Marcelo Diotti da Mata foi assassinado na mesma noite em que a vereadora Marielle Franco (PSOL) morreu
Imagem: Reprodução/Internet

Há suspeita de pagamento de propina e de milicianos infiltrados na DH, conforme depoimentos de dois delatores ouvidos pela PGR (Procuradoria-Geral da República). Para tentar esclarecer as denúncias, a PF analisa paralelamente ao menos oito investigações feitas pela delegacia nos últimos três anos. Os casos não solucionados revelam a suposta promiscuidade entre agentes da lei, milicianos e alguns clãs da máfia dos jogos no Rio.

Gardênia Azul: área em disputa

Em meio ao intrincado quebra-cabeças, a PF encontrou outro ponto de convergência entre os suspeitos de envolvimento no esquema criminoso: a Gardênia Azul. O bairro de Jacarepaguá tem pouco mais de 17 mil habitantes, segundo o censo de 2010, mas, de acordo com moradores, esse número passa atualmente dos 40 mil. O enclave entre a Cidade de Deus, dominada por uma facção criminosa, e a rica Barra da Tijuca se tornou pivô de uma disputa territorial por grupos paramilitares e políticos.

Após a prisão de Girão em 2009, a região passou a sofrer influência de milicianos de Rio das Pedras e Muzema, redutos do grupo conhecido como Escritório do Crime. As investigações revelam uma associação entre Robocop, citado como braço armado de Girão, e o sargento reformado da PM Ronnie Lessa, preso há uma semana sob a acusação de ter assassinado Marielle e Anderson.

Duelo político

Nesse cenário, dois políticos passaram a disputar o voto em Gardênia Azul: Domingos Brazão e Marcelo Siciliano. Girão apoia Brazão, ex-deputado pelo MDB e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Rio. O miliciano esteve na Câmara de Vereadores na semana anterior à do atentando que vitimou Marielle, onde visitou o gabinete do presidente da Casa, Jorge Felippe (MDB) e foi visto no sétimo andar, onde fica o gabinete de Chiquinho Brazão, irmão mais velho de Domingos e atual deputado federal pelo Avante. A informação foi revelada pelo site The Intercept Brasil. Na ocasião, Brazão negou ter encontrado Girão.

Na última eleição, Chiquinho Brazão conseguiu se eleger deputado federal pelo Avante com 25,8 mil votos. A maioria em regiões sob influência de grupos paramilitares, em especial, a Gardênia Azul. Adversário do clã Brazão, o vereador Marcelo Siciliano (PHS), que em 2014 foi o mais votado na localidade, desistiu da candidatura a uma vaga na Câmara dos Deputados após ter tido o nome associado ao assassinato de Marielle.

Siciliano foi apontado como mandante do crime por uma testemunha supostamente ligada a aliados da família Brazão. Ele nega.

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