Lava Jato: Lula abre investigação privada e quer rever dados da Odebrecht
Resumo da notícia
- Regulamento de 2018 da OAB permite que defesa investigue provas de condenação
- Advogados do ex-presidente Lula querem rever dados entregues pela Odebrecht à Lava Jato
- Força-tarefa afirma que "qualquer análise imparcial comprovará a plena legalidade" da investigação
- Após avaliação, defesa do petista mira provas colhidas na Suíça; MP do país não se pronuncia
Os advogados de Luiz Inácio Lula da Silva iniciaram uma investigação própria em busca de provas que podem ser usadas na defesa do ex-presidente em processos da Lava Jato que ele responde.
A "investigação defensiva" de Lula solicitou documentos à Odebrecht e ao Ministério da Justiça, além de iniciar consultas na Suíça. Segundo seus advogados, o material poderia indicar a inocência do ex-presidente ou mesmo ilegalidades em investigações feitas pela Lava Jato. A força-tarefa do MPF-PR (Ministério Público Federal do Paraná) reitera a conformidade de suas práticas e provas apresentadas.
Por meio dessa investigação paralela, a defesa de Lula organiza uma ação para solicitar ao Ministério Público em Berna, na Suíça, o acesso aos arquivos originais do sistema de propinas da Odebrecht. Seus advogados dizem que a Lava Jato usou arquivos manipulados ao investigar Lula —a força-tarefa de Curitiba nega.
Procurado, o Ministério Público suíço disse que não abriu investigações sobre uma eventual modificação no uso das planilhas. A lei local permite que a parte interessada solicite acesso aos documentos da cooperação internacional. O MP suíço, porém, não esclareceu até o fechamento desta reportagem se tal acesso poderia ser garantido a Lula.
O ex-presidente foi condenado duas vezes pela Justiça Federal do Paraná em processos da operação: uma condenação pelo caso do Tríplex do Guarujá (SP) e outra por conta do Sítio de Atibaia, no interior paulista. Lula ainda responde a um processo em Curitiba por conta de supostas propinas ao Instituto Lula.
Lula alega ser inocente ante todas as acusações do MPF-PR. Nos dois processos em que foi julgado no Paraná, aliás, o ex-presidente ainda recorre a instâncias superiores do Judiciário para tentar reverter suas condenações.
Regra permite investigar a investigação
A defesa de Lula espera que a "investigação defensiva" possa reunir provas que seriam usadas nos recursos. A nova iniciativa da defesa está baseada num regulamento aprovado pelo Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no final de 2018.
Já a Lava Jato no Brasil informou que os sistemas da Odebrecht foram "obtidos e utilizados regularmente". "A fidedignidade dos arquivos foi comprovada em extensa análise pericial", complementou. "Além disso, o assunto já foi apreciado em diversas instâncias do Poder Judiciário, que referendou sua validade e valor probatório."
"Investigação defensiva é um procedimento novo, que visa a dar um equilíbrio nas apurações", explicou Daniella Meggiolaro, presidente da Comissão de Direito Penal da OAB-SP. "Uma investigação feita pelo Ministério Público, que tem o dever de denunciar, pode nascer com um viés."
Segundo Cristiano Zanin, advogado que defende o ex-presidente, a investigação paralela do caso de Lula pretende contornar dificuldades criadas pela própria Justiça. "Como o Judiciário da Lava Jato nos impediu de ter acesso a diversos elementos que podem servir para reforçar nossos argumentos, vamos usar da técnica da investigação defensiva", disse.
Lula busca denúncias de Marcelo Odebrecht feitas à empresa
A defesa do ex-presidente solicitou à Odebrecht o acesso às denúncias contra Ruy Sampaio feitas por Marcelo Odebrecht ao conselho de ética e conformidade da companhia. Sampaio é o atual presidente da Odebrecht. Segundo perícia contratada por Lula, Sampaio seria uma das pessoas que movimentava a conta de Emílio Odebrecht da qual a Lava Jato aponta que saíram R$ 700 mil para custeio da reforma do Sítio de Atibaia.
Marcelo revelou ter feito denúncias contra Sampaio em uma petição apresentada à Justiça de São Paulo. Não foi revelado o teor das acusações.
A mesma perícia contratada por Lula indica que não há registros de que os R$ 700 mil foram realmente aplicados no sítio. Advogados do ex-presidente suspeitam que o próprio Sampaio possa ter ficado com o dinheiro.
Procurada pelo UOL, a Odebrecht informou que não comentará o pedido da defesa de Lula nem as denúncias de Marcelo Odebrecht sobre Ruy Sampaio. "[A empresa] apenas registra que mantém o compromisso de seguir colaborando com a Justiça, a quem oferecerá as informações pertinentes".
Cooperação internacional com os EUA
Os advogados de Lula também protocolaram um pedido de informações ao DRCI (Diretoria de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) do Ministério da Justiça. A defesa do ex-presidente quer acesso a todos os documentos sobre cooperações internacionais de investigações realizadas pela Lava Jato.
No pedido, os advogados de Lula apontam indícios de que a troca de informações entre membros da Lava Jato e autoridades dos Estados Unidos ocorreu de forma "incompatível" com um acordo assinado pelos dois países.
O DRCI negou o pedido de acesso aos documentos. Mas os advogados apresentaram um recurso e atualmente o assunto está nas mãos do Ministro da Justiça, André Mendonça, para ser decidido.
A Lava Jato informou que suas cooperações "sempre seguiram as leis e as melhores práticas internacionais". "Todas informações e provas obtidas pelo MPF via cooperação foram consideradas válidas nas diferentes instâncias do Judiciário às quais foram submetidas", complementou a força-tarefa.
Para reforçar seu argumento, a defesa de Lula usou reportagem publicada pelo The Intercept Brasil e a Agência Pública. A matéria, baseada em diálogos entre membros da Lava Jato, indica que a Lava Jato colaborou secretamente com o DOJ (Departamento de Justiça dos Estados Unidos).
Já o DRCI informou que não fornece informações sobre as cooperações pois elas envolvem informações pessoais, que são reservadas, e dados que podem estar em segredo de Justiça.
Investigação particular de Lula vai à Suíça
A defesa do ex-presidente ainda vai pedir à Justiça da Suíça os arquivos originais do sistema de propina da Odebrecht, apreendido por autoridades locais. Segundo o UOL apurou, advogados da Suíça estão sendo contratados por Lula para a busca dos arquivos. Uma primeira avaliação legal realizada no país europeu confirmou a viabilidade que uma ação neste sentido seja iniciada.
Os arquivos foram usados pela Lava Jato para apontar pagamentos ilegais da Odebrecht para compra do terreno do Instituto Lula. De acordo com documentos acessados por investigadores brasileiros, Lula teria recebido R$ 12 milhões da construtora como propina.
Mas a defesa do ex-presidente aponta que a denúncia da Lava Jato não toma como base as planilhas originais obtidas pelas autoridades suíças, mas sim uma cópia do material entregue no Brasil pela própria Odebrecht.
Na Suíça, a avaliação inicial é de que o acesso aos originais da planilha permitiria à defesa compará-los com os documentos usados pela acusação.
Lava Jato afirma que obteve provas regularmente
A defesa alega que o material apenas foi entregue pela Odebrecht depois que ela fechou um acordo de leniência com o Brasil, EUA e Suíça. Nas alegações finais entregues à Justiça no processo sobre a compra do terreno, os advogados de Lula informaram que os próprios peritos da Polícia Federal admitiram a possibilidade de adulteração das planilhas.
Um deles é perito criminal Roberto Brunori Junior. "A Odebrecht recebeu [as planilhas] da autoridade suíça e ela abriu isso, e mexeu nisso, durante muito tempo ficou com isso lá", disse. Ele apontou que alguns arquivos foram gerados pela construtora e teriam "datas posteriores às apreensões".
A Lava Jato coloca que é "importante ainda ressaltar que as provas obtidas via cooperação e os sistemas da Odebrecht são apenas pequena parte do conjunto probatório que embasa os processos em que é réu o ex-presidente", declarou a força-tarefa, que reforçou o direito da defesa em fazer sua própria investigação. "O MPF tem plena confiança de que qualquer análise imparcial comprovará a plena legalidade dos procedimentos e provas."
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