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Operação Lava Jato

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Lava Jato não percebeu 'dimensão' de ações envolvendo Lula, diz Dallagnol

Beatriz Sanz, Rafael Bragança e Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

17/08/2020 13h45Atualizada em 17/08/2020 16h02

O procurador Deltan Dallagnol reconheceu hoje que a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba subestimou a repercussão da apresentação em PowerPoint mostrada ainda em 2016 que colocava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no centro de uma suposta organização criminosa. Dallagnol comentou o episódio durante participação no UOL Entrevista aos colunistas Tales Faria e Thaís Oyama.

Na entrevista, o procurador também falou sobre as críticas de que a operação é parcial, criticou as polêmicas envolvendo a PGR (Procuradoria-Geral da União) e a Lava Jato de Curitiba --que segue "de vento em popa", segundo ele -- e afirmou não acreditar em seu afastamento da operação pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) porque "é um afastamento com base em nada".

"Qual foi o erro daquele episódio?", perguntou Dallagnol sobre o PowerPoint para logo responder.

Foi a gente não perceber que ações envolvendo o ex-presidente Lula tomam uma dimensão muito grande. Se a gente tivesse percebido isso, a gente certamente teria feito de um modo diferente. Agora se me perguntar se foi errado, não foi errado, só foi um jeito que não foi conveniente, que não repercutiu bem"
Deltan Dallagnol, procurador

A Lava Jato é imparcial?

O procurador negou ainda motivação política na operação, razão pela qual a Lava Jato teria caído em descrédito, inclusive entre eleitores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que rompeu com o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

"Existem pessoas que vão politizar a Lava Jato, mas é minoria entre a extrema-direita porque [o trabalho] é técnico e apartidário", afirmou. "Nunca me manifestei em pautas partidárias, nunca participei do debate de forma ideologizada, nunca defendi ou ataquei pessoas e instituições. Minha participação é a pauta anticorrupção."

Você tem duas interpretações na palavra politica que é a política partidária, isso eu nunca fiz, ou a política que é exercício de cidadania. Isso eu fiz, faço e incentivo que todos façam
Deltan Dallagnol, procurador

Sergio Moro

Dallagnol preferiu não analisar a suposta atuação política do ex-juiz. "Uma pessoa dedicada, um profissional muito competente naquilo que fez", declarou.

Para o procurador, Moro no Ministério da Justiça "lutou para que a atuação do órgão fosse técnica". "O que eu vejo é que ele tentou passar um grande pacote anticrime, que tinha uma série de regras anticorrupção que foram esvaziadas no âmbito do Congresso, o que foi um caminho infeliz."

Ele se recusou a comentar uma hipotética eleição presidencial de Moro. "Esses movimentos políticos, eu até já fiz algumas abordagens, mas não é minha área de especialidade", afirmou. "Nosso trabalho é técnico, apartidário, imparcial e independente dos caminhos que o ex-ministro Sergio Moro decidiu ou vai decidir trilhar."

Ele também não quis dizer em quem votou na campanha de 2018, se em Jair Bolsonaro (sem partido) ou em Fernando Haddad (PT).

"Quando se pergunta sobre votos, o que posso te assegurar [é que] dentro da equipe dos procuradores da Lava Jato em Curitiba teve quem votou em Haddad, teve quem votou nulo e teve quem votou em Bolsonaro. A gente teve os três tipos de orientação ideológica possível diferentes na hora da votação. Isso mostra que o que nos une não é uma pauta partidária ideológica", disse.

Governo "deixa muito a desejar"

Sobre a gestão Bolsonaro, Dallagnol afirmou que "o governo deixou e tem deixado muito a desejar" no tocante à pauta anticorrupção.

"Nossa expectativa é que o governo, não só esse, como todos governos, possam cumprir suas promessas não só com palavras, mas com atos de apoiar a pauta anticorrupção", disse.

"Ele poderia fazer isso hoje, defendendo o fim do foro privilegiado, a prisão em segunda instância. Talvez sejam as duas áreas que a gente mais precisa avançar neste ano na pauta anticorrupção. Além de barrar retrocessos", concluiu.

Augusto Aras X Lava Jato

Quanto ao procurador-geral da República, Augusto Aras, Dallagnol sugeriu perguntar a ele sobre suas motivações para acessar os dados da operação. Ele disse que "mesmo em órgãos com hierarquia, como a PF, o delegado não tem acesso a investigações sigilosas tocadas por outros delegados".

Isso aumenta risco de vazamentos e uso indevidos. Não lanço suspeita contra esse procurador
Deltan Dallagnol, procurador

"Veja que a PGR fez uma série de suposições sobre a Lava Jato que não têm base na realidade. E se ele buscasse ouvir o que estamos dizendo, certamente ele não faria essas afirmações", disse.

Processado por Renan Calheiros e Kátia Abreu

Dallagnol pode deixar a Lava Jato por ações movidas pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Kátia Abreu (PP-TO).

Renan alega que o procurador atuou politicamente contra sua eleição para a presidência do Senado, no ano passado, e Kátia questiona o acordo entre a Lava Jato do Paraná e a Petrobras para reverter R$ 2,5 bilhões recuperados pela operação a um fundo gerido pelos procuradores.

Sobre Calheiros, o procurador negou que tenha sugerido "que ele não deveria assumir a presidência". "Fiz uma análise da pauta anticorrupção e uma análise do cenário anticorrupção."

De acordo com Dallagnol, ele apenas defendeu o voto aberto para a Presidência do Senado. "O que eu falei foi que o que aconteceria com a pauta anticorrupção se o Renan Calheiros fosse eleito presidente, dificilmente ela avançaria porque ele estava sendo investigado pela Lava Jato e pela PGR por corrupção e lavagem de dinheiro."

Eu não analisei quem era Renan Calheiros. Na mesma época eu fiz um post dizendo que eu não conhecia Renan Calheiros, que eu não estava indo contra ou a favor a eleição de ninguém e que eu estava apenas trabalhando em favor do voto aberto
Deltan Dallagnol, procurador

Dallagnol afirmou ainda que não acredita em seu afastamento da operação porque "é um afastamento com base em nada".

O que está sendo julgado não são irregularidades da Lava Jato, porque jamais foi instaurado qualquer processo disciplinar para apurar ou investigar irregularidades na condução de investigações ou processos da Lava Jato. O que existe são dois processos disciplinares por opiniões manifestadas publicamente no processo democrático, como nosso ouvinte tem a sua liberdade de manifestação
Deltan Dallagnol, procurador

Lava Jato de "vento em popa"

Segundo o procurador, a Lava Jato segue trabalhando "de vento em popa". Ele citou 400 investigações em andamento e a proximidade de "30 a 40" novas denúncias.

"A gente tem acordo sendo negociado em mais de R$ 1 bilhão", estima Dallagnol. "A visibilidade do nosso trabalho reduziu na medida em que as pessoas que estão sendo investigadas pela Lava Jato hoje não estão mais ocupando posições de proeminência no governo, no poder."

Ele também citou "cansaço da pauta depois de seis anos de operação". "É claro que a gente tem outras pautas que surgiram, pautas importantes como a pauta da saúde, a recuperação da economia, a pauta da democracia e por aí vai."

A luta contra a corrupção não é uma luta de um round, é uma luta de uma geração
Deltan Dallagnol, procurador

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