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Operação Lava Jato

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Intercept: Procuradores atuaram para interferir na sucessão de Moro

Procurador da República Deltan Dallagnol em Curitiba - Reuters
Procurador da República Deltan Dallagnol em Curitiba Imagem: Reuters

Do UOL, em São Paulo

13/10/2020 11h06Atualizada em 13/10/2020 18h11

Os procuradores da Lava Jato no Paraná atuaram reservadamente para interferir na sucessão do ex-juiz Sergio Moro nos processos da operação em primeira instância. Segundo reportagem do Intercept Brasil, a força-tarefa do MPF (Ministério Público Federal), com aval de seu então coordenador, Deltan Dallagnol, fez lobby no Judiciário para garantir que o substituto de Moro agradasse aos investigadores.

Moro anunciou que deixaria a magistratura em novembro de 2018 após aceitar convite do então presidente eleito Jair Bolsonaro (sem partido) para ser ministro da Justiça e Segurança Público.

De acordo com o Intercept, em mensagens de texto e áudio trocadas pelo Telegram, em janeiro de 2019, Deltan Dallagnol fala sobre os principais candidatos à sucessão de Moro, elege os preferidos dos procuradores e delineia um plano para afastar quem poderia, na visão dele, atrapalhar o andamento da operação.

O juiz federal Luiz Antonio Bonat, que acabou assumindo os processos, foi convencido a disputar a vaga, segundo a reportagem. "Aí ontem os juízes estavam preocupados e conseguiram fazer, conseguiram convencer o número 1 da lista, o que é ótimo para nós, assim, simbolicamente, a aceitar o desafio de ir para a 13ª", comemorou Dallagnol, em áudio.

'Vou convidar quem puder pra irmos estimular rs'

Segundo o Intercept, em 9 de janeiro de 2019, Dallagnol tratou sobre a sucessão de Moro mandando a seguinte mensagem aos colegas: (o texto original das mensagens foi mantido, sem correção)

"Caros, vamos visitar as pessoas que seria bom que assumissem a 13ª Vara para convencê-las. Vou levantar nomes bons e vou convidar quem puder pra irmos estimular rs

"Isso é cr'tico para nosso futuro"

No dia seguinte, o então coordenador da força-tarefa mandou aos colegas mais uma mensagem tratando sobre os postulantes, se dirigindo especificamente ao procurador Januário Paludo. O número do lado, conforme explica Dallagnol, é a posição na lista de antiguidade:

"Jan, fizemos a reunião. Segue mapeamento

"Luiz Antonio Bonat, 1 (21ª Vara Federal de Curitiba) (dois vão conversar) Taís Schilling Ferraz, 2 (Moro considerava uma opção - ligada a Gilmar) Eduardo Vandré, 6 (seria péssimo) Loraci Flores (irmão do Luciano Flores), 8 Marcelo Malucelli, 10 Artur César de Souza, 11 (Londrina) Julio Guilherme Berezoski Schattschneider, 19 (péssimo, mas parece que não quer mais) Nivaldo, 37, impedimento ? Danilo, 64, impedimento mas com interpretação pq de execução Friedmann, 70 Claudia Maria Dadico, 95 (Diretora foro SC, perigosos vínculos) Antonio César Bochenek, 106 Marcos Josegrei, 111 Bianca Arenhart, 112"

Na mesma conversa, mais tarde, Paludo afirma que Vandré, considerado "péssimo" por Deltan, era "pt e não gosta muito do batente". Ele também diz que Bonat "é ótimo, mas não tem pique". Dallagnol aventou a possibilidade de que Bonat fosse escolhido, mas deixasse outros "trabalharem por trás" dele, como juízes assessores.

Quase uma semana depois, no dia 16 de janeiro, Dallagnol encaminhou aos colegas a mensagem de um juiz que chamou de "nosso preferido" para ocupar a cadeira de Moro. "estou avaliando, sim?.temos até segunda?. Conversei com o Malucelli ontem e ele me disse que conversou com Bonat, e ele disse que não vai pedir e que nem cogita", escreveu o magistrado, segundo o relato de Dallagnol.

As tratativas nos dias seguintes, segundo o Intercept, indicam que o "preferido" era o juiz Danilo Pereira Júnior, que já atuava numa vara federal de Curitiba. Malucelli é o juiz Marcelo Malucelli, então diretor do foro da Seção Judiciária do Paraná.

Ali, segundo a reportagem, Vandré já havia desistido de concorrer, mas a Lava Jato também se preocupava com Julio Berezoski Schattschneider, que trabalhava em Santa Catarina, outro classificado como "péssimo" por Deltan. Até então, Bonat continuava decidido a não concorrer.

'Ideal seria tentar reverter'

Segundo a reportagem, o cenário se manteve o mesmo até 21 de janeiro de 2019. A força-tarefa estava preocupada porque o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, então presidente do TRF-4, havia indicado que os dois nomes preferidos da Lava Jato estavam impedidos de entrar no páreo por uma questão regimental.

Dallagnol, então, disse que "o ideal seria tentar reverter isso na conversa com o presidente". Horas depois, Januário Paludo avisou ao grupo que Bonat havia mudado de ideia e decidido se inscrever.

No dia seguinte, o TRF-4 divulgou a lista dos inscritos com ele na primeira posição. Se Bonat não mudasse de ideia até o dia 24, a vaga seria dele. Schattschneider vinha na segunda posição. Por isso, segundo o Intercept, a articulação continuou para que Bonat não desistisse.

As mensagens indicam que procuradores trataram pessoalmente do assunto com a cúpula da Justiça Federal do Paraná. Um encontro em 22 de janeiro, um dia após o encerramento das inscrições, é mencionado.

Segundo mensagem de voz enviada por Deltan, juízes federais alinhados à Lava Jato "estavam preocupados" com a possibilidade de que Schattschneider ficasse com a vaga de Moro, e, por isso, conseguiram convencer Bonat a se inscrever de última hora, "por amor à camisa". Eles não são identificados no áudio.

Esses magistrados, segundo Deltan, lançam a suspeita de que Schattschneider havia tentado iludir a corregedoria da Justiça Federal sobre sua intenção de suceder Moro. O Intercept informou ter procurado Schattschneider em seu gabinete para que comentasse o caso, mas não teve resposta.

Segundo a reportagem, para manter o interesse de Bonat na cadeira, os juízes e o MPF decidiram tentar algo que Dallagnol havia sugerido dias antes, de ter um grupo de juízes para auxiliar na agilidade dos processos. Segundo o áudio, quem estava à frente desse plano era o juiz Marcelo Malucelli, mas a cúpula do TRF-4 já havia manifestado contra.

Procurado pelo Intercept, Malucelli disse não saber que Bonat foi convencido de última hora e não deixou claro se articulou ou não o plano de designar juízes assessores para ele. "Várias medidas de auxílio foram tomadas pela corregedoria do TRF4 para a 13ª Vara de Curitiba, antes e depois da saída do juiz Moro. À direção do foro incumbe apenas cumpri-las", respondeu.

A preocupação sobre a sucessão teve fim no dia seguinte, 23 de janeiro, quando os procuradores ficaram sabendo que Schattschneider havia desistido da vaga. Bonat, então, assumiu a 13ª Vara no dia 6 de março.

Outro lado

Procuradas pelo UOL, as assessorias do TRF-4, do Ministério Público Federal no Paraná, da Justiça Federal do Paraná e o procurador Deltan Dallagnol informaram que não irão se manifestar.

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