Quadra usada em troca de favores gerou rixa de Brazão com Siciliano, diz PF
Uma praça pública, com campo de futebol e uma edificação que serve de sede do Sport Clube Gardênia está no centro de uma disputa entre os chefes políticos das famílias Brazão e Siciliano no Rio. É o que mostra a investigação paralela da PF (Polícia Federal) sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, que completaram 13 meses ontem. O mandante das mortes ainda não foi apontado pela DH (Delegacia de Homicídios) da capital, encarregada pelo inquérito do duplo homicídio.
Iniciado por determinação da PGR (Procuradoria-Geral da República) para investigar se houve obstrução à investigação da Polícia Civil, o trabalho da PF constatou a prática de clientelismo associada ao controle do espaço na carente Gardênia Azul. No campo de futebol são oferecidas atividades esportivas à população deste bairro da zona oeste da capital fluminense dominado pela milícia.
A base do clientelismo está na troca de favores entre o político e cidadão. A prática remonta à antiga Roma e não caracteriza crime, mas gera uma relação de favoritismo, onde benefícios que deveriam ser universais acabam sendo dados apenas aos aliados do político e não ao conjunto da sociedade.
Assim, o morador que não tiver um "padrinho político" enfrenta dificuldades para ter acesso a serviços que deveriam ser públicos. Não é raro que os moradores de áreas como a Gardênia Azul tenham que fornecer informações sobre título de eleitor ao pleitear uma vaga, por exemplo, para matricular um filho numa atividade física ou educacional desenvolvidas com apoio dos políticos, que em troca esperam receber os votos dos habitantes.
O espaço, localizado numa área central da comunidade às margens da rua Acapori, era administrado pelo antigo aliado dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, o ex-vereador Cristiano Girão, mesmo cumprindo pena sob acusação de chefiar a milícia que atua no bairro. Domingos é ex-deputado estadual pelo MDB e conselheiro afastado do TCE (Tribunal Contas do Estado do Rio de Janeiro). Chiquinho foi vereador do Rio pela mesma sigla e atualmente é deputado federal pelo Avante.
Centro comunitário trocou de mãos
A influência da família no espaço era demarcada por faixas - o nome do clã aparece afixado num cartaz preso à grade que separa o campo da rua. Os Brazão financiaram com recursos públicos melhorias no espaço, como a instalação de refletores, grama sintética e outros reparos. Além das partidas de futebol e torneios, o espaço também era usado para oferecer aulas de judô e outras atividades esportivas.
Com a prisão de Domingos Brazão no âmbito da Operação Quinto do Ouro, em março de 2017, aliados políticos do recém-eleito vereador Marcello Siciliano (PHS) passaram a controlar o campo e, em consequência, o oferecimento de atividades gratuitas à população, sobretudo aos jovens.
A movimentação do rival político teria desagradado ao clã Brazão.
Na eleição de 2014, então candidato a um quinto mandato de deputado estadual, Brazão conseguiu exatos 11.517 votos somente em uma zona eleitoral situada na Gardênia Azul. O número representou 16,3% dos votos que ele recebeu naquele pleito em que foi reeleito. Candidato ao mesmo cargo, Siciliano teve uma votação ainda mais expressiva no local: 18.287 votos, mas não conseguiu um lugar na Assembleia do estado.
Depoimentos apontam disputa
Ao menos dois depoimentos tomados pela PF relacionam a ação de Marcello Siciliano na luta pelo domínio do curral eleitoral da Gardênia Azul ao surgimento de uma testemunha que apontou o vereador como mandante das execuções de Marielle e Anderson. A acusação gerou enorme repercussão e impediu o vereador a sair candidato a uma vaga na Câmara Federal.
Siciliano confirmou em depoimentos ter tido desavenças políticas com os Brazão por conta do campo. O político também admitiu ter desistido da candidatura diante das acusações.
Os Brazão negam qualquer relação com a testemunha que incriminou Siciliano, o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira.
As investigações da PF, contudo, detalham ligações entre o delegado da PF Hélio Kristian de Almeida e o ex-agente da corporação Gilberto Ribeiro da Costa, que trabalhou no gabinete de Brazão no TCE. O delegado federal foi um dos responsáveis pela apresentação da testemunha que acusou Siciliano e o ex-PM Orlando Araújo, chefe da milícia que atua em Curicica, no Rio, como os responsáveis pelas mortes da vereadora e seu motorista.
Com a desistência de Siciliano após ter seu nome investigado, Chiquinho Brazão conseguiu se eleger deputado federal no ano passado.
Brazão é citado em inquérito da PF sobre Marielle
O nome de Domingos Brazão está citado em trecho do inquérito da PF como um dos possíveis mandantes do duplo assassinato. Ele também nega que tenha qualquer participação no crime.
Ainda investigado pela Polícia Civil do Rio por ser o suposto mandante do assassinato de Marielle, Marcello Siciliano usou há um mês a tribuna da Câmara de Vereadores do Rio para acusar o adversário. O vereador do PHS disse ter sido ameaçado por Brazão num restaurante da Barra da Tijuca.
"Se acontecer alguma coisa comigo, eu vou responsabilizar a família Brazão", disse.
Questionado pela reportagem, a defesa de Brazão negou que seu cliente tenha ameaçado Siciliano.
""Brazão não tem problema com ele, mas parece que o vereador tem com Brazão", disse o advogado Ubiratan Guedes.
O UOL voltou a ligar para o escritório do advogado para que ele comentasse a disputa entre Brazão e Siciliano pelo controle do campo na Gardênia Azul. Ele não retornou os telefonemas. A reportagem ligou para o telefone do deputado federal Chiquinho Brazão, mas ninguém atendeu. Girão não foi encontrado.
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