Suspeito de operar propina em governos do PSDB-SP volta à mira da Lava Jato
Resumo da notícia
- Investigação da ligação de consultor com fabricantes de trens é reaberta
- Pinto Ramos seria o repassador de propina de empresas a agentes públicos
- Caso integra cartel dos trens, já investigado em SP, ocorrido em gestões do PSDB
O Ministério Público Federal (MPF) reabriu a investigação sobre um consultor apontado como operador de propinas no cartel dos trens de São Paulo durante governos do PSDB. A ordem foi retomar um inquérito policial de 2014 que tinha sido arquivado em 2016.
O consultor e advogado José Amaro Pinto Ramos é suspeito de ser o elo entre empresas e agentes públicos durante gestões dos ex-governadores Geraldo Alckmin (2003-2006 e 2011-2018) e José Serra (2007-2010).
O UOL apurou que, na nova investigação, os procuradores da Lava Jato em São Paulo procuram laços entre a Hexagon Technical, empresa de Pinto Ramos, e o caso Siemens-Alstom.
Na colaboração premiada do ex-presidente da Odebrecht Pedro Novis, Pinto Ramos é apontado como operador de propinas do senador José Serra (PSDB-SP).
O advogado de Pinto Ramos, Eduardo Carnelós, afirma que ele "nunca pagou propina a ninguém". Ele diz que o consultor conhece Serra, mas que nunca foram amigos.
A assessoria de Serra afirma que ele nunca teve relação "política ou comercial" com o consultor e jamais recebeu subornos "ao longo dos seus 40 anos de vida pública". Os assessores de Geraldo Alckmin não prestaram esclarecimentos até o fechamento desta reportagem.
Lava Jato investiga em São Paulo
"José Amaro Pinto Ramos teria atuado em conjunto com Arthur Gomes Teixeira e Sérgio Meira Teixeira no pagamento de vantagens indevidas a servidores públicos brasileiros, por meio da simulação de consultorias no exterior aos grupos empresariais Alstom e Siemens", diz um documento da 5ª Câmara do Ministério Público Federal, em Brasília, obtido pela reportagem.
Desde junho de 2019, o caso passou a ser investigado por procuradores da operação Lava Jato em São Paulo, apurou o UOL.
Segundo Carnelós, advogado tanto de Pinto Ramos como de Arthur Teixeira, eles jamais pagaram propinas. Sérgio Teixeira faleceu em 2011.
Procuradores da Lava Jato estão de olho em outras contas bancárias e empresas ligadas a Pinto Ramos para obter mais informações e averiguar se ele eventualmente repassou propina a políticos.
A Siemens afirmou ter "tolerância zero" com problemas de integridade. A Alstom disse que "opera de acordo com um rigoroso código de ética e em compliance com todas as leis" (veja mais abaixo).
Investigação mira nova empresa de Pinto Ramos
A Polícia Federal pediu informações bancárias sobre Arthur Teixeira à Suíça em 2013. Foi aí que descobriram, de acordo com relatório da procuradora Mônica Nicida, "a existência de documentos que indicavam possível participação nos crimes" por parte de Pinto Ramos.
Os investigadores da Suíça descobriram que o consultor era sócio de Teixeira em diversas empresas brasileiras e estrangeiras, narra a decisão da 5ª Câmara do MPF em Brasília. "Os referidos investigados foram acusados de ter assistido companhias da Alstom na obtenção de projetos de grande porte no Brasil, particularmente também no âmbito dos transportes, em qualidade de tais consultants e ter transmitido no âmbito dessas atividades propinas por conta da Alstom", diz Mônica Nicida.
Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviados à Polícia Federal mostram movimentações atípicas de Pinto Ramos. Ele recebeu dinheiro inclusive de empresas no Uruguai.
José Amaro Pinto Ramos recebeu valores oriundos de diversos países nos quais foram constatados indícios da prática de atos de corrupção transnacional relacionados ao metrô de São Paulo"
Decisão da 5ª Câmara do MPF
A procuradora Mônica Nicida lista os países de origem do dinheiro: Uruguai (onde foram criadas as offshores utilizadas na simulação de consultorias); a França (sede do grupo Alstom) e Jersey, Reino Unido, onde ele consta como beneficiário de duas empresas: Tynam Overseas Limited e a Kiamara Limited", escreveu.
Com a nova apuração em mãos, a Lava Jato pode tomar três medidas, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem. Pode denunciar Pinto Ramos num caso à parte, usar as informações em outros casos da operação ou ainda concordar com o arquivamento feito em 2014.
"Querem ressuscitar coisa morta", diz advogado
A defesa de Pinto Ramos e Teixeira disse que é falso o argumento de que as empresas de consultoria prestavam falsos serviços para mascarar propinas.
Carnelós citou o exemplo da Procint e da Constech, que pertencem a Teixeira. "Os serviços foram prestados e as testemunhas, inclusive os delatores, confirmam isso na ação penal", argumentou o advogado.
Carnelós disse ainda que soube da retomada do inquérito pelo UOL, e que a apuração será inútil porque há excesso de tempo na apuração dos supostos crimes, a chamada prescrição. Como Teixeira e Pinto Ramos têm 83 anos de idade cada, esse benefício fica maior ainda em relação ao suspeito, pela lei brasileira. Tudo irá para a lixeira, previu. "Estão querendo ressuscitar coisa morta", protestou o advogado.
Ele afirmou que Pinto Ramos não intermediou propina da Odebrecht para Serra. Os valores recebidos seriam pagamentos por trabalho que ele fez no exterior.
Siemens e Alstom falam em colaboração e cooperação
A Siemens e a Alstom não comentaram o conteúdo das investigações alegando questões de sigilo. As empresas afirmaram que colaboraram com as autoridades na apuração dos fatos.
A Siemens destacou à reportagem que "tem cooperado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e outras autoridades públicas desde 2013, de acordo com sua política de tolerância zero na área de compliance [setor de prevenção e combate a ilegalidades dentro da empresa, como corrupção, sonegação e lavagem de dinheiro]".
Por esse acordo com o Cade, ela passou a ajudar na investigação do caso. Admitiu crimes praticados por funcionários, pagou multa, indicou provas relacionadas a outras empresas e pessoas e pode manter contratos com o governo.
A Alstom reiterou que "que colabora com as autoridades sempre que solicitada". Destacou que "opera de acordo com um rigoroso código de ética e em compliance com todas as leis e regulamentos dos países onde atua". A empresa foi considerada inidônea pelo Cade por cinco anos.
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