Operação Lava Jato: na 68ª fase, MP da Suíça cumpre mandados em Genebra
Resumo da notícia
- MPF diz que duas empresas, Vitol e Trafigura, pagam propinas à Petrobras em troca de vantagens em negociações
- Medidas de ontem, na terceira fase internacional da Lava Jato, são desdobramentos de duas etapas anteriores da operação
- Foram cumpridos mandados de busca e apreensão em Genebra, na Suíça, com apoio do MP local
- Ministério Público da Suíça confirmou que realizou a operação, mas não detalhes do que foi encontrado
Foi deflagrada ontem a 68ª fase da Operação Lava Jato, com a realização de medidas investigativas em Genebra, na Suíça. O Ministério Público suíço cumpriu mandados de busca e apreensão ligados a duas grandes empresas do mercado de commodities de petróleo e derivados, a Vitol e a Trafigura, a partir de um pedido de cooperação internacional feita pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
As duas empresas, segundo o Ministério Público Federal, realizaram transações "de modo maciço e recorrente" com a Petrobras no mercado internacional. Enquanto a Vitol fez negócios com a estatal entre 2004 e 2015 em valor superior a US$ 14 bilhões, a Trafigura negociou valores superiores a US$ 9 bilhões. As duas tinham foco em operações de compra e venda de petróleo e derivados.
As medidas de ontem, na terceira fase internacional da Lava Jato, são desdobramentos de duas etapas anteriores da operação, a 44ª e a 57ª. Na 57ª fase, a Polícia Federal apreendeu um documento indicando que provas eletrônicas de condutas investigadas estão no exterior.
O MPF informa que o objetivo das diligências é aprofundar investigações conduzidas no Brasil de crimes de corrupção, lavagem de ativos e organização criminosa, com indícios que apontam para o envolvimento de integrantes da cúpula das duas empresas.
Entre as provas citadas, há documentos obtidos com medidas de busca e apreensão no Brasil em acordos de delação premiada, e dados extraídos a partir do afastamento de sigilo telemático, bancário e fiscal que apontam o envolvimento de diretores das duas empresas no pagamento de propinas a funcionários da Petrobras. Em contrapartida, a estatal ofereceria facilidades às duas empresas, como preços mais vantajosos e contratos com maior frequência. Os negócios envolviam compra e venda no mercado internacional de óleos combustíveis, gasóleo de vácuo, bunker, petróleo cru e asfalto.
"As principais revelações na Lava Jato até o momento eram voltadas a crimes relacionados à construção de refinarias, área-meio da Petrobras. Agora, as investigações indicam que esquemas de corrupção de valores milionários também se instalaram nos negócios relativos à área-fim da estatal, compreendendo atividades rotineiras, como a comercialização de petróleo e derivados", afirmou o procurador da República Athayde Ribeiro Costa, integrante da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.
"A coleta de evidências contribui na responsabilização de integrantes da cúpula da Trafigura e da Vitol, de seus intermediários e de funcionários públicos lotados em diferentes gerências da área de comercialização da estatal", acrescentou.
Procurada, a Vitol afirmou que "não seria apropriado fazer comentários neste estágio além de reiterar nossa política de tolerância zero sobre propinas e corrupção e nossa política de cooperação total com autoridades relevantes em todas as jurisdições em que operamos". A Trafigura e a Petrobras não responderam imediatamente.
Ações penais
Ainda segundo o Ministério Público Federal, em 14 de dezembro, ex-executivos do grupo Trafigura foram denunciados por corrupção e lavagem de dinheiro em 31 operações de compra e venda de óleo combustível entre 2011 e 2014 com a Petrobras. Neste caso, o pagamento de propinas seria de US$ 1,5 milhão.
Seis dias depois, o MPF ofereceu denúncia contra intermediários da Vitol que atuavam no pagamento de propina a funcionários da Petrobras em contratos. Essa ação penal, ainda em curso na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, apontou 20 operações de comércio de óleos combustíveis e outros derivados, também entre 2011 e 2014, entre a empresa e a estatal brasileira, com propinas pagas no valor de US$ 2,85 milhões.
"A Lava Jato, para além das denúncias oferecidas na 57ª fase, está reforçando as investigações relacionadas aos contratos milionários diários de compra e venda de petróleo e derivados, entre a Petrobras e as denominadas trading companies", afirmou o procurador Marcelo Ribeiro de Oliveira.
"Há indicativos de que, nesse mercado, era praxe o pagamento de valores ilícitos por essas grandes empresas a funcionários públicos da estatal para obtenção de informações privilegiadas, entre outras vantagens competitivas. Investigados e empresas estão procurando o MPF com o intuito de colaborarem, com a entrega de subsídios que permitem a expansão das investigações em relação a diversos temas da área fim da Petrobras", completou.
Operação chacoalhou Genebra
A ação da polícia chacoalhou um dos maiores centros de traders de commodities do mundo, a cidade de Genebra. As duas empresas estão entre as maiores controladores do comércio de petróleo do mundo.
No final de 2018, as entidades Global Witness e a Public Eye denunciaram as multinacionais Vitol e Trafigura por manter negócios suspeitos com operadores que, em troca de contratos com a estatal brasileira, exigiram pagamentos milionários de propinas.
A Vitol, por exemplo, era acusada de ter pago "milhões de dólares a intermediários que agora enfrentam acusações de corrupção separadamente". Enquanto a Vitol fechou negócios avaliados em US$ 12,2 bilhões no Brasil, a Trafigura soma US$ 8,9 bilhões.
O informe cita o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, admitindo como empresas como Trafigura estavam entre as maiores traders da estatal e que rendiam "milhões de dólares em propinas ao final do mês".
De acordo com os documentos das entidades, a Trafigura esteve envolvida em negociações com um dos intermediários envolvidos na Lava Jato, Jorge Luz. "Os documentos judiciais mostram Jorge Luz discutindo um contrato de petróleo entre a Petrobras e a Trafigura no valor de 2 bilhões de dólares", indicam as entidades.
No Brasil, Luz já foi condenado a mais de 13 anos de prisão por corrupção em um caso separado. De acordo com as entidades, a Trafigura admitiu ter tido contato com Luz. Mas garantiu que não fechou o contrato com ele e que a proposta não prosperou.
O que Jorge Luz propunha era um acordo de US$ 2 bilhões, o que garantiria propinas de US$ 20 milhões a ele e seu filho, Bruno. A proposta ainda sugeria como o dinheiro deveria ser distribuído, inclusive para membros do PP. O partido, segundo os planos, ficaria com US$ 10 milhões.
O fracasso em fazer aprovar a ideia teria vindo, segundo Jorge Luz, do próprio Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal.
A mesma Trafigura acabou vendo um de seus executivos, Mariano Ferraz, preso e condenado pelo pagamento de propinas a ex-diretores da Petrobras. A empresa insistiu que sua operação não tinha relação com a Trafigura. Mas o caso relevou o comportamento de um dos principais traders da companhia.
Já os agentes da Vitol no Brasil teriam sido chave numa rede de propinas, com a ajuda de pessoas dentro da Petrobras. Um dos agentes seria o empresário sueco Bo Ljungberg, cuja casa foi alvo de uma busca ainda em 2017. A empresa confirmou que pagou o empresário por serviços de consultoria para identificar oportunidades de negócios no Brasil.
Uma chave USB encontrada em sua casa ainda guardava os e-mails usados por oito pessoas e que passou a ser chamada de "Brasil Trade" pela PF. Seus integrantes foram denunciados em agosto de 2018 por corrupção. Mas o operador passou a viver na Suécia. No total, o grupo fechou contratos de US$ 180 milhões com a Petrobras entre 2010 e 2014.
Jorge Luz também operou com a empresa e era ajudado por Candido Vaccarezza e pelo ex - diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Seu filho, Bruno Luz, obteve a fórmula secreta dos preços que a estatal pagava pelo asfalto. Com isso em mãos, a empresa Sargeant Marine passou a oferecer contratos justamente no valor desejado pela estatal. Num e-mail de maio de 2010, Ljungberg congratula Bruno Luz pelo feito.
Quando os contratos foram assinados, os intermediários receberam milhões em contas na Suíça e teriam distribuído inclusive para Vaccarezza e Costa. Parte do dinheiro ainda foi para Ljungberg. De acordo com o informe, Vaccarezza teria a ambição de ficar com R$ 100 milhões.
Ao UOL, o Ministério Público da Suíça confirmou que realizou a operação de busca nos endereços das multinacionais, à pedido do Brasil. Mas se recusou a dar detalhes do que foi encontrado ou da apuração.
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* Com informações da Reuters e reportagem de Jamil Chade, em Genebra
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