Lava Jato denuncia esquema de advogados, Judiciário e Sistema S; entenda
A Polícia Federal cumpriu hoje mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia que, segundo a Lava Jato, foram usados para desviar recursos de entidades do Sistema S do Rio. A operação foi autorizada pelo juiz federal Marcelo Bretas, que ao aceitar a denúncia do MPF (Ministério Público Federal), transformou 26 acusados em réus.
De acordo com os procuradores, o suposto esquema pode ter tido a anuência de integrantes do STJ (Superior de Justiça). Mais de R$ 355 milhões podem ter sido desviados entre 2012 e 2018 do Sesc-RJ, Senac-RJ e da Fecomércio-RJ —desse valor ao menos R$ 151 milhões teriam sido recebidos por 11 advogados e políticos denunciados por organização criminosa.
De acordo com o MPF, os valores foram repassados a escritórios de advocacia a partir de contratos falsos sem que os serviços fossem prestados.
A Lava Jato diz que contratos falsos foram firmados com os escritórios alvo da operação de hoje ou com terceiros, que eram indicados por eles para não levantar suspeitas.
Apontado pelo MPF como integrante do esquema, o ex-presidente da Fecomércio-RJ Orlando Diniz —que firmou acordo de delação premiada— teria sido persuadido por advogados para gerar novos contratos com escritórios que celebravam contratos fictícios.
Em troca disso, Diniz obteria facilidades em processos em curso no Conselho Fiscal do Sesc Nacional, no STJ, TCU (Tribunal de Contas da União) e em outros tribunais.
É nesse contexto que o MPF cita suposto envolvimento do advogado Eduardo Martins, filho do recém-empossado presidente do STJ, Humberto Martins. Eduardo teria recebido R$ 77 milhões para influenciar ministros da Corte em decisões que possibilitassem a manutenção de Diniz à frente da Fecomércio-RJ.
"Não à toa, os integrantes do núcleo duro da organização criminosa viram em todo esse cenário mais uma oportunidade perfeita para sangrar os cofres, inicialmente da Fecomércio-RJ e, mais tarde, do SESC-RJ e SENAC/RJ, valendo-se, para tanto, de fraudulentos contratos de honorários advocatícios como forma de remunerar, a preços vultosos, EDUARDO FILIPE ALVES MARTINS, não pela prestação dessa espécie de serviços, mas sim por uma pretensa e propalada influência sua no Superior Tribunal de Justiça", diz um trecho da denúncia.
Os recursos do Sesc e Senac têm origem pública —são repassados pela Receita a partir de contribuições sobre folhas de pagamento de empresas comerciais para os serviços investirem na capacitação e bem-estar de comerciários. A Lava Jato diz que essas entidades no Rio teriam destinado mais de 50% do seu orçamento anual a contratos com escritórios de advocacia.
Advogados de Lula e Bolsonaro entre os alvos
Entre os alvos do MP estão na mira dois defensores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, e Frederick Wasseff, ex-advogado da família Bolsonaro.
Zanin e Teixeira são acusados de montar uma estrutura para que os recursos do Sesc/Senac-RJ fossem repassados a eles pela Fecomércio. Por ser privada, a entidade não é fiscalizada pelo TCU e CGU (Controladoria Geral da União).
Outro alvo de busca e apreensão, Wasseff é investigado por suspeita de ter obtido cerca de R$ 2,6 milhões por meio de um escritório contratado pela Fecomércio com dinheiro público desviado do Sesc/Senac-RJ.
O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) também aparece nas investigações. Ele comandaria "outras organizações criminosas" das quais Diniz também integrou. A pedido do ex-governador, Diniz teria contratado, como presidente do Sesc e Senac Rio, várias pessoas "sem que elas efetivamente prestassem serviço às entidades" em repasses que totalizaram R$ 5,8 milhões.
Já a advogada do governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC), no processo de impeachment que corre contra ele na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Ana Tereza Basílio participou do esquema com a ajuda de Zanin e Diniz, segundo a Lava Jato.
O escritório de advogacia dela teria desviado recursos em contratos firmados com a Fecomércio, apontam as investigações. Em um deles, teria recebido R$ 6,3 milhões em honorários utilizando documento ideologicamente falso, já que o trabalho nunca foi prestado.
Outro lado
Em resposta às acusações, a defesa de Sérgio Cabral afirmou que ele é "colaborador da Justiça com acordo homologado pelo STF". "Sobre esses fatos, já prestou esclarecimentos à Polícia Federal e entregou provas de corroboração."
Advogado do ex-presidente Lula, Zanin classificou a operação como uma "tentativa de intimidação" a seu trabalho que "desmascarou as arbitrariedades da Lava Jato". Ele ainda acusa Bretas por sua ligação com a família Bolsonaro.
Wassef, que já atuou na defesa do clã presidencial, diz que jamais foi contratado pela Fecomercio ou recebeu pagamentos da entidade. Segundo ele, Diniz mente deliberadamente a mando de advogados que visam o interesse de um outro cliente em comum.
O advogado Roberto Teixeira também classifica a operação como uma "arbitrariedade" e afirma que "todos os serviços prestados à Fecomércio/RJ estão devidamente comprovados e documentados e os pagamentos correspondentes foram todos realizados na forma da lei".
Já César Asfor Rocha afirma que "as suposições feitas pelo Ministério Público não têm conexão com a realidade". "Jamais prestamos serviços nem recebemos qualquer valor da Fecomércio, tampouco de Orlando Diniz."
Caio Rocha também diz que jamais prestou serviços à Fecomércio e que a acusação do Ministério Público inclui as tratativas de um contrato que nunca se consumou.
Orlando Diniz, Eduardo Martis, Tiago Cedraz, Fernando Hargreaves, Ana Basílio e Álvaro Novis não enviaram posicionamento ao UOL. Assim que recebidas, as declarações serão incluídas nesta reportagem.
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