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Caso Marielle

Drones e até R$ 1,5 milhão por assassinato: como age o Escritório do Crime

Herculano Barreto Filho e Flávio Costa

Do UOL, no Rio, e do UOL, em São Paulo

01/07/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Com fuzis e roupas camufladas, os atiradores usavam veículos para seguir vítimas
  • Mad é apontado como o sucessor de Adriano da Nóbrega no grupo de matadores
  • Ele foi acusado por um miliciano de envolvimento na morte de Marielle Franco

Desdobramentos das investigações da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, as prisões ontem de dois suspeitos de integrar o Escritório do Crime permitiram à polícia conhecer detalhes do funcionamento desse grupo de matadores de aluguel e de sua nova hierarquia após a morte do ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, o Capitão Adriano.

Por valores que variam de R$ 100 mil a R$ 1,5 milhão, os homicídios por encomenda eram executados de forma planejada e seguindo um cuidadoso padrão de monitoramento. Segundo a Polícia Civil do Rio, o grupo usava veículos e até drones para acompanhar o deslocamento das vítimas e traçar uma estratégia para matar. Com roupas camufladas, os atiradores utilizavam armas de grosso calibre.

A investigação da DH da Capital (Delegacia de Homicídios da Capital) traça uma nova hierarquia no grupo. Com a morte de Capitão Adriano, baleado em fevereiro em uma operação policial na Bahia, Leonardo Gouvêa da Silva, o Mad, herdou o controle de um dos grupos de assassinos de aluguel, segundo a polícia.

Preso ontem, ele é apontado pela polícia como o encarregado pela negociação e coordenação da divisão de tarefas no grupo, segundo documento emitido pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio), que participou da ação que resultou na sua prisão.

[Mad] exerce a chefia sobre os demais, competindo-lhe a negociação, o planejamento, a operacionalização e a coordenação quanto à divisão das tarefas criminosas a serem executadas por seus asseclas, sendo forte braço armado

Documento emitido pelo MP-RJ

Mad é suspeito de envolvimento no assassinato de Marcelo Diotti da Mata no estacionamento do Outback da Barra, zona oeste do Rio (veja vídeo acima). O crime ocorreu na noite de 14 de março de 2018, data em que Marielle foi assassinada, também à noite.

De acordo com o MP-RJ, o Escritório do Crime utilizava fuzis e tinha um padrão para agir. Os atiradores usavam trajes que dificultavam a identificação, como roupas camufladas.

"A agressividade e destreza nas ações finais revelam um padrão de execução. Fortemente armados e com trajes que impedem identificação visual, tais como balaclavas e roupas camufladas, os atiradores desembarcam do veículo e progridem até o alvo executando-o sem chances de defesa", diz o MP-RJ.

Irmão de Mad, Leandro Gouvêa da Silva, Tonhão, é apontado como o motorista do grupo de matadores de aluguel e responsável pelo monitoramento das vítimas, feito com o auxílio de drones. Os ex-policiais militares João Luiz da Silva, o Gago, e Anderson de Souza Oliveira, conhecido como Mugão, também foram alvos da operação, mas não foram encontrados. Segundo a polícia, eles fazem parte do braço armado da quadrilha.

A reportagem do UOL não localizou a defesa dos suspeitos.

Como Mad apareceu no Caso Marielle

Mad chegou a ser apontado como suspeito de envolvimento na morte de Marielle após o rastreamento de uma conversa telefônica entre o vereador Marcelo Sicilliano (sem partido) e o miliciano Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, apontado como um dos chefes da milícia de Rio das Pedras, zona oeste do Rio.

Em outubro de 2019, o UOL teve acesso ao conteúdo do diálogo, que estava no celular do político apreendido em operação policial. Beto Bomba acusa Mad de ser um dos assassinos da vereadora. O registro faz parte de denúncia assinada pela ex-procuradora Raquel Dodge, enquanto ela ainda estava à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Os moleques foram lá, montaram uma cabrazinha, fizeram o trabalho de casa, tudo bonitinho, ba-ba-ba, escoltaram, esperaram, papa-pa, pa-pa-pa pum. Foram lá e tacaram fogo nela [Marielle]

Beto Bomba, em áudio

O surgimento dos matadores de aluguel

A alcunha Escritório do Crime foi o nome informal criado pela própria Polícia Civil do Rio para designar grupos de matadores de aluguel criados por milicianos para atender demandas do crime organizado.

Os primeiros clientes foram os chefes da contravenção, que precisavam de assassinos qualificados para resolver disputas relacionadas ao jogo do bicho e de territórios para instalação de máquinas de caça-níquel.

Há ao menos três grupos principais de matadores que formam o Escritório do Crime, de acordo com documentos judiciais aos quais o UOL teve acesso: o grupo de Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes; o grupo do policial civil Rafael Luz Souza, o Pulgão; e o de Adriano Magalhães da Nóbrega, que era considerado o mais destacado entre os matadores de aluguel do Rio, agora comandado por Mad, segundo a polícia.

Como o grupo se tornou conhecido

O grupo se tornou conhecido publicamente no segundo semestre de 2018 após o miliciano Orlando Oliveira de Araujo, o Orlando Curicica, ter sido falsamente apontado como um dos mandantes das mortes de Marielle e Anderson.

Curicica prestou uma série de depoimentos a membros do Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e Polícia Federal, afirmando que o Escritório do Crime e o jogo do bicho pagavam propinas a agentes da Polícia Civil para que os assassinatos cometidos pelo grupo não fossem solucionados.

Com base no depoimento de Curicica, o MP-RJ abriu uma investigação e desarquivou a investigação de ao menos quatro homicídios que foram cometidos por membros do Escritório do Crime.

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