Greve de fome e silêncio: também existe tristeza e luto no reino animal
O holandês Frans de Waal é primatologista e etólogo. Ele é professor de comportamento de primatas no Departamento de Psicologia da Universidade de Emory, em Atlanta, nos EUA, e diretor do Centro Living Links, no Centro Nacional Yerkes de Pesquisa sobre Primatas. Waal trabalha principalmente com chimpanzés e bonobos e é autor de vários livros, incluindo "Eu, primata" e "A era da empatia", ambos publicados no Brasil.
Em entrevista à DW, o especialista explica como os animais se comportam após a perda de um ente querido. Enquanto algumas espécies parecem reagir apenas fisiologicamente à morte de um companheiro, outras ficam de luto por um longo tempo, e alguns, como certos macacos, aparentam saber até mesmo que a morte não tem volta:
Com primatas, como chimpanzés, não é incomum que, se um dos primatas em um grupo morre, os outros parem de comer por alguns dias. Eles ficam completamente silenciosos, olham para o cadáver por um longo tempo, tentam reanimar o corpo. Isso é tipicamente humano
DW: Eu tenho um aquário com piranhas em casa. Recentemente, quando uma delas morreu, as outras seis se comportaram de forma bastante estranha. Elas ficaram excepcionalmente calmas e se recusaram a comer. Elas estavam de luto pela companheira delas?
Frans de Waal: Acho que não. Piranhas também tiram pedaços umas das outras; não acho que sejam muito simpáticas entre si. Em geral, luto é algo improvável entre peixes - a menos que você tenha peixes ligados individualmente, o que pode ser possível em algumas espécies.
Então por que elas estavam se comportando de modo tão estranho?
Existe algo chamado Schreckstoff - é uma substância que os peixes liberam quando estão transtornados. É possível que seus peixes apenas estivessem influenciados pelo que aconteceu com o outro peixe, de uma forma mais fisiológica.
Qual é a diferença com o luto "real"?
O luto típico acontece com as mães e filhos em mamíferos. Normalmente, você encontra luto entre animais que têm relações individuais, e não apenas cresceram ou voaram juntos, mas que têm amigos. Todos os mamíferos têm esses laços em algum grau, todas as aves também, já que muito frequentemente vivem em pares. Se o parceiro morre, elas são muito afetadas por isso.
E se o companheiro do animal pertencente a uma espécie diferente? Essas histórias de cães que ficam de luto quando o dono morre seriam apenas uma idealização?
Não, acredito que seja uma coisa absolutamente real. Foi o caso do cachorro Hachiko, em Tóquio, no Japão. Depois que o dono morreu, o cão continuou indo ao trem com o qual o homem normalmente chegava durante dez anos. Sempre que você tem ligações, seja entre um cão e um ser humano ou um gato e um ser humano, você pode ter luto.
Os animais ficam de luto como os seres humanos fazem quando seus companheiros morrem?
"Ficar de luto como os seres humanos" é uma afirmação forte. Eles ficam transtornados. Com primatas, como chimpanzés, não é incomum que, se um dos primatas em um grupo morre, os outros parem de comer por alguns dias. Eles ficam completamente silenciosos, olham para o cadáver por um longo tempo, tentam reanimar o corpo. Isso é tipicamente humano - nós não fazemos mais isso, mas nos tempos passados as pessoas faziam.
Então o luto dura por alguns dias em animais?
Se se trata de um parceiro muito importante, como o melhor amigo ou o filho, então ele pode durar muito mais tempo, pode durar anos. Conheci uma fêmea que perdeu um filhote e durante meses meio que chorava por ele. Foi um efeito de muito longo prazo.
Como sabemos que esses animais ficam de luto? Talvez eles só tenham saído da sua rotina porque algo está faltando em sua vida?
Eu me lembro de uma história em que uma mãe babuíno perdeu seu bebê para um predador. Semanas depois, ela voltou à mesma área onde tinha perdido sua prole e subiu numa árvore alta e começou a chamar. Isso indica que ela se lembrava do que tinha acontecido lá e que estava sentindo falta da prole. Com primatas, muitas vezes temos a impressão de que eles se lembram especificamente do indivíduo.
O senhor acha que eles percebem que o companheiro nunca vai voltar?
A única coisa sobre a morte que os primatas certamente entendem é a permanência. Que uma vez que um indivíduo está morto, ele não se move mais, está morto. Eu acho que eles entendem isso.
Como o senhor sabe?
Vou te contar uma história sobre isso. Alguns bonobos encontraram uma cobra muito perigosa na floresta e ficaram com muito medo dela, cutucando-a com paus. Em algum momento, a fêmea alfa, que é dominante sobre o macho, pegou a cobra pela cauda, bateu ela contra o chão e a matou. A partir desse momento, os jovens bonobos pegaram a cobra, a penduraram em seus pescoços, andaram com ela e começaram a brincar com ela.
Isso indica que eles sabem que se trata de um animal perigoso com o qual você deve ter muito cuidado, mas que uma vez que está morto, você pode brincar com ele. Então, eu acho que eles entendem que a morte é uma condição permanente.
Macacos também têm consciência de que eles mesmos vão morrer um dia?
É difícil para nós saber, mas não há nenhuma indicação de que eles tenham esse tipo de entendimento.
Outras espécies, como aves, ficam de luto da mesma maneira que os primatas?
Alguns pássaros que ficam juntos por toda a vida às vezes até param de comer e morrem se o parceiro morre. Isso é verdade no caso dos gansos, mas também de muitas aves da ordem Passeri [que cantam], as quais têm laços de longo prazo.
Quais animais o senhor acha que ficam de luto de forma mais impressionante?
Eu diria elefantes, porque eles voltam para os ossos daqueles que perderam. Se um elefante morre - o que no momento, com a caça ilegal, ocorre com frequência - os outros elefantes inspecionam os ossos do animal morto se conseguem encontrá-los. Não tenho certeza, porém, se alguém já fez uma pesquisa sobre se os elefantes voltam para quaisquer ossos ou ossos de indivíduos específicos que eles conheciam. Mas o meu palpite é que eles voltam para os ossos um pouco como nós, quando vamos a um cemitério.
Alguns animais também enterram seus mortos, cavando uma sepultura?
Não, eles não cavam sepultura. É possível que joguem coisas sobre seus mortos, a fim de cobrir o corpo. Isso parece ser como uma defesa antipredador, no sentido de que um corpo cheirando pode atrair predadores e carniceiros. Mas não sei se eles fazem isso sistematicamente.
Cavar um túmulo é uma coisa tipicamente humana, então?
Sim, isso é certo. Recentemente, houve a descoberta do Homo naledi, um ancestral humano. A equipe afirmou que eles enterravam seus mortos, o que é uma verdadeira indicação de humanidade. Mesmo que, na realidade, haja um monte de dúvidas sobre essa afirmação agora.
Saber que animais ficam de luto pode ter um impacto positivo para a preservação?
Tudo o que percebemos sobre os animais em termos de suas vidas emocionais ou cognição sobre a morte ajuda - no sentido de tornar os animais mais complexos ou semelhantes ao homem e mais atraentes para as pessoas. Todo esse conhecimento contribui para a forma como vemos os animais e pode mudar a forma como vemos o tratamento de animais. Tem implicações éticas por assim dizer.
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