PT contestará Lava Jato em conselho após mensagens sobre lucro com palestra
As bancadas do PT na Câmara e no Senado disseram que irão apresentar até terça-feira (16) uma nova representação no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) contra membros da força-tarefa da Operação Lava Jato, após a divulgação de mensagens que apontam o objetivo de lucrar com palestras.
Hoje, o jornal Folha de S.Paulo e o site The Intercept Brasil apontaram que o coordenador da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, cogitou a criação de uma empresa por sua esposa para receber valores de eventos. Não há, porém, registros de abertura de firma até o momento.
De acordo com o líder do PT na Câmara, o deputado federal Paulo Pimenta (RS), "só o fato de eles terem planejado mostra que, na ética deles, não haveria nenhuma ilegalidade". Ao UOL, o parlamentar avaliou que as mensagens sobre as palestras mostram que "a cereja do bolo deles é o [ex-presidente] Lula estar preso". "Transformaram a Lava Jato num grande negócio".
Com a nova representação, Pimenta quer que a Lava Jato indique dados sobre valores recebidos por palestras, destino da verba e quem foram os contratantes. Para o deputado, é preciso abrir uma "caixa que está lacrada". Ele também tentará convencer partidos aliados, como PCdoB e PDT, a assinar a representação em conjunto.
A Constituição determina que membros do MPF (Ministério Público Federal), como Dallagnol, não podem "participar de sociedade comercial" --com exceções, como cotas em sociedades limitadas ou ações em sociedades anônimas-- nem "receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas". Contudo, procuradores podem exercer atividades de docência e ser remunerados por elas, desde que isso não afete sua carga horária de trabalho na instituição pública. O CNMP considera que palestras se enquadram como atividade de docência.
Empresa
Em 2017, o conselho arquivou uma representação proposta pelo próprio Pimenta e pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ) contra palestras de Dallagnol. Eles argumentaram que essas palestras se enquadravam como atividade comercial. O CNMP, porém, avaliou que o coordenador da Lava Jato não falou sobre assuntos sigilosos nas palestras e que, pelo Código Civil, a atividade de palestrante não o qualifica como empresário.
Na reportagem de hoje, a Folha publicou uma conversa de Dallagnol com sua esposa, na qual diz que ela e a esposa do procurador Roberson Pozzobon teriam a "missão de abrir uma empresa de eventos e palestras". "Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso 'networking' e visibilidade...", disse na mensagem de 3 de dezembro de 2018. "Vocês não vão ter que trabalhar. Contratam uma empresa para organizar o evento".
Segundo o jornal, não houve, até o momento, "a constituição de empresa de palestras em nome das mulheres dos procuradores ou de um instituto em nome deles".
Para empresa ser fraude, dependeria do objetivo
Para advogados constitucionalistas ouvidos pelo UOL, a hipótese de criação de uma empresa poderia ser considerada uma tentativa de fraude dependendo do objetivo dela. "Há hipóteses em que não haveria problema algum. Tudo depende de como as coisas teriam ocorrido", avaliou o professor da USP (Universidade de São Paulo) André Ramos Tavares.
"Usar as esposas para contornar uma vedação direta é fraude. Nesse caso, precisaria ser caracterizado o desvio ou abuso no uso de um direito regular. Mas a empresa sequer chegou a ser criada, muito menos chegou a funcionar com desvio, que precisaria ser comprovado na prática", disse.
Para o pesquisador e doutorando em Direito Constitucional na USP Guilherme Klafke, o membro do MP que usa "o cônjuge para desempenhar atividade empresarial sua está burlando a lei".
A lei, contudo, permite que membros do MP sejam cotistas ou acionistas de empresas. Por esse motivo, a advogada especialista em Direito Constitucional Vera Chemin acredita que as mensagens de Dallagnol com a esposa não mostram "problema do ponto de vista jurídico".
"Não é difícil imaginar, então, uma empresa que tenha 99% das cotas em nome do cônjuge e 1% em nome do membro do MP (ou 100% no nome do cônjuge)", disse Klafke. "Mas se a atividade empresarial for desempenhada apenas pelo membro, fica claro que a atividade intelectual faz parte da empresa e que isso configuraria o procurador ou a procuradora como empresário".
Tavares ainda lembra que a empresa poderia ter sido pensada por questões tributárias envolvendo o pagamento das palestras. "Não ter sido criada a empresa pode ser indício de uma preocupação ética".
Para Klafke, não há problemas em membros do MP darem palestras. "É muito importante que pessoas que estejam no dia a dia de um problema ou uma situação possam transmitir sua experiência para outras pessoas", disse.
Discussão moral sobre autopromoção
O pesquisador aponta que pode haver uma discussão moral sobre o caso a respeito da hipótese de uso de cargo de público para autopromoção. "Não basta a um funcionário público, principalmente do Ministério Público, cumprir suas funções. Ele também tem que agir com uma moralidade administrativa. Usar o cargo para se autopromover viola esse dever moral dos agentes públicos e deveria ser censurado".
Klafke diz que, se for configurado uso do cargo em busca de autopromoção, a Lei de Improbidade Administrativa pode ser acionada.
"Por exemplo, se eu prefiro investigar uma pessoa em detrimento de outra porque isso vai dar mais visibilidade, se caracteriza um ato de improbidade administrativa por violar os princípios que norteiam a atuação dos agentes públicos", disse. Não há comprovação, até o momento, de que isso tenha ocorrido na Lava Jato.
Lava Jato diz que pode palestrar
À Folha, a Lava Jato disse que "é lícito a qualquer procurador, como já decidido pelas corregedorias do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público, aceitar convites para ministrar cursos e palestras gratuitos ou remunerados". O MPF também afirmou que nem Deltan nem Pozzobon "têm empresa ou instituto de palestras em nome próprio nem de seus familiares. Tampouco eles atuam como administradores de empresas".
Procurada pelo UOL, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) disse que ainda estuda se irá se pronunciar sobre as novas mensagens.
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