Marielle: peritos do RJ apontam falha em laudo do MP que contrapôs porteiro
Resumo da notícia
- Peritos do Rio criticam laudo do MP que descartou versão de porteiro de Bolsonaro
- Depois de ouvir um CD gravado, o MP disse que não foi Bolsonaro quem autorizou entrada de suspeito de matar Marielle
- Peritos afirmam que laudo não tem embasamento científico
O Sindicato dos Peritos Oficiais do Estado do Rio de Janeiro apontou problemas no laudo do Ministério Público (MP) do estado que contradisse versão do porteiro do condomínio de Jair Bolsonaro (PSL), onde também vivia o policial militar reformado Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle Franco (PSOL).
Segundo o MP, gravação do interfone da portaria aponta que Ronnie, e não Bolsonaro, como havia dito o porteiro, liberou a entrada de Élcio de Queiroz — outro acusado no assassinato.
Mas para os peritos, que se manifestaram em nota ontem, o laudo feito por técnicos do MP (Ministério Público do Rio) não tem "comprovação científica". A categoria corrobora reportagem do UOL da última quinta que mostrou lacunas na avaliação dos áudios do condomínio Vivendas da Barra.
Áudio só foi periciado depois de reportagem da Globo
O MP pediu a seus técnicos análises sobre os áudios para averiguar anotações e declarações feitas.
Segundo livro de registro apreendido pela Polícia Civil, Élcio de Queiroz esteve no Vivendas da Barra horas antes do crime. O controle de acesso aponta que sua entrada foi autorizada pela casa 58, que pertence ao presidente Jair Bolsonaro.
Em dois depoimentos, nos dias 7 e 9 de outubro, o porteiro confirmou que a autorização para a entrada foi dada pelo "seu Jair", embora Bolsonaro, então deputado federal, estivesse em Brasília.
Após a DH (Delegacia de Homicídios) apreender os livros de controle de acesso, o síndico do Vivendas da Barra espontaneamente entregou em 15 de outubro um CD com arquivos da portaria gravados entre janeiro e março de 2018. O material foi periciado 15 dias depois, em 30 de outubro, em pouco mais de duas horas, após a TV Globo divulgar a anotação do livro de acesso e depoimentos do porteiro que afirmavam que Bolsonaro havia autorizado a entrada de um dos acusados de assassinar Marielle ao condomínio.
A análise relâmpago foi usada pelo MP para descartar a participação de Bolsonaro no caso e investigar um suposto falso testemunho do porteiro.
Sindicato diz que Perícia Técnica não foi acionada
Segundo o Sindperj, a Perícia Técnica Oficial, que conta com peritos especializados, da Polícia Civil não foi acionada para avaliar o material.
"Lamentamos que um evento de grande importância criminal para o país, que envolveu até o Presidente da República, venha a ser apresentado sem o devido processo de comprovação científica. Uma prova técnica robusta e incontestável só pode ser produzida com respeito à cadeia de custódia e com a devida Perícia Oficial da mídia original e do equipamento original no qual foi gravada", diz a nota.
MP não apurou ligação para Bolsonaro
Como o UOL revelou em primeira mão, o trabalho dos técnicos do MP se limitou a averiguar se os áudios entregues tinham sido editados.
Mas o sistema de gravação não foi apreendido nem analisado, o que impede as autoridades de saberem se algum arquivo foi excluído ou alterado —por exemplo, sendo atribuído a outra casa.
Além disso, as promotoras do Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado), ao solicitarem a análise dos arquivos, pediram apenas avaliações relacionadas a Ronnie Lessa e sua residência (as casas 65 e 66). Não houve qualquer avaliação em relação ao presidente Jair Bolsonaro ou a sua casa para auditar as informações dadas pelo porteiro.
No pedido de perícia assinado pelas promotoras Simone Sibílio e Leítica Emile Petriz, foi solicitada a análise de sete pontos do material entregue pelo síndico. Nenhum deles relacionado a Bolsonaro:
- Se a gravação é íntegra e se há indícios de adulteração
- Quantas ligações foram efetuadas para a residência 65/66 [de Ronnie Lessa]
- Verificar se nos ramais 6566 consta a voz de Ronnie Lessa com base no padrão vocálico obtido no interrogatório do mesmo na data de 04.10.2019;
- Identificar todas as ligações atendidas por Ronnie Lessa, com a descrição do respectivo conteúdo, bem como data e horário;
- Com base na informação anterior estabelecer o padrão de atendimento do ramal acima referido;
- Detalhar todas as ligações do dia 14.03.2018 [data da morte de Marielle e Anderson] confrontando com a voz de Ronnie Lessa, caso tenha atendido alguma ligação nesta data;
- Outras considerações a cargo do Sr. Perito
Antes da conclusão do MP, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro e também morador do Vivendas da Barra, postou em suas redes sociais um vídeo no qual mostrava ter acesso aos arquivos.
Assim como as promotoras, ele usou o argumento de que não havia nenhuma ligação para a casa de Bolsonaro no dia e hora em que Élcio de Queiroz foi à casa de Ronnie Lessa —o que ocorreu por volta das 17h10, segundo as investigações.
Promotora se afasta do caso
Ontem, a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho — que participou, ao lado de Simome Sibílio e Leticia Emile da entrevista coletiva sobre a perícia— decidiu abandonar o Caso Marielle. A promotora vinha sendo alvo de críticas após vazarem nas redes sociais fotos e registros de que ela fez ativamente campanha para Jair Bolsonaro, o que, segundo os críticos, impediria sua isenção para tratar de uma eventual apuração sobre o presidente.
Nas imagens, ela posa com uma camisa com o rosto de Bolsonaro. No dia da posse do presidente, escreveu: "Há anos não me sinto tão emocionada".
A promotora é uma das fundadoras do Movimento de Combate à Impunidade, criada por juízes e promotores. Um dos principais objetivos do movimento é combater o abolicionismo penal e medidas que consideram benéficas a condenados, como as audiência de custódia.
"Em razão dos acontecimentos recentes, que avalia terem alcançado seu ambiente familiar e de trabalho, Carmen Eliza optou voluntariamente por não mais atuar no Caso Marielle Franco e Anderson Gomes, pelas razões explicitadas em carta aberta à sociedade", informou ontem o MP (Ministério Público do Rio de Janeiro) do Rio.
Com a palavra, o Ministério Público do Rio de Janeiro:
"Não é correto afirmar que a perícia foi realizada em apenas 2h30. O expediente encaminhado pelo síndico do condomínio chegou no MPRJ no dia 15 e imediatamente seguiu para o setor responsável pela análise. No dia 21/10, o PGJ entregou pessoalmente ao presidente do STF o material e, após a divulgação dos fatos pelo Jornal Nacional no dia 29/10, o MPRJ priorizou a conclusão dos trabalhos, sempre com foco em Ronnie Lessa e Élcio Queiróz.
É importante ressaltar que a perícia foi realizada exclusivamente no âmbito de ação penal em que o GAECO/MPRJ pede a condenação dos executores de Marielle e Anderson. O que importava para o GAECO/MPRJ no momento da perícia era saber se a voz da gravação era de Ronnie Lessa, um dos réus na ação. No momento da perícia, o que interessava para ação penal era obter mais um elemento, dentre diversos outros, para comprovar que foi Ronnie Lessa quem autorizou a entrada de Élcio de Queiroz no condomínio. Diligências complementares relacionadas ao porteiro ainda podem ser realizadas no âmbito da investigação que busca identificar os mandantes das mortes e que tramita sob sigilo.
A perícia deve respeitar os preceitos da ciência e quanto a isso não há qualquer diferença entre peritos oficiais e assistentes técnicos, quando respeitam as normas de admissibilidade da prova.
O material está à disposição do Juízo nos autos. Caso queira, a Defesa pode requerer a realização de nova perícia."
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