Denúncia contra Glenn Greenwald quer "constranger profissional", diz Abraji
Resumo da notícia
- Para entidade, denúncia do MPF contra Glenn Greenwald se baseia em interpretação distorcida das conversas do jornalista com sua fonte
- OAB Nacional também se manifestou e, em comunicado, disse que "acompanha com grande preocupação a denúncia"
- Anistia Internacional vê escalada em ameaçadas ao trabalho de jornalistas e cobra providências do Governo federal
A diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou comunicado na tarde de hoje na qual critica a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, no âmbito da Operação Spoofing.
Segundo a denúncia, assinada pelo procurador da República Wellington Divino de Oliveira, Greenwald teve participação no esquema de invasão de celulares de autoridades brasileiras. Embora não tivesse sido investigado ou indiciado, o jornalista teria auxiliado, incentivado e orientado o grupo responsável pelas invasões, de acordo com o MPF.
No entanto, a Abraji afirmou em sua nota que a Polícia Federal, "ao investigar o caso, não encontrou indícios de que Greenwald tivesse envolvimento nos crimes". A posição foi a semelhante à adotada pelo The Intercept ou pelo próprio Greenwald.
Apesar da conclusão da PF, lembra a Abraji, o procurador responsável pela denúncia "afirma que o jornalista aconselhou Luiz Molição, um dos envolvidos no hackeamento de aplicativos de mensagens, a apagar arquivos 'para dificultar as investigações e reduzir a possibilidade de responsabilização penal'".
"Os diálogos apresentados como provas não confirmam as acusações do promotor. Em um deles, Greenwald responde a uma preocupação expressa por Molição sobre o que fazer com o material que havia enviado ao Intercept e que seria publicado na série de reportagens Vaza Jato", diz o texto.
"O jornalista apenas diz que já armazenou as mensagens em local seguro, que não vê necessidade de o grupo manter os arquivos e manifesta preocupação em proteger a identidade do grupo de Molição como fonte das reportagens. Greenwald não sugere, orienta ou ordena a destruição do material", acrescenta.
Para a Abraji, o jornalista não buscou "'subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos', como afirma o procurador Oliveira". Segundo o texto, Glenn não afirma que as mensagens deveriam ser destruídas para que o grupo não fosse descoberto.
"A denúncia contra Glenn Greenwald é baseada em uma interpretação distorcida das conversas do jornalista com sua então fonte. Tem como único propósito constranger o profissional, como o texto da denúncia deixa ver: por duas vezes, o procurador refere-se a Greenwald com o termo jornalista entre aspas, como se ele não se qualificasse como tal — e como se coubesse a um membro do MPF definir quem é ou não jornalista", analisa a Abraji em sua nota.
"É um absurdo que o Ministério Público Federal abuse de suas funções para perseguir um jornalista e, assim, violar o direito dos brasileiros de viver em um país com imprensa livre e capaz de expor desvios de agentes públicos. A Abraji repudia a denúncia e apela à Justiça Federal para que a rejeite, em respeito não apenas à Constituição, mas à lógica", conclui.
Para OAB, Gleen Greenwald não cometeu crime
A OAB Nacional, por meio de seu Observatório da Liberdade de Imprensa, demonstrou "grande preocupação" com o caso. Para a entidade, Greenwald não cometeu crime em sua apuração.
"A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio do seu Observatório da Liberdade de Imprensa, acompanha com grande preocupação a denúncia do jornalista Glenn Greenwald pelo Ministério Público Federal", relata a entidade em nota.
"A denúncia descreve fato que não pode ser considerado crime. A participação em qualquer delito exige instigação ou colaboração efetiva para sua prática, e nenhuma das mensagens do jornalista incluídas no expediente do MPF indica qualquer desses comportamentos."
"A denúncia, portanto, criminaliza a mera divulgação de informações, o que significa claro risco para a liberdade de imprensa", conclui.
Anistia Internacional cita escalada de ameaças
No Twitter, a Anistia Internacional classificou a denúncia como "profundamente grave". Para o movimento, trata-se de mais um capítulo no histórico de ameaças ao trabalho dos jornalistas, que incluem ainda violências físicas a profissionais da área.
"A denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald é profundamente grave e representa uma escalada na ameaça à liberdade de imprensa no Brasil. A notícia de que o Ministério Público Federal apresentou denúncia contra Glenn se soma a uma série de agressões que o presidente Jair Bolsonaro tem praticado contra repórteres, além de medidas que soam como ameaçadoras contra veículos de comunicação nos últimos meses no Brasil", diz a publicação.
"Destacamos ainda as violências físicas que os profissionais do jornalismo sofrem historicamente no Brasil, como atentados e assassinatos. É dever das autoridades garantir liberdade e segurança de atuação para os jornalistas. No entanto, ao atacar e criminalizar esses profissionais, elas criam um ambiente inseguro e perigoso, que se opõe às condições necessárias para que os direitos humanos sejam garantidos e efetivados", acrescenta a Anistia Internacional.
"A liberdade de imprensa é fundamental para os direitos humanos, pois ela garante a transparência necessária para o desenvolvimento saudável de uma sociedade. As violências sofridas por jornalistas atentam também contra o direito à informação de brasileiros e brasileiras."
"Causam-nos estranheza as informações de que Glenn Greenwald foi denunciado sem sequer ser investigado, e esperamos que as autoridades policiais esclareçam os procedimentos legais que embasaram tal decisão", diz a publicação, indo além.
"Do presidente Bolsonaro, cobramos uma mudança de postura no trato com os jornalistas e em suas falas públicas contra esses profissionais. Agressões verbais podem se tornar permissivas a outros tipos de violências, e é sua obrigação constitucional garantir a segurança de todos e todas, além de respeitar a livre atuação da imprensa no Brasil", conclui.
Conversa entre Greenwald e hacker
O MPF afirma que decidiu incluir Greenwald na denúncia após análise de um MacBook apreendido com autorização da Justiça na casa de um dos investigados na Operação Spoofing. No aparelho foi encontrado um áudio de um diálogo entre o jornalista e um suposto hacker.
A conversa, segundo a denúncia, aconteceu logo após a divulgação, pela imprensa, da invasão sofrida pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
No áudio, segundo o MPF, o hacker diz que as invasões e o monitoramento das comunicações telefônicas ainda eram realizadas e pede orientações ao jornalista sobre a possibilidade de "baixar" o conteúdo de contas do Telegram de outras pessoas antes da publicação das reportagens pelo site The Intercept.
O jornalista, então, teria recomendado ao hacker apagar as mensagens que já haviam sido repassadas a ele de forma a não ligá-los ao material ilícito, "caracterizando clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos".
"Greenwald, diferentemente da tese por ele apresentada, recebeu o material de origem ilícita, enquanto a organização criminosa ainda praticava os crimes", diz a denúncia.
O MPF disse, ainda, que o jornalista não era alvo das apurações, em respeito à medida cautelar proferida por Gilmar Mendes, que proibiu investigações contra Greenwald. Uma cópia da denúncia, segundo a Promotoria, será encaminhada à Procuradoria-Geral da República para que subsidie eventual pedido de revogação da decisão do ministro.
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