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Operação Lava Jato

É natural Lava Jato não ocupar manchetes com "enésima" denúncia, diz Deltan

O procurador da República e coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol - Eduardo Anizelli/Folhapress
O procurador da República e coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

15/03/2020 04h01

A operação Lava Jato completa seis anos na próxima terça-feira e para seu coordenador, o procurador da República Deltan Dallagnol, os resultados são positivos: 70 fases, 163 pessoas condenadas e R$ 4 bilhões já recuperados.

Na opinião de Dallagnol, entretanto, esses resultados poderiam ser melhores. Não são porque decisões judiciais têm impedido, na visão do procurador, que a força-tarefa de combate à corrupção de Curitiba permaneça ampliando seus focos de investigação e processando suspeitos.

No ano passado, por exemplo, a Lava Jato teve que transferir para a Justiça em São Paulo um processo contra Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, suposto operador do PSDB. Recentemente ocorreu o mesmo com uma investigação sobre filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fábio Luís.

Para Dallagnol, a atuação da Lava Jato está hoje limitada.

"A limitação da Lava Jato afasta de Curitiba casos que, se fossem mantidos aqui, evoluiriam em sinergia com outras investigações, facilitando a produção de resultados", disse ele.

O procurador concedeu entrevista ao UOL na última terça (10), após apresentar um balanço sobre os seis anos da Lava Jato a jornalistas. Participou da entrevista outro integrante da operação, o procurador da República Júlio Noronha, que também tem funções de coordenação na força-tarefa de Curitiba.

Noronha, aliás, entende como "parte do jogo" a limitação do trabalho da Lava Jato. Ressalta, contudo, que o ano passado foi de recordes na operação, apesar das decisões desfavoráveis e das críticas baseadas em diálogos divulgados pelo site The Intercept Brasil.

Confira abaixo os principais trechos da conversa:

UOL: A Lava Jato de Curitiba perdeu casos por conta de decisões judiciais que limitaram a competência da operação. Qual o efeito disso?

Deltan Dallagnol: O que fazemos é montar quebra-cabeças. Se as peças forem espalhadas em diferentes lugares do país, é mais difícil se mostrar a imagem do grande esquema de corrupção, se responsabilizar quem praticou crimes e se recuperar o dinheiro desviado. Estamos buscando fazer contatos com colegas [que receberam esses casos]. Embora isso contribua, o fato é que desmembramentos podem ser prejudiciais aos resultados.

Que outro tipo de decisões prejudicam os resultados da operação?

Dallagnol: Transferências de casos para a Justiça Eleitoral. Lá, ainda há um agravante. Existe uma anulação de todos os atos praticados. Isso aconteceu no caso Pasadena. O caso é antigo e tem pessoas envolvidas com idades avançadas. O risco de prescrição e impunidade é muito alto. Não é o resultado que a sociedade espera.

Pasadena é uma cidade norte-americana onde fica a refinaria citada pelo procurador, negócio que foi considerado ruim para a Petrobras.

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O trabalho da Lava Jato está mais limitado? Qual a implicação disso?

Dallagnol: A limitação do escopo da Lava Jato acaba afastando de Curitiba casos que, se fossem mantidos aqui, evoluiriam em sinergia com outras investigações, facilitando a produção de resultados, num lugar onde o combate à corrupção está funcionando por conta dessa sinergia. Recentes operações mostraram que, vários pedidos de apreensão, ações penais, foram produzidos com a conjugação de diferentes provas oriundas de diferentes fases da Lava Jato. Se isso não tivesse aqui, dificilmente produziriam efeito.

A Justiça tem jogado contra a Lava Jato?

Dallagnol: O trabalho da Justiça é essencial para os resultados da Lava Jato. Nada seria alcançado sem uma atuação da Justiça.

Agora, a Justiça tem emitido decisões que afastam da Lava Jato casos que, se estivessem tramitando aqui, poderiam levar a um resultado mais eficiente e produtivo.

Levando em conta essa limitação e os seis anos da operação, ainda há o que investigar?

Júlio Noronha: As decisões não fecham a Lava Jato. Muito continua sendo feito. Não é só a coleta de informação. O trabalho agora é descobrir qual é a evidência relevante em meio a esse conjunto probatório que a gente reuniu ao longo de seis anos e 70 fases. Isso permite que a operação continue se aprofundando e ramificando.

Além disso, há uma sutileza nas últimas fases. A Lava Jato já revelou um esquema de corrupção ligado à atividade-meio da Petrobras —reforma e construção de refinarias e de estaleiros. Recentemente, o foco foi em agentes que estavam envolvidos na atividade-fim da Petrobras —extração e negociação de petróleo. Existem investigações neste caminho.

Qual impacto do vazamento das conversas no trabalho da Lava Jato?

Noronha: Muitos dos ataques fazem parte de uma estratégia diversionista, de tirar o foco no que importa. Várias questões já foram levantadas sobre os métodos da Lava Jato. Nada prosperou. E quem joga luz nisso deixa de iluminar o que é mais relevante. Tivemos um esquema de corrupção gigantesco revelado, envolvendo pessoas com alto poder político e econômico. Será que questionar metodologias é o que importa? Ou será que é melhor olhar para aquilo que foi revelado para sabermos o que somos como país, encarar o problema e termos um futuro melhor?

Há pessoas que veem a Lava Jato com menos força, menos resultados, após a Vaza Jato.

Noronha: Será que quem está falando isso não está querendo desviar o foco? 2019 foi um ano em que a Lava Jato recuperou R$ 1,6 bilhão. Nenhuma operação alcançou valor semelhante. Foram 29 denúncias.

No início do ano, a primeira operação teve como foco condutas de um ex-governador do Paraná [Beto Richa], de um partido [PSDB] adversário da agremiação a qual a Lava Jato é acusada perseguir.

Houve responsabilização de agentes ligados a instituições financeiras [Banco Paulista]. Será que isso não é relevante?

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O caso do Banco Paulista foi transferido para São Paulo, contrariando o entendimento da Lava Jato. O mesmo aconteceu com o caso de Paulo Preto.

Noronha: Isso faz parte do jogo, do procedimento jurídico. Mas a Lava Jato não foi só isso. Tivemos uma operação deflagrada no Brasil e na Suíça. Uma investigação no Brasil que levou uma investigação num país de primeiro mundo. Antes era o contrário. É um resultado em termos de avanço da sociedade que não podemos perder.

Talvez essa avaliação de força menor seja porque a Lava Jato não já influencie o cenário político como antes.

Dallagnol: A perspectiva de poder não é a nossa perspectiva. Nossa perspectiva é a do dever. É exercer nosso dever, como funcionários públicos, da melhor forma possível. Buscar atingir um objetivo maior, que é reduzir a corrupção e impunidade no país.

Agora, do ponto de vista da comunicação, quanto a Lava Jato chama atenção e se isso mudou, é fato que mudou. Quando você tem as primeiras notícias de corrupção, isso ocupa as manchetes dos jornais. Quando é a enésima vez que a Lava Jato denuncia um esquema multimilionário, isso não ocupa mais as manchetes. É natural.

O que importa é se, ao longo desse processo de responsabilização das pessoas, nós temos avançado ou retrocedido. Na minha perspectiva, estamos com saldo muito positivo, mas não podemos fechar os olhos porque têm ocorrido retrocessos.

Decisões do atual governo atrapalham a Lava Jato e o combate à corrupção?

Dallagnol: Quando eu ouço sua pergunta, eu vejo mais um interesse de explorar a polarização do que um interesse de explorar quanto está em risco o combate à corrupção. Mesmo em governos anteriores, o trabalho da PF [Polícia Federal] sempre teve certa autonomia. Esse é o aspecto central do Executivo para que a operação possa se desenvolver. Essa relativa autonomia existiu em governos anteriores, desde o PT e o MDB, e também agora, no novo governo.

Todos os governos também tiveram decisões e atos ruins. Sempre apontamos isso. Agora, a gente sempre frisou que os aspectos mais fundamentais para o combate à corrupção dependem do Supremo Tribunal Federal e do Legislativo.

O senhor não citou nenhuma decisão do Executivo. O fato de a Lava Jato não falar sobre isso pode vinculá-la ao governo?

Dallagnol: Já nos manifestamos sobre atos do Executivo. Agora, o que estou apontando é que, quando você faz uma pergunta focada não nos aspectos mais relevantes sobre o combate à corrupção, mas sim em atos do Executivo, a impressão que dá é que você está buscando uma pauta contra o governo. Mas a Lava Jato não é contra nem a favor do governo. A Lava Jato é técnica.

Quais as pautas do STF e do Congresso que mais preocupam a Lava Jato?

Dallagnol: No STF, as decisões relativas às colaborações premiadas. Está pautado para junho o caso relativo às colaborações dos irmãos Batista [Joesley e Wesley Batista, da JBS]. A decisão pode ter um efeito sistêmico. Está em pauta a possibilidade de o Ministério Público ajustar com colaboradores regimes de penas diferenciados.

Isso facilita a realização de acordos, mas pode vir a ser vedado pelo STF. O STF também está decidindo se o réu delatado, a partir da veiculação de notícias sobre a delação, pode ter acesso aos termos e depoimentos dessa delação mesmo que estejam sob sigilo. Isso é uma preocupação. Se o delatado tiver acesso, isso gera um grande risco para a investigação.

Já no Congresso, um projeto que nos preocupa é o que estabelece a obrigação do Ministério Público investigar todas as hipóteses que favoreçam a defesa sob pena de nulidade. Criar a obrigação de investigar todas as hipóteses é criar uma obrigação impossível de cumprir.

Qual a expectativa com a nova presidência do STF e a nomeação de um novo ministro para a Corte?

Noronha: Não me sinto à vontade para comentar porque a vaga ainda não existe. E isso é contrário ao que a gente defende: análises institucionais. Evitamos análises pessoalizadas. O importante é reforçar que a gente acredita nas instituições.

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