Após punir empreiteiras, Lava Jato adota cooperação ao investigar bancos
Resumo da notícia
- Força-tarefa resolveu adotar postura mais cautelosa com os bancos
- Ações contra as principais empreiteiras do país eram mais incisivas
- No Banco do Brasil, a Lava Jato informou as suspeitas à instituição
- Auditoria interna do banco confirmou as suspeitas da força-tarefa
A Lava Jato mudou seus métodos de investigação ao deparar-se com suspeitas de lavagem de dinheiro envolvendo bancos. Depois de realizar várias ações incisivas contra as principais empreiteiras do país e sua cúpula administrativa, a força-tarefa da operação resolveu adotar uma postura mais cautelosa e de cooperação ao apurar denúncias sobre crimes cometidos em instituições financeiras do país.
Na última sexta-feira, por exemplo, a Lava Jato do Paraná deflagrou sua 66ª fase para aprofundar investigações a respeito de suspeitas de lavagem de cerca de R$ 200 milhões em contas do Banco do Brasil. As suspeitas a respeito da prática ilegal eram investigadas desde 2015. Depoimentos e até delações de investigados ratificavam as irregularidades cometidas dentro do banco.
Mesmo assim, antes de ir a campo em busca de provas, a Lava Jato resolveu informar o próprio Banco do Brasil sobre as suspeitas que ela tinha acerca de funcionários da casa e ouvir a instituição a respeito disso.
Em agosto, ou seja, um mês antes da deflagração da 66ª fase da operação, o MPF-PR (Ministério Público Federal do Paraná) pediu à Justiça Federal do Paraná que ordenasse a instituição financeira a realizar uma auditoria a respeito das suspeitas investigadas na Lava Jato. Essa auditoria deveria ser sigilosa para que os funcionários suspeitos de colaborar com a lavagem não soubessem do procedimento. O resultado dela deveria ser encaminhado ao MPF em 30 dias.
A investigação interna, de fato, foi feita. Confirmou as suspeitas da Lava Jato e serviu como justificativa para a ordem judicial de busca e apreensão em endereços de quatro bancários vinculados ao Banco do Brasil. As buscas tinham como objetivo o recolhimento de possíveis provas das irregularidades cometidas por eles.
Nenhum investigador da Lava Jato, porém, esteve em endereços do próprio banco em busca do mesmo tipo de material. Integrantes da operação dizem que uma possível responsabilização do Banco do Brasil pela lavagem ocorrida em suas contas ainda pode acontecer já que os controles do banco contra corrupção aparentemente falharam. Até agora, entretanto, a relação dos investigadores com a instituição financeira é de cooperação —ou seja, diferente daquela mantida com empreiteiras.
O procurador da República Roberson Pozzobon, integrante da Lava Jato, foi questionado pelo UOL na última sexta-feira a respeito dessa mudança de métodos de investigação da Lava Jato. Ele disse que, no caso do Banco do Brasil, ela ocorreu porque a instituição financeira já havia colaborado com a operação num caso anterior, logo no início da Lava Jato. Na ocasião, afirmou Pozzobon, o banco demonstrou não ter intenção de destruir provas ou ludibriar investigadores. Por isso, a cooperação.
"As investigações envolvem opções e riscos", disse Pozzobon. "Nós optamos por contar com a cooperação do banco numa fase sigilosa, prévia, para buscar informações que não poderiam ser atingidas de outra forma senão pelo próprio banco."
O Banco do Brasil confirmou ainda na sexta-feira que vem colaborando com a Lava Jato na investigação sobre lavagem de dinheiro ocorrida na instituição. O banco informou também que já iniciou processos administrativos que podem resultar na demissão de funcionários envolvidos nos crimes investigados.
Banco Paulista e o esquema de propina
A Lava Jato de Curitiba também investiga o Banco Paulista por suspeitas de lavagem de R$ 48 milhões. Em maio deste ano, na 61ª fase da operação, a sede do banco foi alvo de buscas. Policiais federais passaram horas nos escritórios da instituição financeira, em São Paulo, à procura de provas que confirmem a suposta participação de três pessoas ligadas ao banco no esquema de pagamento de propinas da Odebrecht.
Quase dois anos antes dessa ação, em abril de 2017, o STF (Supremo Tribunal Federal) já havia enviado à força-tarefa da Lava Jato depoimentos de delatores da Odebrecht que implicavam o Banco Paulista. Em setembro do mesmo ano, foi a vez do Banco Central encaminhar a autoridades um relatório a respeito de possíveis crimes cometidos no banco e sobre a possível responsabilidade de seus administradores.
Em fevereiro deste ano, o próprio Pozzobon perguntou, via ofício, ao delator Olívio Rodrigues Júnior, operador da Odebrecht, se o "dono do banco" sabia das operações ilegais. Rodrigues respondeu que sim e ainda citou o nome de Álvaro Augusto Vidigal, sócio do Banco Paulista e diretor-presidente da instituição na época dos fatos investigados pela Lava Jato. Vidigal, contudo, nunca foi alvo da operação.
Pozzobon não quis falar na sexta os motivos de Vidigal não ter sido implicado na operação. "Não posso dar mais detalhes. São investigações em andamento", respondeu sobre apurações envolvendo administradores de bancos suspeitos de integrar esquemas de lavagem.
O Banco Paulista afirmou que vem contribuindo com as autoridades. Ressaltou ainda que investigações da Lava Jato dizem respeito a "transações específicas relacionadas a sua área de câmbio" e que elas "não impactam as atividades operacionais nem a liquidez e solidez da instituição, que funciona normalmente."
Preocupação com risco sistêmico
Conversas entre integrantes da Lava Jato obtidas pelo The Intercept Brasil e divulgadas em reportagem do El País revelaram em agosto que a força-tarefa discutiu os riscos de implicar bancos em investigações sobre corrupção. As discussões avaliaram justamente o que uma investigação contra um banco causaria em suas atividades e em toda a economia do país.
Em outubro de 2018, o procurador da República Januário Paludo, membro da Lava Jato muito admirado entre seus colegas, escreveu num grupo de conversas de um aplicativo de mensagens que "uma operação sobre um grande banco poderia gerar o tal risco sistêmico". "Podemos quebrar o sistema financeiro", complementou.
A expressão "risco sistêmico" é usada quando problemas identificados numa empresa acabam causando desconfiança sobre todo um grupo de companhias. A situação cria um clima de medo generalizado, o que em geral é prejudicial à economia.
Nas conversas, Paludo sugeriu a colegas que a Lava Jato tomasse medidas ostensivas contra "pequenas instituições para ver quanto o mercado vai reagir."
Antes disso, ainda em 2016, a Lava Jato já estabelecia como meta fechar acordos com bancos "a título de indenização por lavagem de dinheiro e falhas de compliance". O objetivo foi incluído numa planilha que circulou entre os integrantes da operação.
A negociação de acordos com instituições financeiras foi novamente citada pelo próprio Pozzobon, neste ano, após a Justiça Federal autorizar a fase da Lava Jato que investigou o Banco Paulista. "Chutaremos a porta de um banco menor, com fraudes escancaradas, enquanto estamos com rodada de negociações em curso com bancos maiores. A mensagem será passada."
Após a divulgação da reportagem do El País, a Lava Jato enviou uma carta ao site dizendo que as operações já realizadas demonstram que a força-tarefa está empenhada na investigação de bancos. "Como é de conhecimento público as forças-tarefas Lava Jato no Paraná e no Rio de Janeiro já adotaram diversas medidas de persecução criminal em face de integrantes de instituições financeiras, a exemplo de diretores e gerentes de bancos e corretoras", resumiu o MPF-PR.
Empreiteiras tinham "corrupção arraigada"
A procuradora da República Laura Tessler, outra integrante da Lava Jato, ratificou em entrevista coletiva na sexta-feira que há diferenças entre ações da operação contra os bancos e contra as empreiteiras. Entre 2014 e 2016, a força-tarefa prendeu provisoriamente vários executivos de construtoras e realizou buscas de provas em sedes de empresas para investigá-las.
Segundo Tessler, isso foi necessário porque as construtoras investigadas adotaram a corrupção como uma forma empresarial de atuação. "Ficou claro desde o início que se tratava de uma corrupção sistêmica, arraigada na política empresarial [das empresas]", disse ela. "Tínhamos os donos das empresas já flagrantemente envolvidos em ilícitos."
Pozzobon disse que, por causa dessa forma de agir das construtoras, seria inviável fechar acordos com elas como o efetuado com o Banco do Brasil recentemente. "Por várias vezes, constatamos na operação Lava Jato tentativas ou êxitos em destruição de provas relacionadas a empreiteiras investigadas. Em muitos casos, como na própria Odebrecht, ela tentou destruir evidências", afirmou ele. "Seria muito arriscado buscar essa via da investigação interna para a produção das provas."
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