Julgamento de Dallagnol põe em xeque corporativismo e deixa MP em alerta
O procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da operação Lava Jato em Curitiba, vai a julgamento nesta terça-feira (18) no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e pode até ser afastado da força-tarefa de combate à corrupção.
Três processos contra Dallagnol devem ser analisados. Nos bastidores do julgamento, entretanto, o que se discute é quanto o corporativismo de membros do MP e a pressão política contra a Lava Jato serão determinantes para o futuro do procurador.
Dallagnol será julgado por 11 conselheiros do CNMP. Desses, seis —o suficiente para formar a maioria — são ligados ao Ministério Público. O procurador-geral da República, Augusto Aras, que recentemente criticou a força-tarefa de Curitiba, é um dos que têm assento.
Dois outros procuradores que poderiam integrar o conselho (que conta com até 14 membros) tiveram sua recondução rejeitada pelo Senado no ano passado. Antes da negativa, eles haviam votado a favor de Dallagnol.
Segundo fontes ouvidas pelo UOL, por conta de sua composição, o fator corporativismo é muito relevante em julgamentos do CNMP. Para essas fontes, historicamente, o conselho tende a punir pouco ou com menos rigidez eventuais faltas cometidas por promotores e procuradores.
Um levantamento de 2017, por exemplo, apontou que o conselho havia aplicado 189 punições desde 2005. Quase 30% delas eram suspensões. Só em três casos, menos de 2% do total, a punição imposta pelo conselho foi a remoção compulsória, a qual Dallagnol está sujeito agora.
"A força do corporativismo no CNMP é grande", disse um interlocutor ouvido pelo UOL. "Acho que a situação de Deltan até melhorou um pouquinho nos últimos dias", complementou outra fonte.
Deltan obteve apoio de 3.000 integrantes do MP em abaixo-assinado
Essa melhoria estaria ligada, entre outras coisas, a campanhas virtuais e a um abaixo-assinado organizado pela ANPR (Associações Nacional dos Procuradores da República) em favor de Dallagnol. O abaixo-assinado, aliás, já reuniu mais de 3.000 assinaturas.
Fábio Cruz, presidente da ANPR, é contra o afastamento de Dallagnol. "Afastar membros do MP sem que tenham cometido qualquer falta grave compromete o trabalho realizado no país contra a corrupção e a criminalidade organizada, mas também a violação de direitos humanos." afirmou. "A situação é ainda mais grave no caso do Ministério Público da União por não haver, sequer, a pena de remoção compulsória prevista em lei."
Apesar da movimentação em favor de Dallagnol, quem tem algum relacionamento com o procurador acredita que sua absolvição seria uma "reviravolta de última hora". Isso porque o há um consenso de que o momento político é extremamente desfavorável à Lava Jato de Curitiba.
Desde a divulgação pelo The Intercept Brasil de mensagens privadas trocadas por membros da operação, acusações sobre uma atuação enviesada da força-tarefa contra determinados políticos aumentaram.
Tudo isso aumentou a pressão de políticos e de membros do Poder Judiciário por uma punição a membros da operação.
No MP, vê-se "precedente perigoso" com punição a procurador
O próprio Dallagnol afirmou no UOL Entrevista desta segunda-feira (17) que vê processos contra ele no CNMP como uma tentativa de acusados de lhe retaliar. "O que está sendo julgado não são irregularidades da Lava Jato", disse. "Se discute o meu afastamento com base em nada."
O procurador disse ainda que seu caso deve ser julgado com base nas provas e influenciado pela "pressão política".
"A questão é: deve valer a análise técnica dos fatos, das provas, da lei, dos precedentes, ou deve valer a pressão que está sendo exercida por várias pessoas do ambiente político sobre o CNMP?", questionou.
Dallagnol disse ainda que, caso seja punido, isso pode abrir um precedente para que outros procuradores sejam removidos de seus cargos.
Essa visão, aliás, é compartilhada por outros membros do MP. "Eu considero que o julgamento pode promover a abertura de um precedente perigoso. A condenação, com o afastamento de Deltan Dallagnol da Lava Jato, representaria a flexibilização da independência funcional dos membros do Ministério Público e de sua inamovibilidade [prerrogativa que protege integrantes do MP de remoção] ", disse Manoel Murrieta, presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público).
"Deltan nunca foi unanimidade", diz fonte ouvida pelo UOL
"O Deltan nunca foi unanimidade. Mas a questão é maior que isso", disse um procurador ao UOL. "Os procuradores têm receio que, se isso passar, também passará uma boiada que vai atingir muitos outros."
A sessão do CNMP está marcada para terça-feira, às 9h. Os três processos contra Dallagnol são: Pedido de providência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em que a defesa do ex-presidente pede que o procurador seja punido por ter apontado Lula como elo central de uma série de crimes num PowerPoint; pedido de providência da senadora Kátia Abreu (PP-TO), em que ela questiona o acordo entre a Lava Jato e a Petrobras para reverter R$ 2,5 bilhões recuperados pela operação a um fundo gerido por uma fundação privada; processo administrativo movido pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), em que ele alega que Dallagnol atuou politicamente contra sua eleição para a presidência do Senado.
Caso Dallagnol seja punido com seu afastamento da Lava Jato, ele deverá ocupar um outro posto no MPF. A posição para qual ele será enviado é a que a mais tempo está vaga na instituição.
A Lava Jato de Curitiba não se manifestou sobre o futuro da operação caso Dallagnol seja removido compulsoriamente da chefia da força-tarefa.
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