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Caso Marielle

"Tenho medo de morrer", diz advogada suspeita de atrapalhar o Caso Marielle

Março de 2018: "Quem mandou matar Marielle": Manifestantes prestam homenagem a Marielle Franco no local do assassinato e cobram a elucidação completa do crime - Ricardo Moraes/REUTERS
Março de 2018: "Quem mandou matar Marielle": Manifestantes prestam homenagem a Marielle Franco no local do assassinato e cobram a elucidação completa do crime
Imagem: Ricardo Moraes/REUTERS

Flávio Costa e Sérgio Ramalho*

Do UOL, em São Paulo e Colaboração para o UOL, no Rio

01/06/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Advogada de PM que testemunhou no Caso Marielle concede entrevista exclusiva
  • Camila Lima Nogueira diz ter medo de ser assassinada, sem citar nomes
  • Ela afirma ainda temer ter feito parte de uma "grande armação" em relação ao caso
  • Camila e seu cliente são suspeitos de terem agido para atrapalhar a investigação

A advogada Camila Lima Nogueira afirma ter medo de ser assassinada. Apontada pela PF (Polícia Federal) como integrante de uma organização criminosa que tem o objetivo de impedir a elucidação dos homicídios da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ela nega que tenha cometido qualquer ato ilegal para atrapalhar as investigações.

"Eu tenho medo de morrer. Eu não tenho segurança para estar no Brasil. Eu tenho medo de ter sido vítima de uma grande armação e de ter gente muito pior envolvida neste caso e de me matarem por causa disso", afirmou a advogada em entrevista ao UOL.

"Tenho medo de ser assassinada porque todos que teriam interesse em manipular as informações e personagens estão fora da investigação federal", afirma, sem citar nomes.

A criminalista defende o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, preso na sexta-feira (31) durante uma operação da Polícia Militar do Rio para desmontar uma milícia que atua na zona oeste do Rio. O PM disse em depoimento à PF ter mentido quando incriminou o chefe do grupo paramilitar, Orlando Curicica, como um dos mandantes da morte da vereadora do PSOL.

Para a PF, Ferreirinha e sua advogada agiram em conluio para obstruir a investigação do caso.

"Como eu vou estar numa organização criminosa? Eu não tenho dinheiro algum. Eu perdi as coisas dentro da minha casa, minha mãe está pagando supermercado para mim. Eu quero que eles apresentem provas."

Desde que foi alvo de um mandado de busca e apreensão no último dia 21 de fevereiro, a advogada diz passar a maior parte do tempo dentro de casa, em um bairro da zona sul do Rio. Na rua, teme estar sendo perseguida por carros que trafegam lentamente ao seu lado. Ela afirma, porém, que nunca recebeu ameaças.

A advogada diz ainda que pediu em fevereiro ajuda à seccional fluminense da OAB e ao Ministério Público para entrar em um programa de proteção de testemunhas, mas nunca recebeu respostas.

Procurada pela reportagem, a OAB-RJ afirmou que "ninguém da diretoria tem conhecimento desse fato". O UOL também entrou em contato com o MP do Rio para que comentasse as declarações da advogada, mas o órgão não enviou resposta até o fechamento desta reportagem.

"Se meu cliente mentiu, parabéns para ele"

"Se ele inventou isso tudo, parabéns para ele. Porque eu acreditei. Tanto acreditei no que ele falou que o levei à PF e depois à DH [Delegacia de Homicídios da Capital] para prestar depoimento", disse Camila.

ferreirinha - Igor Mello/UOL - Igor Mello/UOL
O policial militar Rodrigo Jorge Ferreira se apresentou à DH na sexta-feira
Imagem: Igor Mello/UOL

A advogada afirma que conheceu Ferreirinha em fevereiro de 2018, quando um amigo a indicou para resolver um processo judicial do PM referente a uma casa dele que seria levada a leilão pela Caixa Econômica Federal.

Após a morte de um colaborador do vereador Marcello Sicilliano (PHS) ouvido no Caso Marielle, em abril de 2018, o PM teria pedido à defensora para que entrasse em contato com autoridades. Ele queria contar o que sabia o caso Marielle.

Ao atender o pedido de seu cliente, Camila afirma que um conhecido dela, funcionário da Justiça Federal, indicou que procurasse o delegado da PF Hélio Khristian Cunha de Almeida. Ele encaminhou a advogada e o PM à DH. Ferreirinha contou ter ouvido uma conversa, num restaurante em meados de 2017, em que Sicilliano e Curicica diziam que "precisavam resolver" um problema com Marielle e o deputado Marcelo Freixo (PSOL).

"Eu acredito que ele testemunhou o encontro entre Sicilliano e Curicica relatado por ele. A conversa sim houve, isso não quer dizer que os dois sejam os mandantes da morte de Marielle, foi a Polícia Civil que pescou isso", disse a advogada.

marielle franco - Renan Olaz/CMRJ - Renan Olaz/CMRJ
A vereadora Marielle Franco foi assassinado em 14 de março de 2018
Imagem: Renan Olaz/CMRJ

Curicica e Sicilliano negaram participação na morte de Marielle.

Preso no Rio, Curicica foi transferido para o presídio federal de Mossoró (RN). Lá prestou depoimento, afirmando que a Polícia Civil do Rio o pressionou para que assumisse o crime e revelou um suposto esquema de corrupção na DH que impediria a resolução de homicídios praticados por milicianos e membros do jogo do bicho.

O depoimento de Curicica motivou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a determinar a entrada da PF no caso.

"Eu não acredito que Rodrigo iria peitar tudo o que ele está peitando se tivesse inventado essa história. Ele tinha interesse de tirar Orlando do Rio porque tinha muito medo de ser assassinado, mas ele não mentiu", afirma a advogada.

PF distorceu depoimento, afirma advogada

No mesmo dia em que foi alvo de um mandado de busca e apreensão, a advogada prestou depoimento à PF. A transcrição mostra que Camila passou a duvidar da versão apresentada pelo seu cliente. Ela diz que suas declarações foram distorcidas.

"O teor do meu depoimento é falseado, não é baseado no que eu penso. Dizer que eu consegui, ao lado de um cliente, engambelar toda a Delegacia de Homicídios, é dizer que tenho um poder que nem sabia que tenho", disse a advogada, que afirma ter perdido clientes.

"Eu não sou bandida. Eu estou no exercício da minha profissão. E o que mais me chocou foi a OAB não ter se manifestado em nada. Eu fui alvo de um mandado de busca e apreensão. Fui coagida. Conduzida à PF porque um delegado me disse que estaria sendo presa até o final do dia".

O UOL entrou em contato com a Superintendência da PF no Rio, para que comentasse as declarações da advogada, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.

* Colaborou Wellington Ramalhoso

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