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Caso Marielle

Marielle: após prisão de executores, entenda os próximos passos da apuração

Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

13/03/2019 04h01

Resumo da notícia

  • O PM reformado Ronnie Lessa, suspeito de ter atirado contra Marielle, e o ex-PM Élcio Queiroz, que teria dirigido o carro, foram presos ontem
  • Com imagens de câmeras, dados de radares de trânsito e denúncias, polícia mapeou o trajeto do carro usado para o crime
  • Agora, autoridades investigarão se o crime foi encomendado por alguém e quais as motivações

Após a prisão de dois acusados de serem os executores da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes, a polícia do Rio aposta em estratégias de interrogatório, na análise de indícios coletados em 34 mandados de busca e apreensão e em eventuais delações premiadas para determinar o que motivou os assassinatos.

As prisões do policial reformado Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos contra a vereadora e o motorista, e do ex-policial militar Élcio Queiroz, que teria dirigido o carro usado no crime, ocorreram na madrugada de ontem (12).

Tanto a Polícia Civil quanto o Ministério Público do Rio de Janeiro afirmaram que descobrir a motivação do crime e a existência de um eventual mandante serão objeto de uma próxima etapa da investigação, que já foi iniciada.

Essa segunda fase da investigação está sob sigilo. As autoridades afirmam que nenhuma linha de investigação foi descartada e evitam dizer qual hipótese tem mais força.

Conheça abaixo alguns dos próximos passos da investigação.

Interrogatórios 'personalizados'

Os dois suspeitos presos estão em prisão preventiva e devem começar a ser submetidos a uma série de interrogatórios a partir de hoje (13). O delegado Giniton Lages, da Divisão de Homicídios, responsável pelo caso, afirmou ontem que eles serão interrogados segundo uma estratégia pensada para o perfil de cada um, para tentar extrair o máximo de informações possíveis.

Os advogados de defesa dos acusados afirmaram que eles são inocentes e negam qualquer relação com o crime.

Desde o início das investigações há cerca de um ano, a polícia já ouviu 230 testemunhas. Os suspeitos devem ser confrontados com informações fornecidas por essas testemunhas e com evidências materiais.

Entre essas evidências, estão registros eletrônicos de pesquisas de internet feitas por Lessa supostamente para planejar o crime. Ele teria pesquisado sobre qual silenciador acoplar a uma submetralhadora e sobre um "jammer", um interruptor de sinal de celular para evitar que as vítimas ligassem para a polícia.

Polícia mapeou trajeto de criminosos até local do assassinato de Marielle

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Mais suspeitos

A polícia cumpriu mais de 30 mandados de busca e apreensão relacionados aos assassinatos. Segundo o delegado Lages, uma boa parte deles não estava ligada diretamente a Lessa e Queiroz e pode levar à descoberta de outros possíveis envolvidos nos crimes. Ele não deu mais detalhes sobre a existência de mais suspeitos.

O delegado disse apenas que alguém ainda não foi identificado o responsável por clonar o carro Cobalt branco que foi usado no crime.

Na casa de Lessa, em um condomínio na Barra da Tijuca, a polícia usou detectores de metais e encontrou uma arma de fogo e uma pá.

Em uma casa no bairro do Meier, zona norte do Rio, a polícia encontrou peças que seriam usadas na montagem de cerca de 117 fuzis. Elas estavam na residência de um amigo de Lessa.

Nas buscas, também foram apreendidos computadores e celulares que devem passar por perícia. A ideia é tentar encontrar registros que evidenciem ligações entre os acusados do crime e outros eventuais envolvidos.

A Divisão de Homicídios tem 47 policiais dedicados exclusivamente ao caso e já produziu 29 volumes com cerca de 5.700 páginas de relatórios sobre as investigações.

 Imagem da vereadora Marielle Franco é vista manchada com tinta vermelha na Avenida Consolação, em São Paulo - NELSON ANTOINE/ESTADÃO CONTEÚDO - NELSON ANTOINE/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem da vereadora Marielle Franco é vista manchada com tinta vermelha na Avenida Consolação, em São Paulo
Imagem: NELSON ANTOINE/ESTADÃO CONTEÚDO

Delação premiada

O governador do RJ, Wilson Witzel (PSC), defendeu ontem que os executores de Marielle recebam o benefício da delação premiada, como aconteceu em diversas fases da operação Lava Jato.

Dessa forma, os acusados poderiam ter a pena atenuada se apontarem o envolvimento de mais pessoas no crime, especialmente um eventual mandante. A polícia e o Ministério Público afirmaram que os homicídios foram agravados por motivação torpe dos acusados - Lessa teria obsessão e ódio por personalidades da esquerda.

Disseram que duas linhas de investigação possíveis são que os presos tenham agido por iniciativa própria ou tenham sido pagos para cometer os crimes.

Delegado de caso Marielle diz que prisões são 1º fase

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Motivação dos crimes

A Polícia Civil nunca deu detalhes sobre as linhas de investigação do caso Marielle, mas algumas já vieram a público por vazamentos de informações ou em declarações de autoridades públicas.

Há um ponto comum nas hipóteses já divulgadas: todas envolvem a participação de milicianos, policiais ou ex-policiais que integram organizações criminosas no Rio e exploram serviços irregulares como transporte, distribuição de gás, mineração e grilagem de terras.

Veja algumas dessas hipóteses

  • Uma testemunha que participou de uma milícia acusou Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, já preso e suposto chefe de uma milícia da zona oeste do Rio, e o vereador Marcello Siciliano (PHS) de terem planejado o crime por conta de interesses contrariados por Marielle. Ambos negam. A Polícia Federal investigou essa hipótese e colocou em dúvida a veracidade do depoimento da testemunha.
  • O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) disse que o assassinato poderia ser vingança contra ele - Marielle era uma de suas principais aliadas. Em entrevista à revista Veja, Freixo sugeriu que três políticos do MDB processados pela Lava Jato (Jorge Picciani, Edson Albertassi e Paulo Melo) poderiam estar ligados ao crime.
  • No final do ano passado, o general Richard Nunes, então secretário da segurança pública, disse que o crime estaria relacionado a uma milícia ligada com a grilagem de terras nos subúrbios do Rio.

Novas formas de investigação

O delegado Giniton Lages disse ontem que os métodos mais comuns de investigação - como a busca de imagens de câmeras de segurança e a interceptação telefônica - não são mais suficientes para solucionar crimes complexos como o caso Marielle.

Ele defendeu que as dificuldades encontradas pela polícia sejam levadas ao conhecimento de autoridades municipais, estaduais e federais para tomar medidas que previnam a ocorrência de um caso semelhante no futuro.

Segundo Lages, 2.428 torres de celular e 33.329 linhas telefônicas foram analisadas e 318 telefones foram grampeados ao longo do ano com autorização da Justiça. Mesmo assim, não foi possível chegar aos executores do crime com interceptações telefônicas.

Isso porque os criminosos foram muito cautelosos no uso do celular e utilizaram outras formas de comunicação pela internet. O delegado não deu detalhes para não revelar mais técnicas de investigação.

Ele também disse que, apesar de a polícia ter obtido uma grande quantidade de vídeos de câmeras de segurança, eles não foram decisivos para elucidar o crime.

O delegado também disse que as empresas operadoras de telecomunicações foram incapazes de atender a algumas demandas da polícia em relação ao uso de dados - fato que na opinião dele deveria ser levado ao conhecimento de autoridades do governo federal para discussão de melhorias.

Lages disse que a polícia usou técnicas novas de investigação e disse esperar que o caso sirva para melhorar as condições de investigação policial no futuro.

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