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Formigueiros 'Game of Thrones' têm até 12 rainhas e estratégia de guerra

Da Agência Fapesp

17/08/2013 06h00

O imaginário popular de que um formigueiro é composto por uma única rainha, que reina pacificamente sobre um exército de operárias, está longe da realidade das colônias da espécie Odontomachus hastatus. Segundo uma pesquisa do Instituto de Biologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), as colônias dessa espécie podem ter mais de uma rainha, que, com a escassez de lugares adequados para fundar colônias, fazem alianças para garantir sua sobrevivência e formar o maior exército possível de operárias. 

Após consolidar a colônia, porém, elas estabelecem uma hierarquia, por meio de lutas ritualizadas, na qual uma se sagra a rainha-alfa e assume a tarefa de pôr a maior quantidade de ovos. As rainhas perdedoras se tornam subalternas e, apesar de também serem fecundadas, são obrigadas a pôr menos ovos do que a rainha-alfa e a desempenhar a função de operárias.

"Quando pensamos em uma colônia de insetos sociais, como as formigas, que vivem em ninhos, é comum achar que se trata de uma organização harmônica, na qual há uma divisão bem definida de trabalho. É contra nossa intuição imaginar que, em um formigueiro, existam alianças seguidas de conflitos nos quais uma formiga rainha bate na outra e a inibe de se reproduzir para se tornar a alfa, como pudemos observar", disse Paulo Sérgio Oliveira, professor da Unicamp que coordena o estudo.

Oliveira e seu grupo estudaram nos últimos anos diversos ninhos de formigas da espécie Odontomachus hastatus encontradas no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, no litoral sul de São Paulo.

Uma das hipóteses para explicar essa formatação inusitada, na qual várias rainhas convivem juntas, está na disponibilidade de lugares para os insetos fazerem ninhos. É que a mata de restinga da Ilha do Cardoso cresce sobre a areia e frequentemente alaga, já que o local tem mais chuvas durante o ano do que a Amazônia - com isso, as rainhas fecundadas fazem seus ninhos em raízes de bromélias fixadas no tronco das árvores. 

As bromélias mais usadas como ninhos são as que possuem um tufo de raízes com diâmetro superior a 30 centímetros, mais raras de serem encontradas na mata. Como o número de bromélias de tamanho adequado é limitado, as formigas rainhas desenvolvem estratégias sociais, como as alianças para ninhos conjuntos, para assegurar a sobrevivência de sua colônia.

As colônias chegam a ter até 12 rainhas e cerca de 600 operárias, que medem 1,5 centímetro. Quanto maior o tufo de raízes de bromélias, maior o tamanho das colônias, segundo a pesquisa.

Duas estratégias diferentes

Os pesquisadores da Unicamp estimam que as formigas da espécie Odontomachus hastatus podem adotar duas estratégias para formar suas colônias na Ilha do Cardoso.

Na primeira, rainhas fecundadas durante o voo nupcial no verão - quando formigas rainhas e machos virgens são liberados de seus ninhos para copularem - se juntam e ocupam simultaneamente uma mesma bromélia para começar a pôr ovos, passando a viver juntas em uma mesma colônia e cooperando na produção de operárias.  

Na segunda estratégia, as rainhas-filhas, após fecundadas no voo nupcial, retornam para as colônias em que nasceram, onde são "adotadas" e passam a viver sob o mesmo teto, mas com uma nova configuração familiar. Nos casos dessas aliança, elas dão origem a um arranjo familiar chamado poliginia, em que uma colônia possui mais de uma rainha fecundada e pondo ovos. 

"Mas ainda não sabemos se as formigas adotam apenas uma ou as duas hipóteses de estratégias para formar suas colônias em bromélias na Ilha do Cardoso", esclarece o pesquisador.

Força dá poder

Segundo o professor da Unicamp, uma das vantagens de as rainhas da espécie Odontomachus hastatus se associarem para fundar colônias é conseguir formar mais rapidamente grandes exércitos de operárias para protegê-las e garantir a sobrevivência do formigueiro, uma vez que há mais rainhas pondo ovos.

Já no caso das rainhas-filhas, é muito menos arriscado voltar para casa após serem fecundadas do que tentar fundar uma nova colônia. Além disso, nas duas situações, no caso da morte da rainha-alfa, as rainhas subalternas, que estão na linha de sucessão do reino, podem ocupar o trono.

Para conquistar o posto de rainha-alfa, no entanto, as candidatas têm de se impor na base da força. 

Por meio de lutas, nas quais utilizam as antenas e as mandíbulas para duelar, as rainhas fecundadas estabelecem uma hierarquia na qual a vencedora assume o topo e vira a principal responsável pelos ovos. Por sua vez, as rainhas que apanharam mais, e perderam as lutas, têm o desenvolvimento ovariano inibido, colocam menos ovos e acabam trabalhando como operárias.

"É uma situação parecida com o que ocorre em um bando de gorilas, no qual um deles assume o papel de macho-alfa também por meio de lutas ritualizadas e impede os membros abaixo da hierarquia de fecundar as fêmeas", comparou Oliveira.

Organização social

Além dessas formigas, várias outras espécies de inseto podem ter colônias com mais de uma rainha. Algumas delas também fundam colônias juntas, mas, em vez de estabelecer uma hierarquia após desenvolver o formigueiro, uma atinge o posto de rainha-alfa e elimina as concorrentes, afirma o pesquisador.

"Tendemos a olhar a natureza e simplificar a organização de insetos sociais, como as formigas, que podem ter muitas formas de comportamento e estratégias sociais de adaptação e sobrevivência", disse Oliveira. 

"Ao estudar esses padrões de comportamento, começamos a entender como é a organização social de insetos que, obrigatoriamente, vivem juntos e sobre os quais ainda há várias características que ainda não sabemos."