Morte de Marielle: "Falar em crime de ódio é inaceitável", afirma Freixo
Um policial militar reformado e um ex-PM foram presos na madrugada de hoje suspeitos de participação direta no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e do motorista do carro em que ela estava, Anderson Gomes. Em entrevista, o delegado Giniton Lages, da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, respondeu a um repórter dizendo que "você percebe ódio, percebe um comportamento de alguém capaz de resolver uma diferença da forma como foi no caso Marielle". Questionado pelo repórter sobre qual seria a motivação, o delegado respondeu: "Ódio, crime de ódio, a definição de crime de ódio".
"Essa versão de crime de ódio é inaceitável, não faz o menor sentido, é estapafúrdia", diz o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ). "O desmembramento da investigação preocupa, mas a polícia e o Ministério Público têm obrigação de chegar aos mandantes. Queremos respostas. Quem está por trás desse crime, que é um crime político. É preciso mostrar quem é o grupo político interessado na morte de Marielle".
A entrevista com Freixo, que há uma década presidiu a CPI das milícias na Assembleia Legislativa do Rio, aconteceu em duas etapas. A primeira foi no final da semana passada. A segunda, na tarde de hoje, após a entrevista do delegado Lages.
"Essas prisões são importantes por colocarem o Escritório do Crime [uma milícia carioca] no eixo do atentado. É um passo importante, mas está longe de apontar a motivação e, principalmente, quem mandou matar a Marielle e Anderson.
Deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ)
"A Polícia Civil precisa explicar porque essa investigação teve tantos contratempos, testemunhas frágeis e inventadas ao longo de quase um ano. Está claro que essa operação atende a interesses políticos de dar alguma resposta antes de o caso completar um ano, mas não vamos ficar calados enquanto a polícia não apresentar a motivação e, principalmente, o mandante ou mandantes desse crime."
O deputado destaca o planejamento elaborado para que o assassinato fosse cometido. "Não dá para aceitar que esse suspeito tenha agido sozinho. Esse foi um crime sofisticado, com alto grau de planejamento e, com certeza, contou com a participação de outras pessoas. Cabe a polícia dar essas respostas. Uma resposta tardia. É inaceitável que a gente demore um ano para ter apenas esse tipo de resposta."
"Delegados da PF apresentaram testemunha falsa"
Freixo diz não ter dúvidas de que é falsa a testemunha-chave levada à Delegacia de Homicídios (DH) por delegados da Polícia Federal (PF), em maio passado.
"O surgimento dessa pessoa serviu apenas para atrapalhar as investigações e gerar desentendimentos entre policiais e promotores. Está claro que o objetivo era obstruir a apuração do crime, mas a Procuradoria-Geral da República e a PF estão atentas à manobra", acredita o parlamentar.
Para Freixo, a operação realizada pela PF, no último dia 21, reforça a suspeita de que a testemunha foi plantada com objetivo de obstruir as investigações. Na ação, agentes e procuradores cumpriram mandados de busca e apreensão em escritórios e nas casas de oito pessoas, dentre elas a do ex-deputado estadual e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado, Domingos Brazão, e do delegado da PF Hélio Kristian de Almeida - um dos responsáveis pela apresentação da suposta testemunha - e do ex-agente Gilberto Ribeiro da Costa. Os dois mantinham ligações com Brazão.
As investigações mostram que o conselheiro vinha se desentendendo com o vereador Marcello Siciliano (PHS) por conta de um campo de futebol na Gardênia Azul, que passou a ser administrado por um aliado político de Siciliano. A região é um importante reduto eleitoral do clã Brazão, que elegeu, respectivamente, Chiquinho Brazão (deputado federal) e Pedro Brazão (deputado estadual).
A suposta testemunha-chave, que é um ex-PM ligado a grupos paramilitares, afirmou que a execução de Marielle foi tramada por Orlando Araújo, o Orlando de Curicica (miliciano que está preso numa penitenciária de segurança máxima no Rio Grande do Norte), a mando do vereador Siciliano. Ambos negam a versão.
As suspeitas em torno do envolvimento de policiais e políticos em um plano para prejudicar as investigações do caso Marielle levaram a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a determinar a abertura de uma investigação paralela pela PF.
"Crime contra a democracia"
"Marielle não estava sendo ameaçada, ela estava tranquila. Lembro como se fosse hoje", conta Freixo. "Eu liguei para ela, na noite anterior, para pedir que nos acompanhasse numa visita ao Complexo da Maré no fim de semana seguinte. Ela riu, disse que estava planejando uma viagem com a família, mas depois de falar palavras impublicáveis, deu uma daquelas risadas e topou. A gente iria apresentar o Boulos às lideranças comunitárias da Maré (Guilherme Boulos, então candidato à presidência pelo PSOL)."
Foi um crime contra a democracia. Se o caso (o assassinato de Marielle e Anderson) não for concluído, teremos uma democracia pela metade.
Deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ)
Na noite de 14 de março de 2018, Marcelo Freixo estava em casa quando seu telefone celular tocou seguidas vezes: "Eu estava conversando com a Antônia (Pellegrino, sua mulher) e o telefone não estava próximo. Quando peguei o aparelho, vi inúmeras ligações. Retornei a primeira. No outro lado da linha, um amigo me disse que tinham atirado no carro da Marielle. Saímos de casa correndo, eu fui dirigindo, sem a segurança, que havia sido liberada. Devo ter levado algumas multas no caminho. Eu estava muito preocupado, ninguém dizia o que estava acontecendo".
"Ao chegar ao local vi o carro parado ao lado da calçada. Nesse momento avistei um amigo em comum e fui logo perguntando, onde está a Marielle? Ele me olhou e disse: Ela está dentro do carro. Num segundo passa tanta coisa pela nossa cabeça. Pensei: dentro do carro, então ela está morta? Foi quando vi que ela estava caída no banco traseiro. A sensação é horrível. Desabei, mas logo tivemos que levantar a cabeça. Eu e Tarcísio (Motta, vereador e então pré-candidato ao governo do estado pelo PSOL) conversamos e decidimos tomar a frente junto a amigos e familiares. Era preciso ter equilíbrio para falar com a família, os amigos mais próximos e a polícia."
Crime lembrou assassinato do irmão
O crime contra Marielle e Anderson levou à memória de Freixo uma tragédia pessoal: o assassinato de seu irmão Renato Freixo, então assessor do vereador Rodrigo Neves.
"Naquele momento recordei do assassinato de meu irmão Renato. Ele foi morto a tiros na porta de casa. Apesar de toda a dor, tive que me controlar para ajudar a família", disse. Passados 12 anos do crime, os assassinos ainda não foram levados a julgamento.
Freixo não esconde a indignação, mas garante que não usou o cargo para cobrar tratamento diferenciado na polícia.
"Não é vingança o que eu e minha família queremos. Nós queremos justiça. O mesmo que defendo no caso na Marielle. Ela era como uma filha para mim. A gente conversava horas, sobre política, filhos, casamento. No sábado antes do Carnaval eu estive com os pais dela, na casa deles. Sempre falo com eles."
Além de acompanhar a família de Marielle, Freixo também mantem contato com Agatha Arnaus, viúva de Anderson Gomes, o motorista que estava com a vereadora na noite do crime.
Ao olhar para trás, Freixo afirma que o maior legado deixado por Marielle foi o amor.
"Ela era uma pessoa muito amorosa, esporrenta (gíria para barulhenta, extrovertida), mas doce, afetuosa. A sociedade soube identificar esse lado dela. Por isso, tamanha comoção. Duvido que os assassinos esperassem por tanta repercussão. Não foi só no Brasil, foi no mundo. O mundo exige uma resposta para esse crime. Sem uma resposta, o ódio terá vencido", conclui.
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