Fogo controlado protege biodiversidade do Cerrado, defende professora da USP
Grandes incêndios são frequentes no Cerrado, principalmente nos meses de inverno, quando os ventos fortes, a falta de chuva, a baixa umidade do ar e a vegetação seca favorecem a propagação das chamas. Pode parecer contraditório, mas muitos especialistas defendem que a melhor forma de prevenir o problema e proteger a biodiversidade do bioma ameaçado é, justamente, o uso controlado do fogo.
"Queimadas controladas não só diminuem o risco de incêndios acidentais como trazem benefícios para a vegetação. Dois terços das espécies do Cerrado, que constituem o estrato herbáceo, são adaptados a queimadas frequentes e muitas delas podem desaparecer se o fogo for totalmente evitado", alertou Vânia Regina Pivello, professora do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo).
A especialista participou do Ciclo de Conferências 2013 do BIOTA Educação, organizado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), na última semana.
No solo ácido e pobre em nutrientes do Cerrado, explica Vânia Regina, a vegetação tende a acumular nas folhas grande quantidade de lignina, substância estrutural de difícil decomposição. O fogo tem o papel de acelerar o processo de reciclagem dos nutrientes, permitindo que sejam reaproveitados mais rapidamente pelas espécies rasteiras. Além disso, o choque térmico provocado pelo fogo quebra a dormência vegetativa das sementes, causando fissuras que favorecem a penetração da água e estimulam a germinação.
Graças a alguns milhões de anos de evolução sob a influência do fogo, afirma a professora, a vegetação do Cerrado apresenta rápido poder de recuperação após um incêndio. Rebrota em curto período, atraindo diversos herbívoros em busca de forragem nova. Mesmo as árvores – para as quais o fogo geralmente não traz benefícios – desenvolveram defesas adaptativas, como as grossas cortiças que recobrem o tronco e funcionam como isolante térmico.
Além de manter a biodiversidade, o manejo de fogo tem o objetivo de diminuir a quantidade de matéria orgânica acumulada, que funciona como combustível no caso de incêndios provocados por raios ou práticas agropecuárias.
Segundo a professora, a queimada pode ser feita em uma época menos seca, como abril ou maio, e durante a noite, quando a umidade do ar é maior. "Se a gente não se antecipar ao fogo acidental, grandes incêndios vão acontecer a cada três ou quatro anos na maior parte das reservas que visam a proteger o Cerrado. Inevitavelmente, o Cerrado vai queimar, e vai ser num momento em que ninguém está controlando", lembrou Vânia sobre o grande incêndio que atingiu 90% do Parque Nacional das Emas, em Goiás, em 2010.
Tesouro perdido
O manejo de fogo, no entanto, foi durante muito tempo proibido no Brasil. Uma lei de 1989 autorizou a prática, mas, segundo a pesquisadora da USP, ainda hoje é difícil obter licença dos órgãos ambientais. Além da falta de conhecimento sobre a importância do fogo para o Cerrado, a professora aponta como motivo a falta de estrutura para fazer o manejo de forma adequada.
"Há sempre o risco de o fogo sair do controle e atingir a fazenda vizinha, o que seria um grande problema. Por isso é preciso ter uma brigada de incêndio bem treinada e equipada. Mas as unidades de conservação, tanto federais como estaduais, têm grande carência de recursos humanos e materiais."
A falta de manejo de fogo adequado não é, no entanto, a única ameaça à biodiversidade do Cerrado, que originalmente cobria 22% do território brasileiro. Graças principalmente ao cultivo de soja, mas também à pecuária, à extração de madeira para produção de carvão para siderurgia, à industrialização e à urbanização, mais de 55% do bioma já foi desmatado ou descaracterizado.
"O Cerrado é um dos 25 ecossistemas do planeta com alto risco de extinção”, ressaltou Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química da Unesp (Universidade Estadual Paulista), ao apresentar a palestra “Beleza & Inspiração do Universo Micromolecular da biodiversidade do Cerrado", também presente na rodada de palestras.
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