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Luiz Felipe Alencastro

Com o degelo do polo norte, rotas marítimas são intensificadas no Ártico

17/03/2019 21h40

O oceano Ártico se transformou na nova, e derradeira, fronteira marítima do planeta. Como foi notado neste espaço, o aquecimento global tem reduzido as calotas polares do Polo Norte, permitindo a navegação cada vez mais frequente entre os portos do Extremo Oriente e a Europa. À medida que o degelo se espalha, os fluxos de navios se aceleram.

No verão boreal de 2013, um cargueiro chinês saiu de Dalian, na China, e chegou a Roterdã, cruzando o Oceano Ártico e inaugurando a nova rota Oriente-Ocidente que evitava o percurso mais longo do Canal de Suez. Inaugurado em 1869, o Canal de Suez, que só podia ser cruzado por navios à vapor, terminou a era da navegação à vela que dominou milênios de atividade humana no planeta. Uma exposição comemorativa dos 150 anos do Canal, aberta no ano passado em Paris, está agora em Marselha e seguirá para o Cairo.

Preparando-se para o impacto das novas rotas do Ártico no comércio marítimo mundial, o Canal de Suez foi ampliado e modernizado em 2017 para acelerar o fluxo de navios de maior porte. De fato, as únicas restrições da navegação existentes no Ártico são a extensão das calotas polares. Com o avanço do degelo, essas restrições diminuem e as rotas se intensificam.

No último mês de janeiro, navegando pela primeira vez no inverno sem o auxílio de navios quebra-gelos, duas embarcações russas, um gaseiro e um cargueiro, zarparam do porto chinês de Nansha, em Cantão (Guangzhou), cruzando o estreito de Behring em direção ao novo terminal de gás natural liquefeito (LNG) de Yamal, na península russa do mesmo nome situada ao norte da Sibéria Ocidental. Até então, esta rota mais curta só podia ser utilizada no verão.

No inverno, cargueiros russos e chineses continuavam a passar pelo Canal de Suez quando se dirigiam a Yamal. Inaugurado em 2017, o terminal de LNG de Yamal terá menos da metade de suas exportações dirigidas para a Europa. A maior parte da produção irá para o Extremo Oriente e sobretudo para China, que ao lado da Rússia e da França (grupo Total), também investiu na companhia regional de exploração e produção de LNG.

Confrontadas à nova rota do Ártico e à geopolítica dos oceanos, as marinhas de guerra das grandes potências se modernizam e se expandem. Mas é sobretudo o avanço da Marinha de guerra chinesa que impressiona os especialistas. Numa declaração ao jornal francês Le Monde, o almirante Christophe Prazuck, chefe do Estado-Maior da França, observou que a China construiu em quatro anos navios e submarinos em tonelagem equivalente ao da Marinha de guerra francesa. Atualmente, a frota chinesa conta com vasos de guerra que somam 1,6 milhões de toneladas, atrás da frota americana (3,3 milhões de toneladas), mas já na frente da Rússia (1 milhão de toneladas).

O Brasil, que possui a mais longa costa nacional atlântica, está mal equipado, tanto no plano econômico como no de suas forças navais. Assim, dentre os maiores portos de contêineres mundiais, Santos, o principal porto do país, aparece apenas em 38º lugar. No plano naval, o decreto de 18 de dezembro de 2008, relativo à reorganização das Forças Armadas, constatava que a esquadra da Marinha estava "concentrada no Rio de Janeiro". Em vista disso, o mesmo decreto especificava o estabelecimento "em lugar próprio, o mais próximo possível da foz do rio Amazonas, uma base naval de uso múltiplo, comparável, na abrangência e na densidade de seus meios, à Base Naval do Rio de Janeiro". E completava, "os planos terão um horizonte de trabalho previsto até 2030".

Falta tirar os planos do papel. Na realidade, para estimular os debates e as iniciativas, o decreto de 2008, poderia ter acrescentado que a esquadra da Marinha continua "ainda concentrada no Rio de Janeiro", como na Independência, antes da navegação a vapor, do Canal de Suez, do Canal do Panamá e da navegação no Ártico.

Luiz Felipe Alencastro