O Brexit, as Malvinas e o Atlântico Sul
O Brexit tem sido uma caixa de más surpresas, com novos problemas surgindo a cada etapa das negociações. A melhor prova disso é a questão da fronteira irlandesa. Pouco ou nada debatida no referendo em 2016, a futura fronteira que vai separar a República da Irlanda e a Irlanda do Norte se transformou no principal entrave a um acordo entre britânicos e europeus.
Sob soberania britânica no ultramar, há dois territórios que vão gerar dificuldades na era pós-Brexit. O primeiro é Gibraltar, disputado pelo governo de Madri. Dependendo do Reino Unido, mas com sua própria Constituição, Gibraltar é reivindicado pela Espanha desde o século 18.
Enquanto o Reino Unido integrou a UE (União Europeia), as tensões entre Londres e Madri a respeito de Gibraltar eram intermediadas, e neutralizadas pelas autoridades de Bruxelas. No pós-Brexit o quadro se altera e a UE se solidarizará mais com Madri no contencioso sobre Gibraltar.
Fora da Europa e da mediação diplomática do Velho Mundo, o arquipélago das Malvinas/Falklands poderá se tornar um problema bem mais sério, redefinindo a geopolítica pós-Brexit no Atlântico Sul.
Depois da derrota argentina na guerra das Malvinas, em 1982, o Reino Unido e Argentina assinaram os Tratados de Madri 1 (1989) e 2 (1990), restabelecendo as relações diplomáticas entre os dois países e o regime de navegação e de comercio nas Malvinas. Os 3.400 habitantes ingleses das Malvinas se preocupam com o Brexit porque recebem subsídios da UE e exportam a quase totalidade do peixe, da lã e um terço da carne da região para os 27 países da Europa continental.
Com a saída do Reino Unido, haverá impostos de importação a serem pagos nestes países. Agora, com a campanha presidencial argentina, surgiram outros motivos de preocupação.
Num dos últimos debates eleitorais, Alberto Fernandez, que muito provavelmente será eleito presidente da Argentina no próximo domingo, retomou o tema da revisão dos Tratados de Madri, declarando: "Vamos reivindicar a soberania sobre nossas Ilhas Malvinas".
Em 2016, o governo Macri e o governo de Theresa May assinaram um acordo facilitando os voos entre o arquipélago e a Argentina, assim como a exploração de petróleo e gás nos mares das Malvinas. Setores ligados aos Kirchner criticaram este acordo, que continua em vigor sem ter sido ratificado pelo Congresso argentino.
No contexto da campanha presidencial argentina, a notícia do mês passado sobre o novo voo direto da Latam entre São Paulo e Mount Pleasant, nas Malvinas, além de um voo mensal entre os dois aeroportos com escala em Córdoba, na Argentina, suscitou reações que pegam o Brasil de tabela. Assim, o governo da província de Tierra del Fuego, Antartida y Islas del Atlantico Sur, que tem este nome oficial justamente marcar a reinvindicação argentina sobre as Malvinas, "repudiou" o decreto de Macri autorizando o voo São Paulo - Malvinas, dizendo que a iniciativa só atende aos interesses ingleses e não favorece a Argentina.
Na semana passada, o embaixador Jorge Argüello, secretario estadual para as Malvinas do governo de Tierra del Fuego e, segundo o jornal El Clarín, provável chanceler argentino na eventual presidência de Alberto Fernandez, foi ainda mais incisivo. Para ele, o acordo de 2016 deve ser revisto. Indo mais longe, ele afirmou que a Argentina deveria levar a questão das Malvinas às instâncias internacionais e, em particular, à Comissão de Descolonização da ONU.
Como reagirá o governo de Londres? Até agora, o arquipélago é considerado território europeu, ao mesmo título que a Guiana Francesa e os outros territórios ultramarinos pertencentes aos países membros da UE.
No pós-Brexit, a cobertura diplomática e política que a UE fornece à presença britânica nas Malvinas irá cessar. Buenos Aires tentará iniciar embate diplomático mano a mano com Londres? Ou tudo ficará na retórica? Pode ser que sim.
Num artigo publicado no último sábado (19) no El Clarín, o cientista político Vicente Palermo escreveu com ironia: "Na política, quando queremos (os argentinos) dizer algo importante, falamos primeiro das Malvinas, e quando não podemos, não queremos, ou não sabemos o que falar, é melhor falar das Malvinas".
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