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Luiz Felipe Alencastro

Trump e o supremacismo branco

Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump - Kevin Lamarque/Reuters
Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump Imagem: Kevin Lamarque/Reuters

18/07/2019 16h15

O insulto do presidente Donald Trump a quatro congressistas da ala de esquerda do partido democrata - cujas famílias têm próxima ou longínqua ascendência estrangeira - representa uma grave regressão na história política dos Estados Unidos.

Como se sabe, referindo-se às deputadas, três delas americanas de nascimento e a quarta por naturalização, todas notoriamente críticas de seu governo, Trump tuitou que elas deveriam voltar para os seus países corruptos e falidos. No caso de Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), a mais conhecida das quatro deputadas, o insulto é duplamente aberrante: o pai de origem porto-riquenha de AOC nasceu, como ela, em Nova York, e sua mãe veio de Porto Rico, cujos habitantes são americanos desde 1917.

Em outras palavras, AOC foi atacada pelo presidente de seu país por causa de seu nome e seu tipo físico latino, visto que sua família tem cidadania americana há um século. O tuíte de Trump suscitou reações negativas nos Estados Unidos e em outros países.

Apesar de ser fervoroso admirador e aliado de Trump, Boris Johnson, provável futuro primeiro-ministro britânico, declarou que o ataque do presidente americano às quatro deputadas era "totalmente inaceitável".

Numa rara votação desta natureza, a maioria da Casa dos Representantes, com os votos dos deputados do partido democrata e quatro votos republicanos, condenou as declarações do presidente. Ao apresentar a moção, a presidente democrata da Casa dos Representantes, Nancy Pelosi, disse que os deputados deviam condenar os "tuítes racistas" de Trump. Sua declaração deu lugar a debates acalorados dentre e fora do Congresso.

Sem se perturbar com as críticas, Trump reiterou sua investida num comício em Greenville, na Carolina do Norte, visando mais diretamente a deputada Ilhan Omar, nascida na Somália. Seus adeptos começaram então a apoiá-lo gritando "Mande-a embora, mande-a embora".

Ao analisar o incidente, Mathew Yglesias, cofundador do site de informações Vox, apontou o radicalismo do ataque à Ilhan Omar, que chegou aos Estados Unidos aos 10 anos idade, naturalizou-se americana e foi eleita ao Congresso. Para ele, o incidente mostra que a ofensiva de Trump ameaça muito mais gente do que os imigrantes ilegais.

De fato, Trump já havia usado uma palavra de baixo calão para caracterizar países de onde vem a maioria dos atuais imigrantes. Sublinhando a gravidade dos fatos ocorridos no comício de Trump, o ativista e escritor antirracista Shaun King também sublinhou a gravidade dos fatos ocorridos no comício de Trump em Greenville: "Foi um dos momentos mais racistas da moderna história política americana".

A situação atual de incitação de ódio aos estrangeiros só encontra paralelo nos anos 1920, quando ocorreu o processo de Sacco e Vanzetti. Imigrantes italianos e militantes anarquistas, Sacco e Vanzetti foram acusados de assassinato, condenados à morte e executados em 1927 numa prisão do Massachusetts. Seu processo interveio num clima de ódio racial contra italianos pobres e católicos que chegavam em massa num país predominante dirigido por protestantes de origem britânica e norte europeia.

Cinquenta anos após sua morte, o governador de Massachusetts, Michael Dukakis reconheceu oficialmente que Sacco e Vanzetti haviam sido injustamente julgados e condenados. Na realidade, a política americana havia se transformado na época do governador Dukakis. Tanto os dirigentes democratas como os republicanos defendiam orgulhosamente a contribuição dos imigrantes ao passado e ao presente americano.

No seu último discurso na Casa Branca, em janeiro de 1989, o presidente Ronald Reagan, uma das lideranças republicanas mais respeitadas dentro e fora de seu partido, fez o elogio aos imigrantes. "Nós lideramos o mundo porque nós somos a única nação que extrai nosso povo, nossa força, de todos os países e todos os cantos do mundo...graças a cada nova vaga que chega nesta terra de oportunidade, nos somos uma nação sempre jovem, sempre cheia de energia e novas ideias."

A penúltima capa da revista Economist tem como título "A crise global do conservadorismo". Reiterando a defesa de sua histórica linha editorial reformista e conservadora, o artigo mostra como o centro e a direita estão sendo abaladas pelo avanço eleitoral da extrema-direita em vários países do mundo.

Conclusão da revista: o extremismo de direita constitui hoje a maior ameaça ao pensamento e às políticas conservadoras. Comparando-se o discurso de Reagan na Casa Branca em 1989 e o comício de Trump na Carolina do Norte na semana passada, dá para entender melhor a matéria de capa da Economist.

Luiz Felipe Alencastro