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Luiz Felipe Alencastro

Boris Johnson, o "bufão" da rainha

Primeiro-ministro Boris Johnson faz seu primeiro pronunciamento no Parlamento britânico - AFP
Primeiro-ministro Boris Johnson faz seu primeiro pronunciamento no Parlamento britânico Imagem: AFP

26/07/2019 20h14Atualizada em 27/07/2019 12h32

A nomeação de Boris Johnson como chefe do governo britânico, na altura em que o Reino Unido encara sua maior crise desde a Segunda Guerra, suscitou reações na imprensa inglesa e europeia. Há dois tipos de críticas. As primeiras têm a ver com seu comportamento estouvado e oportunista. As segundas concernem as circunstâncias de sua eleição à chefia do governo. Boris Johnson foi correspondente do tabloide londrino Daily Telegraph em Bruxelas, junto à União Europeia (UE), entre 1979 e 1984.

Na época ele foi mimoseado com o apelido de "Bufão" por seus colegas jornalistas por causa das irresponsabilidades que escrevia sobre os assuntos europeus. O epíteto foi adotado por parte da imprensa inglesa e não só: no ano passado, Bertie Ahern, ex-primeiro ministro da Irlanda também chamou Boris Johnson de "bufão".

Segundo Jean Quatremer, veterano correspondente francês em Bruxelas, as reportagens caricaturais sobre a UE em que Johnson era exímio facilitaram a propaganda pelo Brexit. Puro produto das melhores escolas inglesas, leitor dos clássicos gregos no original, Boris Johnson fez uma pergunta em latim à comissão da UE que pregava o uso dos nomes científicos, latinos, dos peixes, na implementação das normas comunitárias sobre a pesca.

O lado gozador e boa praça com seus colegas jornalistas em Bruxelas, não apaga sua reputação de falso e de oportunista político, como salienta o jornalista britânico Martin Fletcher num artigo vitriólico no semanário londrino New Statesman. Ex-correspondente do The Times em Bruxelas e editorialista premiado, Fletcher bate duro em Boris Johnson: "um mentiroso...tão desprovido de princípios e de integridade que é capaz de sacrificar o futuro da nação no altar de sua própria ambição".

Mas Fletcher vai mais longe apontando o processo político enviesado que levou Boris Johnson ao posto de primeiro-ministro. Aqui intervém a segunda ordem de críticas levantadas contra o processo de nomeação do atual primeiro-ministro.

Como é sabido, os conservadores, aliados aos ultraconservadores norte-irlandeses do DUP, têm maioria parlamentar até o final da atual legislatura em 2022. Na circunstância, seguindo os trâmites constitucionais e a prática parlamentar, bastou o voto majoritário dos militantes inscritos no partido, cerca de 160.000 eleitores e, em seguida, a maioria absoluta dos votos (160) dos deputados conservadores, para sacramentar a substituição de Theresa May por Boris Johnson na chefia do partido e, desta sorte, na chefia do governo.

Boris Johnson tem garganteado que sairá da UE sem nenhum acordo (hard Brexit), batendo as portas, caso a UE não renegocie o acordo concluído com Theresa May. Sucede que o programa do partido conservador nas eleições de junho de 2017, que deu lugar à maioria existente na atual legislatura, excluía o hard Brexit. Ao contrário, a proposta apresentada ao eleitorado previa a saída da UE num contexto de "parceria profunda e especial" com os 27 países europeus.

De seu lado, a UE já anunciou que o acerto foi discutido intensamente entre as duas partes durante 17 meses e, por isso, não haverá renegociação com ministério de Boris Johnson. Note-se que o novo ministério é dominado por direitistas hostis aos acordos com a UE. Diante do impasse anunciado, duas possibilidades se apresentam. A primeira é a dissolução do Parlamento e novas eleições gerais que veriam surgir uma maioria homogênea de partidários do hard Brexit.

Boris Johnson continuaria primeiro-ministro, apoiado por deputados mais fiéis a ele e, também, pelos deputados Brexit Party, do eurófobo Nigel Farage. O governo de Londres iria assim sem hesitar para uma ruptura total com a UE, pagando o custo que fosse necessário. Incluindo aí a provável dissolução do Reino Unido na sua forma atual, com a saída da Escócia, e eventualmente, da Irlanda do Norte.

A segunda possibilidade foi aventada por Jean Quatremer e, diz ele, por outros especialistas em Bruxelas: Boris Johnson é tão oportunista que é bem capaz de abandonar o Brexit e manter na UE, se perceber que pode tirar partido disso.

Seria a maior viração de casaca em Westminster desde 1846. Naquele ano, o primeiro-ministro Robert Peel, depois de apoiar durante uma década as leis que protegiam os grandes produtores ingleses de alimento e de trigo (Corn Laws), mudou de opinião e aprovou o livre-cambismo, abolindo as tarifas protecionistas.

"Peelism" passou a designar, na sua generalidade, a mudança radical de opinião política. Boris Johnson dará uma pirueta política parecida, se transformando da noite para o dia num decidido pró-europeu? Parece improvável. Além disso, as comparações são sempre relativas. Aliás, não há registro que Robert Peel tenha sido algum dia chamado de "bufão".

Errata: este conteúdo foi atualizado
O 9º parágrafo de versão anterior desta coluna citava um nome incorretamente. O certo é Nigel Farage, e não Neil. O erro foi corrigido.

Luiz Felipe Alencastro