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Luiz Felipe Alencastro

O Sahel e as ameaças sobre o Mediterrâneo ocidental

Presidente da França, Emmanuel Macron - TF1 / AFP
Presidente da França, Emmanuel Macron Imagem: TF1 / AFP

25/12/2019 13h44

Sahel é o nome da faixa territorial de 600 km de largura e 5.400 km de extensão situada entre o Saara e as savanas ao norte da floresta tropical africana. Lá atrás, há 4 mil anos, quando começou a desertificação saariana, povos berberes ocuparam a região. Mais tarde, a introdução do dromedário facilitou o nomadismo das comunidades berberes e, em seguida árabes, adaptadas à inclemência do meio ambiente.

Colonização e descolonização moderna no Sahel, essencialmente promovidas pela França e pelo Reino Unido, geraram fronteiras que separaram etnias da mesma cepa e misturaram num mesmo território nacional culturas dissemelhantes e por vezes antagônicas. Vários conflitos marcaram a região, mas a derrubada do regime de Kadafi em 2011, no auge da Primavera Árabe, desestabilizou todo o Sahel.

A imensa quantidade de armas estocada no país durante anos foi apropriada por grupos que disputavam o poder na Líbia e nos países vizinhos. Mercenários tuaregues malianos e nigerenses da Legião Islâmica, formada na Líbia por Kadafi, voltaram armados para os seus países e, no Mali, se rebelaram contra o governo de Bamako.

Para salvaguardar seus interesses, sobretudo do Níger, que contém grandes reservas de urânio e, mais ainda, para evitar o desabamento dos Estados da região frente aos grupos jihadistas, a França lançou em 2014 a operação Barkhane. Reunindo 4.500 soldados franceses e algumas dezenas de militares britânicos, esta força expedicionária possui consistente apoio aéreo e intervém na Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Níger e no Chade, cinco ex-colônias francesas.

No Mali há também uma força de paz da ONU, composta por cerca de 9 mil soldados majoritariamente africanos. De seu lado, os Estados Unidos fornecem uma ajuda anual de US$ 5,5 bilhões para a segurança dos países desta parte da África. Nos últimos tempos, a atividade de grupos armados ligadas à Al-Qaeda e ao Estados Islâmico recrudesceu, relançando violências étnicas no Mali e no Burkina Faso.

Incluídos pela ONU na lista dos mais pobres do mundo, os cinco países mencionados acima se organizam desde 2014 no âmbito do G5 Sahel. Organismo de cooperação regional para o desenvolvimento e a segurança coletiva, o G5 entretém relações desiguais com a França, cujos militares se impõem às autoridades sahelianas, gerando sentimentos antifranceses entre a população local.

Criticado em seu próprio país por manter há cinco anos tropas francesas numa zona de confrontos armados, o presidente Macron convocou no começo do mês os presidentes do G5 Sahel, para uma reunião em Pau (sul da França), a fim de "clarificar" as relações entre Paris e as cinco capitais africanas. Numa conferência realizada em Marrakesh na mesma época, um diplomata africano, comentou: "Macron quer desmentir críticas ao neocolonialismo francês, e o que ele faz? Chama os cinco presidentes do Sahel para uma reunião na França. Por que ele não vem encontrá-los em Niamey (capital do Níger e sede do G5)?".

Um ataque jihadista que resultou na morte de 71 soldados nigerenses e um acidente de helicóptero no Mali que matou 13 soldados franceses, levaram ao adiamento do encontro entre o presidente da França e os presidentes do G5 e deram mais relevo aos conflitos no Sahel.

No horizonte geopolítico, os países ocidentais e principalmente os países mediterrânicos europeus, temem que a desarticulação dos Estados do Sahel provoque tumultos na África do Norte, desencadeando guerras civis e fluxos de refugiados, a exemplo do que já acontece na Líbia e no Oriente Médio.

Em julho de 2012, quando começou a insurreição dos tuaregues vindos da Líbia no norte do Mali, Laurent Fabius, ministro do exterior do governo de François Hollande, declarou: " Nós já tivemos o Afeganistão, não pode haver agora Sahelistão". Sete anos depois, o destino e a estabilidade dos países do Sahel ainda não estão garantidos.

Luiz Felipe Alencastro