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Luiz Felipe Alencastro

Balanço da década: o Brasil e a China

Bolsonaro presenteia Xi Jiping com camiseta do Flamengo - Reprodução/Twitter
Bolsonaro presenteia Xi Jiping com camiseta do Flamengo Imagem: Reprodução/Twitter

01/01/2020 16h00

Nesta virada de ano, reportagens da mídia nacional e estrangeira apresentam retrospectiva dos últimos dez anos e, às vezes, das duas primeiras décadas do século. Há várias maneiras de tratar o assunto. Penso, entretanto, que a irresistível ascensão da China marca as duas décadas passadas. Numa reportagem de outubro de 2018, a revista Economist foi mais longe, "manchetando", que o século 21 é o século da China. A revista se referia aos avanços da China, tanto no plano interno como no cenário internacional.

Mas no Brasil também se pode apontar o impacto transformador da presença chinesa. Nos anos 2000 o comércio sino-brasileiro aumentou acentuadamente e, em 2009, a China se tornou o primeiro parceiro comercial do Brasil, conservando a primazia ao longo da última década. Na sequência de uma alta de preços suscitada pela pantagruélica demanda chinesa, os principais produtos nacionais exportados para a China são commodities agrícolas e minerais.

Como resultado, houve apreciação do câmbio, aumento das importações de bens industriais e desindustrialização. Assim, o aumento das trocas com a China corresponde à diminuição da complexidade da economia, isto é, da diversidade e da sofisticação da estrutura produtiva brasileira. Num detalhe que resume os paradoxos da relação Brasil-China e ficará com um dos fatos marcantes da década, no dia 19 de outubro de 2019, a FIESP -, maior instituição representativa da indústria nacional -, cobriu seu prédio da avenida Paulista com a projeção da bandeira chinesa, comemorando o 70° aniversário da revolução comunista e da entrada das tropas de Mao Zedong em Beijing.

A força gravitacional da economia chinesa também incide sobre os eixos logísticos e territoriais brasileiros. Vira e mexe, surgem projetos de abertura de uma rota transcontinental, unindo um ou vários portos brasileiros a portos peruanos ou chilenos. Sob o impulso dos capitais chineses, um dia a Estrada do Pacífico será escavada, reduzindo o custo e tempo do transporte de mercadorias entre o Brasil e a China. A produção de soja e de carne do centro-oeste e norte brasileiro ficará mais perto das crescentes cidades chinesas. Na realidade, o norte do Brasil já está sendo impacto pela nova geopolítica dos oceanos gerada pela mudança do eixo econômico do Ocidente para o Oriente. A abertura da navegação comercial entre a Europa e o Extremo Oriente pelo oceano Ártico, iniciada em 2013, que reduz de 48 para 35 dias a viagem entre os portos do nordeste da China e Roterdã, levou à modernização do Canal de Suez (2015) e do Canal do Panamá (2016). Desde logo, as exportações pelo norte do Brasil tendem a crescer regularmente, sobretudo quando for concluída a ferrovia norte-sul e o chamado Arco Norte, incluindo porto fluviais e marítimos da Bahia, Pernambuco, Maranhão e Amazonas. Pela primeira vez, desde a criação do Estado do Grão Pará e Maranhão, concebido em 1621 como entidade autônoma da América Portuguesa, no contexto da política filipina envolvendo as quatro partes do mundo, o comercio externo, e essencialmente o comercio marítimo, rearticula a geografia econômica da totalidade do território nacional.

Dei destaque à China e em outros tópicos que abordei nas minhas colunas, numa emissão recente do programa Painel da GloboNews. Com Renata Loprete, Matias Spektor e Jorge Caldeira fizemos o balanço da década.

Esta é a minha última coluna no UOL na qual comentei, ao longo das duas décadas, de França, Estados Unidos e Brasil a União Europeia, a geopolítica dos oceanos, a demografia e a política internacional. Agradeço aos internautas que me ouviram na primeira fase nos videocasts e nos últimos anos me leram nesta coluna. Continuarei comentando os mesmos temas na mídia social (@alencastro_f) e alhures. A todos, desejo bons anos vinte.

Luiz Felipe Alencastro