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Luiz Felipe Alencastro

A Amazônia e os problemas globais do G7

24/08/2019 15h24Atualizada em 24/08/2019 16h13

A reunião do G7 que começa hoje em Biarritz, perto da fronteira franco-espanhola, tem uma pauta complexa. Vários contenciosos graves estão implícitos nas discussões previstas entre os líderes das grandes potências. O primeiro se refere às relações de Donald Trump com os europeus. Trump quer que os europeus imponham sanções suplementares contra o Irã.

Mais ainda, em plena guerra tarifária com a China, que não faz parte do G7, embora seja mais importante que os atuais membros do grupo, exceto os Estados Unidos, Trump também tem contas a acertar com seus parceiros europeus. Concretamente, Trump reclama do superávit comercial que a União Europeia (UE) e, em particular a Alemanha, detém em suas trocas com os EUA. Num discurso em meados deste mês, o presidente americano declarou: "A UE é pior que a China... e nos dá um tratamento (comercial) horrível".

Em seguida há o problema do Brexit, que envenena a política britânica, as relações entre a UE e o Reino Unido e também gera uma controvérsia na política interna americana. De fato, os EUA e o Reino Unido têm um tronco cultural comum e um envolvimento mútuo que distingue suas relações bilaterais, a "Special Relationship". O termo foi cunhado por Churchill em 1946, quando os dois países saíram vencedores da Segunda Guerra, depois de terem sido também vitoriosos na Primeira.

Por isso, lideranças americanas frequentemente dão palpites sobre a política inglesa e vice-versa. Contudo, o presidente Trump manifestou seu apoio ao Brexit com uma veemência que beirou a descortesia, visto que o tema provoca profundas divisões entre os britânicos. Trump já havia prometido, que os Estados Unidos fariam um acordo comercial vantajoso para os britânicos, tão logo eles saíssem da UE.

Agora, Nancy Pelosi também interveio no debate. Assim, a presidente democrata da Câmara dos deputados, advertiu Trump e, sobretudo, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que o Brexit não pode pôr em perigo o acordo de 1998 (The Good Friday Agreement) sobre a paz na Irlanda do Norte. Assinado entre principais antagonistas, isto é, os nacionalistas irlandeses e os unionistas da Irlanda do Norte, mas também pelos chefes do governo britânico e do governo da república da Irlanda, o acordo terminou 30 anos de conflitos sangrentos na ilha da Irlanda.

Este é justamente o impasse principal entre Boris Johnson e a UE: a manutenção da Irlanda do Norte na zona alfandegaria europeia, ou sua exclusão, como exige o primeiro ministro britânico. Todas as partes, inclusive a polícia britânica, estão de acordo que a volta de barreiras fixas na fronteira entre as duas Irlandas poderá reintroduzir os atentados e as violências na região.

Além da comoção internacional que já causaram na opinião pública e nos governos dos países do G7, as queimadas na Amazônia também incidem na política interna da UE e no debate global sobre a guerra tarifária. O protecionismo comercial americano foi um dos fatores que levou a UE a acelerar a negociação com o Mercosul, iniciadas há vinte anos e provisoriamente concluídas com o acordo de livre-comércio assinado em Bruxelas, em 28 de junho deste ano.

Já se sabia que a ratificação do acordo seria difícil, principalmente na Irlanda e na França, por causa do aumento da oferta de carne bovina francesa e irlandesa na UE na sequência do Brexit.

A Alemanha, bastante favorável ao acordo com o Mercosul, não havia aderido às críticas franceses e irlandesas. Ontem, Angela Merkel foi mais precisa, expressando suas reservas à anulação do acordo entre os europeus e os países do Mercosul. Segundo o seu porta-voz, a Alemanha apoia a ideia de Macron que liga o acordo Mercosul-UE à proteção do clima e do meio ambiente, mas considera que a ruptura do acordo não é uma "resposta apropriada" ao que está acontecendo na Amazônia. Resta saber qual será a proposta apresentada por Merkel em Biarritz.

Para Donald Tusk, presidente da UE, "é difícil prever um processo harmonioso de ratificação (do acordo) nos países europeus, enquanto o governo brasileiro permitir a destruição dos pulmões verdes de nosso planeta". A declaração de Donald Tusk é mais moderada. Mas, de fato, é difícil prever um processo harmonioso de ratificação quando o próprio presidente brasileiro se autodenomina "Capitão Motosserra".

Luiz Felipe Alencastro